Acórdão nº REsp 1349788 / RS de T3 - TERCEIRA TURMA

Data26 Agosto 2014
Número do processoREsp 1349788 / RS
ÓrgãoTerceira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.349.788 - RS (2011⁄0203163-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : V I P
ADVOGADO : ANA PAULA LEAL SBARDELOTTO E OUTRO(S)
RECORRIDO : J G P DE M
ADVOGADO : ANTÔNIO CERVANTES MARTINEZ E OUTRO(S)

EMENTA

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. CONFISSÃO. DIREITOS INDISPONÍVEIS. IMPOSSIBILIDADE. LIMITES DO PEDIDO. CONGRUÊNCIA. PARTILHA DE BENS. FRUTOS. PRODUTOS. MERA VALORIZAÇÃO DECORRENTE DA EXISTÊNCIA DE BEM. COMUNICAÇÃO. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 38, 128 E 351 DO CPC; ART. 5º DA LEI 9.279⁄96; ART. 271, V, DO CC⁄16.

  1. Ação de reconhecimento e dissolução de união estável, ajuizada em 16.10.2003. Recurso especial concluso ao Gabinete em 03.01.2012.

  2. Discussão relativa (i) à validade de confissão feita por advogado em audiência acerca da união estável entre as partes; (ii) à existência de decisão extrapetita e (iii) à partilha dos frutos dos bens particulares na união estável.

  3. Inviável o reconhecimento de violação ao art. 535 do CPC quando não verificada no acórdão recorrido omissão, contradição ou obscuridade apontadas pela recorrente.

  4. O artigo 38 do CPC, que trata dos poderes conferidos ao patrono por meio da outorga de instrumento de mandato para o foro em geral, elenca expressamente aqueles que não estão nela abrangidos, quais sejam: receber a citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso.

  5. “Confessar” é diferente de “transigir, acordar ou discordar” e não havendo previsão expressa daquele poder especial, no instrumento de mandato, não se pode admitir a confissão do advogado da recorrente, como prova da união estável das partes, no período de 1986 a 1998.

  6. Ainda que desconsiderada a confissão feita pelo advogado, relativa ao período de 1986 a 1998, segundo o acórdão recorrido, houve demonstração, pelo autor a ação, da existência de união estável entre as partes no período alegado pelo recorrido. E, alterar essa conclusão implicaria o revolvimento de matéria fática e a análise de provas, o que é vedado a esta Corte, por incidência da Súmula 7⁄STJ.

  7. Na hipótese analisada, o pedido do recorrido não se limitou à tutela declaratória de reconhecimento da união estável. O STJ firmou entendimento no sentido de que cabe ao julgador a interpretação lógico-sistemática do pedido formulado na petição inicial a partir de uma análise de todo o seu conteúdo.

  8. O CC⁄02 não é aplicável à hipótese, haja vista que a união estável estabelecida entre as partes teve seu término em 2002, ou seja, antes da entrada em vigor do novo Código. Toda a questão, portanto, deve ser analisada à luz do disposto no Código Civil de 1916 e na Lei 9.278⁄1996.

  9. Da interpretação do art. 5º da Lei n.º 9.278, de 1996, ressai cristalina a assertiva de que na união estável o regime de bens é o da comunhão parcial, pelo qual há comunicabilidade ou meação dos bens adquiridos a título oneroso na constância da união, prescindindo-se, para tanto, da prova de que a aquisição decorreu do esforço comum de ambos os companheiros.

  10. Embora a união estável das partes tenha sido reconhecida no período de 1986 a 1998, a presunção de mútua colaboração na formação do patrimônio do casal, aplica-se a todo o tempo de duração da relação.

  11. A Lei 9.278⁄96 afasta a comunicação apenas do produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união estável. A comunicação dos frutos, no entanto, é admitida com fundamento no art. 271, V, do CC⁄16, aplicável à hipótese.

  12. A valorização dos imóveis de propriedade da recorrente trata-se de um fenômeno meramente econômico, não podendo ser identificada como fruto, produto do bem, ou mesmo como um acréscimo patrimonial decorrente do esforço comum dos companheiros. Ela decorre da própria existência do imóvel no decorrer do tempo, conjugada a outros fatores, como sua localização, estado de conservação, etc.

  13. Se os imóveis da recorrida não se comunicam porque foram adquiridos antes da união estável, ou na constância desta, mas a título de herança, ainda que tenham se valorizado ao longo do tempo, continuarão incomunicáveis.

  14. Recurso especial parcialmente provido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha (voto-vista), P. deT.S. e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.

    Brasília (DF), 26 de agosto de 2014(Data do Julgamento)

    MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    Relatora

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.349.788 - RS (2011⁄0203163-0)

    RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
    RECORRENTE : V I P
    ADVOGADO : ANA PAULA LEAL SBARDELOTTO E OUTRO(S)
    RECORRIDO : J G P DE M
    ADVOGADO : ANTÔNIO CERVANTES MARTINEZ E OUTRO(S)

    RELATÓRIO

    A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

    Trata-se de recurso especial interposto por V I P, com base no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ⁄RS).

