Acórdão nº RHC 29435 / RJ de T5 - QUINTA TURMA

Data18 Outubro 2011
Número do processoRHC 29435 / RJ
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 29.435 - RJ (2010⁄0218257-4)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
RECORRENTE : M.S.C.
ADVOGADO : ARIOSVALDO DE GOIS COSTA HOMEM - DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

HABEAS CORPUS. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL COM INFRAÇÃO DE DECISÃO ADMINISTRATIVA. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA IMPUTADA À RECORRENTE. INEXISTÊNCIA DE DECISÃO ADMINISTRATIVA CASSANDO O SEU REGISTRO PROFISSIONAL. DESNECESSIDADE. DECISÃO PROFERIDA PELA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL DEFERINDO O PEDIDO DE CANCELAMENTO DA INSCRIÇÃO DA RECORRENTE. CARACTERIZAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 205 DO CÓDIGO PENAL.

  1. Da leitura do tipo previsto no artigo 205 do Código Penal, percebe-se que o crime nele disposto caracteriza-se com a simples prática habitual de atos próprios da atividade que o agente se encontra impedido de exercer por força de decisão administrativa.

  2. Ao contrário do que aventado nas razões do presente reclamo, o crime em análise não pressupõe a cassação do registro profissional do agente, mas apenas que este exerça atividade que estava impedido de praticar por conta de decisão administrativa.

  3. Havendo nos autos a informação de que a recorrente estava impedida de exercer advocacia por força de decisão da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB que deferiu o cancelamento de sua inscrição, e não tendo o seu patrono anexado ao recurso ordinário em apreço qualquer documentação que evidencie que ela estaria apta a advogar quando da ocorrência dos fatos narrados na denúncia, não se pode falar em atipicidade da conduta que lhe foi imputada.

    PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL. HOMOLOGAÇÃO PELO JUÍZO. ARTIGO 76 DA LEI 9099⁄1995. POSTERIOR PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL ANTE O DESCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES DO ACORDO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA A PRECEITOS CONSTITUCIONAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

  4. No âmbito desta Corte Superior de Justiça consolidou-se o entendimento no sentido de que a sentença homologatória da transação penal possui eficácia de coisa julgada formal e material, o que a torna definitiva, motivo pelo qual não seria possível a posterior instauração de ação penal quando descumprido o acordo homologado judicialmente.

  5. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE 602.072⁄RS, cuja repercussão geral foi reconhecida, entendeu de modo diverso, assentando a possibilidade de ajuizamento de ação penal quando descumpridas as condições estabelecidas em transação penal.

  6. Embora a aludida decisão, ainda que de reconhecida repercussão geral, seja desprovida de qualquer caráter vinculante, é certo que se trata de posicionamento adotado pela unanimidade dos integrantes da Suprema Corte, órgão que detém a atribuição de guardar a Constituição Federal e, portanto, dizer em última instância quais situações são conformes ou não com as disposições colocadas na Carta Magna, motivo pelo qual o posicionamento até então adotado por este Superior Tribunal de Justiça deve ser revisto, para que passe a incorporar a interpretação constitucional dada ao caso pela Suprema Corte.

  7. Recurso improvido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, A.V.M. (Desembargador convocado do TJ⁄RJ) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

    Brasília (DF), 18 de outubro de 2011. (Data do Julgamento).

    MINISTRO JORGE MUSSI

    Relator

    RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 29.435 - RJ (2010⁄0218257-4)

    RECORRENTE : M.S.C.
    ADVOGADO : ARIOSVALDO DE GOIS COSTA HOMEM - DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
    RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por M.S.C. contra acórdão proferido pela Primeira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que denegou a ordem nos autos do HC n. 2010.02.01.007435-2, mantendo a ação penal contra ela instaurada para apurar a suposta prática do delito de exercício de atividade com infração de decisão administrativa.

    Segundo consta dos autos, em face do descumprimento das condições que lhe foram impostas em transação penal, o processo criminal instaurado contra a recorrente foi retomado, restando ela condenada à pena de 1 (um) ano de detenção, além do pagamento de 100 (cem) dias-multa, pela prática do crime previsto no artigo 205 do Código Penal.

    Sustenta o patrono da recorrente que a conduta a ela imputada seria atípica, já que não teria descumprido decisão administrativa, pois não houve a cassação da autorização para o exercício da atividade de advogada, mas apenas o cancelamento de sua inscrição, a seu próprio pedido.

