What kind of crisis? Istvan Meszaros and the structural crisis of the capital system/Que tipo de crise? Istvan Meszaros e a crise estrutural do sistema do capital.

AutorPolese, Pablo

Introducao

A abordagem sobre a crise do capital, feita por Istvan Meszaros, guarda semelhancas em varios aspectos com a de outro teorico defensor do carater "estrutural" da crise do capital, Robert Kurz; entretanto, ha entre ambos os autores significativas diferencas.

O presente artigo faz parte de um trabalho de mais folego que estou elaborando, o qual buscara problematizar, a partir da exposicao do legado teorico de grandes interpretes (que, supoe-se, podem nos ajudar a compreender o momento presente), se o capitalismo esta ou nao passando por uma crise, e qual e o carater dessa crise. Trata-se de uma crise ciclica? De uma crise estrutural? De uma crise no capitalismo, portanto util? De uma crise do capitalismo, com consequencias politicas para a esquerda anticapitalista? Ou, pelo contrario, o capitalismo nunca esteve tao bem e marcha "a todo vapor"?

A projecao e a de que o trabalho, quando finalizado, contara com oito partes: 1) Que crise? Importa saber? 2) Marx e a lei tendencial a queda da taxa de lucro; 3) Rosa Luxemburgo, Grossmann e o debate dos anos 1920 sobre o colapso do Capitalismo; 4) Mandel, Harvey e o carater ciclico das crises; 5) Kurz e o desmoronamento das bases de producao de valor; 6) Meszaros e a ativacao dos limites absolutos do capital; 7) Joao Bernardo: crises sem lei e conflitos sociais; 8) O Capitalismo esta a todo vapor ou indo para o brejo?

A linha de menor resistencia do capital

Segundo Meszaros (2004), assistimos, no capitalismo mais recente (em especial a partir da decada de 1970), a irracional situacao em que as potencialidades produtivas que o sistema do capital despertou e desenvolveu, em sua ascensao historica, passam a ser sistematicamente negadas pelo proprio sistema. Nesse sentido, no contexto de crise estrutural, o desenvolvimento das forcas produtivas aparece apenas no horizonte como potencialidade frustrada, contida e reprimida pelo proprio capital. Meszaros (2002, p. 680) chama esse movimento de adocao da linha de menor resistencia do capital. (1) Ou seja:

se encontrar um equivalente funcional capitalisticamente mais viavel ou facil para uma linha de acao que suas proprias determinacoes materiais de outro modo predicariam ('de outro modo' significando a expansao da producao correspondendo ao desenvolvimento da 'rica necessidade humana', como descrita por Marx), o capital deve optar por aquela que esteja mais obviamente de acordo com sua configuracao estrutural global, mantendo o controle que ja exerce, em vez de perseguir alguma estrategia alternativa que necessitaria o abandono de praticas bem estabelecidas. (Grifos nossos). Assim, embora seja verdade que o desenvolvimento da producao capitalista "requer que o circulo de consumo, no interior da circulacao, se expanda como o fez previamente o circulo produtivo" (MARX, 2011, p.333 --grifos nossos), segundo Meszaros (2002, p.679) existe um "equivalente funcional preferivel" a disposicao do capital: a aceleracao da velocidade de circulacao (o aumento do numero de transacoes) dentro do proprio circulo de consumo ja dado, ao inves de "embarcar na aventura mais complicada e arriscada de alargar o proprio circulo". Do ponto de vista do capital, "em situacoes normais", este e um caminho muito mais facil e conveniente para aquele que ja detem o controle da producao e se beneficia com a permanencia das coisas como estao. O motivo e duplo:

Primeiro, porque a expansao do circulo de consumo traz consigo a dificil tarefa economica de estabelecer uma malha comercial mais elaborada, que se estenda por areas anteriormente nao alcancadas e inseguras. E, em segundo lugar, porque a operacao de um circulo de consumo ampliado envolve uma mudanca, de modo nenhum desprezivel, do padrao de distribuicao prevalecente, com todas as suas complicacoes ideologicas e politicas. (MESZAROS, 2002, p. 680 grifos nossos).

Cabe ressaltar que, a nos, parece que Marx (2011, p. 332--grifos nossos) tinha ciencia da existencia desse "equivalente funcional"--que a epoca certamente ainda nao era o "preferido"--pois afirmou: "uma condicao da producao baseada no capital e a producao de um circulo sempre ampliado da circulacao, seja o circulo diretamente ampliado ou sejam criados nele mais pontos como pontos de producao." Ainda assim, parece haver uma diferenca qualitativa entre "mais pontos de producao" e "maior velocidade de circulacao", ja que nao ha uma correspondencia direta entre esses dois movimentos: "mais pontos de producao" esta mais relacionado ao capital em ascensao historica e ampliacao do dominio geografico do planeta, novos mercados a criar e expansao territorial do sistema. "Maior velocidade de circulacao", por sua vez, traz em si a possibilidade de ocorrer com o capital ja tendo saturado seu dominio geografico planetario, pois remete a um mesmo mercado de producao/consumo dotado de maior velocidade de giro do capital. Alem disso, diferentemente do que ocorre na segunda, da primeira nao podemos desdobrar (como necessidade) o aumento e predominio da taxa de utilizacao decrescente e suas consequencias beneficas para o aumento da velocidade de giro do capital.