    Ação: de reconhecimento e dissolução de união estável c⁄c partilha de bens, ajuizada por J G P DE M em face de V I P, aduzindo que viveu maritalmente com a ré de fevereiro de 1986 a dezembro de 2002. Pretende a partilha dos haveres decorrentes da valorização do patrimônio da ré, que teria ajudado a administrar.

    Contestação: a ré alegou, em síntese, que a relação mantida com o autor não se tratou de união estável, pois ausente o requisito da continuidade. Além disso, ela possuía outros relacionamentos afetivos no período, e somente separou-se judicialmente de seu primeiro cônjuge em 1998. Sustenta, ainda, que o autor jamais exerceu a administração de seu patrimônio, o qual foi recebido por herança, e a valorização sofrida pelos imóveis teria sido natural.

    Sentença: julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a existência da união estável entre as partes de fevereiro de 1986 a dezembro de 2002 e decretar sua dissolução, além de determinar a partilha dos frutos dos bens particulares, excetuados aqueles que foram recebidos por V I P, por herança, com cláusula de incomunicabilidade.

    Acórdão: deu parcial provimento ao recurso de apelação interposto por J G P DE M, e negou provimento à apelação de V I P, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 886⁄898):

    AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. NULIDADE DA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA. UNIÃO ESTÁVEL: AFFECTIO MARITALIS, NOTORIEDADE E PUBLICIDADE DO RELACIONAMENTO. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. PARTILHA DOS FRUTOS ADVINDOS DOS BENS COMUNS E PARTICULARES DOS LITIGANTES. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA 1. Não há nulidade alguma na sentença, pois examinou todas as questões jurídicas postas, ainda que tenha desacolhido a pretensão da parte. 2. Inexiste a pretendida nulidade no termo de audiência, pois compareceu o advogado constituído pela parte, munido dos poderes de “acordar, discordar” e “transigir”, tendo o julgador delineado os pontos controvertidos e aqueles sobre os quais não pairava dúvida, não tendo havido interposição de recurso algum acerca do que ali ficou deliberado, cuidando-se de questão preclusa. 3. A união estável assemelha-se a um casamento de fato e indica uma comunhão de vida e de interesses, reclamando não apenas publicidade e estabilidade, mas, sobretudo, um nítido caráter familiar, evidenciado pela affectio maritalis. 4. Tendo as partes convivido por um longo período, com coabitação, clara comunhão de vida e de interesses, resta induvidosa a affectio maritalis. 5. Comprovada a notoriedade e a publicidade do relacionamento amoroso, é cabível o reconhecimento de união estável. 6. Sendo reconhecida a união estável, torna-se imperiosa a partilha dos frutos dos bens comuns e particulares adquiridos na constância da união. 6. A assistência judiciária tem por pressuposto a condição de necessidade de quem a postula, a fim de que possa litigar em juízo na defesa dos seus direitos, sem prejuízo do próprio sustento. Recurso do autor parcialmente provido e recurso da ré desprovido.

    Embargos de declaração: interpostos por V I P (e-STJ fls. 902⁄908), foram rejeitados (e-STJ fls. 910⁄915).

    Recurso especial: interposto por V I P, como base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional (e-STJ fls. 919⁄938), aponta ofensa aos seguintes dispositivos legais:

    (i) arts. 458, II; 535 do CPC, em razão do acórdão recorrido não ter se manifestado sobre questões relevantes à solução da lide, notadamente o disposto nos arts. 38; 333; 351; 460 do CPC;

    (ii) art. 38 do CPC, pois o reconhecimento da união estável no período de 1986 a 1998 está fundado na confissão feita por seu advogado, em audiência, da qual não foi intimada pessoalmente. Sustenta que a procuração não tinha poderes para confessar, transigir ou reconhecer direito sobre o qual se funda a ação;

    (iii) art. 351 do CPC, que dispõe sobre a invalidade de confissão sobre direitos indisponíveis, como é a hipótese dos autos;

    (iv) art. 333, I, do CPC, haja vista que o autor não provou os fatos constitutivos do seu direito;

    (v) art. 128 do CPC, pois o acórdão recorrido teria extrapolado os limites do pedido, que era de cunho meramente declaratório, ao determinar a partilha dos frutos em liquidação de sentença;

    (vi) art. 5º da Lei 9.278⁄96 e 1.659 do Código Civil, com fundamento na incomunicabilidade dos frutos dos bens particulares.

    O dissídio jurisprudencial, por sua vez, estaria configurado entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido por esta Corte, no Resp 775471⁄RJ, que teria afastado a partilha dos frutos de bens recebidos por herança por um dos conviventes, quando da dissolução da união estável.

    Exame de admissibilidade: o recurso...

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