    Afirma que os fatos que lhe foram atribuídos constituem contravenção penal, razão pela qual o processo em tela deveria ser anulado a partir do recebimento da denúncia, por não ser de competência da Justiça Federal e já ter ocorrido a prescrição da pretensão punitiva estatal.

    Alega que ainda que se entenda pela tipicidade da conduta da recorrente, a ordem deveria ter sido concedida na origem, porque a decisão que homologa a transação penal faz coisa julgada formal e material, não sendo possível o prosseguimento do feito por conta do descumprimento das condições impostas quando da oferta do benefício.

    Requer o provimento do reclamo a fim de que seja concedida a ordem pleiteada na origem, trancando-se a ação penal ajuizada contra a recorrente.

    Concedida vista dos autos ao Ministério Público Federal, este deixou de apresentar contrarrazões à irresignação (e-STJ fl. 132).

    Os autos ascenderam a esta Corte Superior de Justiça, tendo a Subprocuradoria-Geral da República, em parecer de fls. 146⁄150, manifestado-se pelo desprovimento do reclamo.

    É o relatório.

    RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 29.435 - RJ (2010⁄0218257-4)

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Conforme relatado, com este habeas corpus pretende-se, em síntese, o trancamento da ação penal instaurada contra a recorrente, seja pela alegada atipicidade da conduta a ela imputada, seja pela apontada impossibilidade de oferecimento de denúncia em face do descumprimento das condições impostas em sede de transação penal.

    Segundo consta dos autos, a recorrente foi denunciada porque teria, no período compreendido entre 7.2.2003 e 10.9.2003, exercido advocacia em processo em trâmite na 4ª Vara Cível do Rio de Janeiro, embora estivesse impedida por decisão da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, que decidiu pelo cancelamento de sua inscrição (e-STJ fl. 67).

    Proposta transação penal pelo Ministério Público, o benefício foi aceito pela recorrente, tendo o processo sido suspenso, consoante a decisão de fl. 68.

    Descumpridas as condições que foram impostas, o feito foi retomado, extraindo-se da decisão proferida pelo Juízo responsável pelo processo as seguintes passagens:

    "Antes mesmo de oferecida a denúncia, por se tratar de crime de menor potencial ofensivo foi oportunizado à denunciada a transação penal (fls. 47⁄48), que foi aceita mediante o cumprimento da seguinte condição: advogar durante um ano no Juizado Especial desta Justiça Federal, em regime de plantão. Nesta mesma oportunidade foi concedido prazo de dez dias para que a mesma juntasse comprovantes de que teria atuado regularmente como advogada. Já nesse ponto M.S.C. deixou de apresentar tais documentos, tendo pedido, por duas vezes, dilação de prazo.

    Assim, por não ser possível a atuação da mesma como advogada perante o Juizado Especial Federal, foi realizada nova audiência (fls. 89) na qual ficou estabelecida a transação penal sob a condição de doação de 1 (uma) cesta básica no valor de R$ 200,00 por mês no período de 1 (um) ano a entidade cadastrada neste Juízo.

    Embora tenha aceito tal proposta, a denunciada peticionou às fls. 93, requerendo a redução do valor da cesta básica para R$ 50,00 reais. Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal rejeitou tal alteração (fls. 125, verso), tendo sido mantidos os termos originais da transação penal, com a concordância da compromissada (fls. 130).

    Contudo, ainda assim a ré deixou de cumprir o acordado. A denúncia foi oferecida em 23⁄06⁄2006, e recebida em 29⁄06⁄2006.

    Foi, então, realizada Audiência Especial de Suspensão, nos termos do art. 89 da Lei 9099⁄95, sendo que uma das condições era o comparecimento trimestral da denunciada em cartório para assinatura do termo.

    Mais uma vez foi descumprido o acordado, conforme certificado à fls. 273, o que deu azo à promoção ministerial de fls. 279.

    Agora, quando da que seria a última apresentação em Juízo, a ré novamente deixa de cumprir os termos da Assentada de fls. 265⁄266, pelo que o Ministério Público pugna pela revogação do benefício concedido a M.S. e pelo prosseguimento do feito.

    Do relatório acima extrai-se que todas as oportunidades legais foram dadas à acusada que, demonstrando desrespeito em relação às ordens judiciais, deixou de cumprir, de forma regular, todas as condições que se tentou estabelecer, justificando as faltas de comparecimento em Juízo com argumentos que indicam a falta de compromisso e o desprezo com que vem lidando com este processo.

    Assim, assinto com a promoção ministerial de fls. 289, verso, determinando o prosseguimento do feito." (e-STJ fls. 75⁄76).

    Sobreveio sentença...

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