Violência, Saúde e Classes Sociais

AutorEdvânia Ângela de Souza
Páginas263-268
DOI: https://doi.org/10.1590/1982-0259.2021.e80360
EDITORIAL
263
R. Katál., Florianópolis, v.24, n. 2, p. 263-265, maio/ago. 2021 ISSN 1982-025
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution Non-
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comerciais e que o trabalho original seja corretamente citado.
VIOLÊNCIA, SAÚDE E CLASSES SOCIAIS
Edvânia Ângela de Souza1
https://orcid.org/0000-0002-8997-7592
1Universidade Estadual Paulista, Departamento de Serviço Social, Franca, SP, Brasil
[…] João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, levando socos e chutes, de dois homens que vestiam
uma roupa preta. Ao lado dos dois, uma mulher acompanhava o espancamento filmando o ocorrido.
Em seguida, já com sangue escorrido pelo chão, outras pessoas aparecem em volta do homem,
enquanto os dois agressores tentam imobilizá-lo. Uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel
de Urgência (SAMU) tentou reanimar o homem depois que ele foi espancado, mas ele morreu
no local (CARTA CAPITAL, 2020).
Ao iniciar essas breves linhas para o editorial que abre o presente número da Revista Katályses,
sob o mote: Violência, Saúde e Classes Sociais, destaca-se o assassinato de João Alberto, homem negro
de 40 anos, que “foi espancado e morto por dois seguranças em uma unidade da rede de supermercado
Carrefour, em Porto Alegre” (CARTA CAPITAL, 2020). A execução pública teve como carrasco dois
suspeitos, sendo um deles policial militar e o outro segurança da loja. Tal selvageria ocorreu na véspera
do Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, e se apresenta não como a violência velada, pois este
fato lamentável teve expectadores que não apenas assistiram às cenas, como também filmaram e
depositaram o conteúdo na internet, que viralizou.
Seria esse acontecimento um fato isolado na sociedade brasileira? A problemática da violência,
cravada pela desigualdade social, de sexo, étnico-racial e regional comporta os crimes cometidos,
especialmente, contra mulheres, população LGTQI+, população negra e indígena, com decisiva conexão
entre capitalismo e racismo.
O assassinato de João Aberto não é um fato isolado, tampouco o fato de ser um homem negro
é acidental. Callinicos (1993) evidenciou que apesar de a sociedade brasileira ser constituida em sua
maioria pela população negra, as posições de prestígio, de mando e poder na sociedade são ocupadas
tendencialmente pelas pessoas brancas; já as negras não apenas são alvo das inserções sociais e
econômicas de menor status social e salarial, como também são as vítimas preferenciais da violência
policial e grupos de extermínio, o que pode ser constatado facilmente nos dados de encarceramento
e de homicídios, como discutido nos artigos que compõem o presente número. Substancialmente a
violência no mundo e, especialmente, no Brasil tem a particularidade étnico-racial, sexual e regional.
A violência, apesar de a sua manifestação ocorrer, geralmente, em relações e contextos imediatos e
particulares, alcança forma complexa distintiva do capitalismo, a própria escravidão racial está na
origem no capitalismo. Portanto, a violência antes de ser uma manifestação comportamental e moral
é fruto de um determinado modo de produção e das respectivas relações.
Callinicos (1993) evidencia que o racismo, a partir do trabalho compulsório na região das
Américas, torna-se parte do sistema capitalista econômico e mundial. Portanto, mesmo após a abolição
da escravatura, o processo de assalariamento manteve a divisão e fragmentação da classe trabalhadora,
inclusive a partir do preconceito racial, que fomenta além dos baixos salários, o distanciamento da

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