Atualmente, mais que nunca, o capital demonstra que nao esta mais inclinado a "revolucionar incessantemente os instrumentos de producao, por conseguinte, as relacoes de producao e, com isso, todas as relacoes sociais" (MARX, 2010, p.42). Ao que parece, apenas quando o curso correspondente a "linha de menor resistencia" se mostra incapaz de atender satisfatoriamente aos requisitos do desenvolvimento capitalista e que sao perseguidos os "cursos alternativos", "transformadores" do modus operandi de organizacao do processo de exploracao de mais-valor. Ainda assim, sem o conteudo revolucionario de antes, pois visa deslocar as contradicoes subjacentes, de modo a "prevenir a ativacao das potencialidades libertadoras inerentes a 'socializacao da producao' tao esperancosamente contemplada por Marx" (MESZAROS, 2002, p.680).

Meszaros (2007) desenvolve alguns exemplos de situacoes nas quais o capital, as vezes ate mesmo contrariando as expectativas economicamente mais "plausiveis", segue a linha de menor resistencia. Um deles se refere a opcao pela prioridade a mais-valia absoluta, ao inves da relativa.

Segundo Meszaros (2002), embora seja obvio que o dinamismo basico da producao capitalista contemporanea esteja localizado na maisvalia relativa (o motor de exploracao "mais sofisticado"), o mesmo raciocinio acerca da prioridade ontologica dada pelo capital a linha de menor resistencia "vale para a relacao entre a mais-valia absoluta e relativa". Ou seja, embora a extracao de mais-valia absoluta seja, quando comparada a mais-valia relativa, "tosca" e "perdulariamente ineficiente", o capital em crise estrutural muitas vezes prefere seguir a linha de menor resistencia e manter as coisas intocadas. Isso acontece mesmo quando esta apto a mudar a estrutura produtiva de modo a priorizar a eficiente mais-valia relativa, em lugar da "selvagem" mais-valia absoluta.

Segundo o filosofo hungaro (MESZAROS, 2002), o periodo de ativacao da "crise estrutural do capital" se torna constatavel, entre outras coisas, justamente pela passagem da destruicao produtiva a producao destrutiva, enquanto dinamismo fundamental do sistema em crise. Alem disso, tambem pela concomitante retomada de modos de exploracao do tempo de trabalho, que se julgavam historicamente superados, como por exemplo a escravidao. Ele defende que e a insuficiente producao de valor no terreno do capitalismo avancado (e de alta composicao organica e automacao) que leva o sistema a manter a exploracao do trabalho em patamares tipicos da mais-valia absoluta. Em outras palavras, aquela modalidade mais bruta de exploracao do trabalho pela via da imposicao de um tempo absoluto maior de trabalho nao pago. Nesse sentido, os nichos de baixa composicao organica, na periferia do sistema, e que sustentariam a producao global de valor.

O carater estrutural da crise

Ha muita polemica em torno da qualificacao do momento historico em que vivemos, como sendo o de uma crise estrutural do capital. O teorico marxista afirma, no esteio de Marx, que "crises de intensidade e duracao variadas sao o modo natural de existencia do capital: sao maneiras de progredir para alem de suas barreiras imediatas e, desse modo, estender com dinamismo cruel sua esfera de operacao e dominacao" (MESZAROS, 2002, p.794). Nesse sentido, Meszaros (2002, p.795) aponta que "a ultima coisa que o capital poderia desejar seria uma superacao permanente de todas as crises", embora seus "ideologos e propagandistas frequentemente sonhem com (ou ainda, reivindiquem a realizacao de) exatamente isso". A seguir, Meszaros (2002, p. 796) enumera quatro aspectos do modo de ser da crise atual (pos-1970) que tornam necessario qualifica-la como "crise estrutural":

1) seu carater e universal, em lugar de restrito a uma esfera particular (por exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele ramo particular de producao, aplicando-se a este e nao aquele tipo de trabalho, com sua gama especifica de habilidades e graus de produtividade, etc.);

2) seu alcance e verdadeiramente global (no sentido mais literal e ameacador do termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de paises (como foram todas as principais crises no passado);

3) sua escala de tempo e extensa, continua, se preferir, permanente, em lugar de limitada e ciclica, como foram todas as crises anteriores do capital;

4) em contraste com as erupcoes e os colapsos mais espetaculares e dramaticos do passado, seu modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante, desde que acrescentemos a ressalva de que nem sequer as convulsoes mais veementes ou violentas poderiam ser excluidas no que se refere ao futuro: a saber, quando a complexa maquinaria agora ativamente empenhada na 'administracao da crise' e no 'deslocamento' mais ou menos temporario das crescentes contradicoes perder sua energia.

A seguir, Meszaros (2002) comenta que, embora a...

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