Projeto Ético-Político da categoria: entre a pandemia e as epidemias e as endemias de nossa sociedade/Ethical-Political Professional Project: between the pandemic and the epidemics and endemics of our society.

AutorSilva, Marcela Mary José da
CargoARTIGO

Introdução

A discussão sobre os desafios, que prefiro chamar de riscos ao Projeto Ético-Político do serviço social, na contemporaneidade, são imensos e diversos. Assim são porque a vida humana nunca correu tanto risco de formas tão múltiplas como estamos constatando agora. Os véus caíram. As máscaras caíram e a luta tonou-se menos discursiva e mais franca. Quando destaco que as máscaras caíram refiro-me ao fato de não mais ser possível se esconder. Os posicionamentos precisam ser o que eles realmente significam. Segundo o Dicionário Léxico, posicionar-se é:

Verbo transitivo: 1. Ação de colocar numa determinada posição; 2. Estabelecer a posição de; verbo pronominal; 3. Assumir uma posição pensada ou estratégica; 4. Assumir determinada posição; localizar-se ou definir-se. (Etm. do latim: positiône). Reparemos que posicionar-se é uma ação. Ação no verbo e na carne. É uma ação relacional, uma externalização. O Código de Ética Profissional (1993), a Lei de Regulamentação da Profissão (1986) e as Diretrizes Curriculares da Abepss (2000) são cada um, separadamente, um posicionamento. Somando-se, constroem o que costumamos chamar de Projeto Ético-Político profissional (PEP). Pela lógica formal, o PEP é então um posicionamento da categoria que deve se expressar, se exteriorizar desde a formação até ao exercício profissional. Se assim acreditamos, o PEP é uma posição que se exterioriza, e não uma crença. Ele não é um discurso, seja ele escrito ou falado. Ele não pode ser considerado um horizonte ou uma utopia. A crença nessa possibilidade coloca o centro de nossa escolha profissional, a escolha pela classe trabalhadora, em cheque. A escolha pela classe trabalhadora, o se reconhecer como classe trabalhadora, faz com que as profissionais de serviço social reafirmem a existência da luta entre as classes sociais e a existência concreta da questão social e de suas manifestações. Colocar o PEP como um horizonte esvazia tudo sobre o que a profissão se sustenta. É preciso revisitar as escolhas da profissão, aprofundar as discussões sobre os pensadores basilares da sua existência. Ele, o PEP, não é o atestado de que existe a dicotomia entre a teoria e a prática.

Sendo a profissão de assistente social inscrita na divisão sociotécnica do trabalho, como bem coloca Iamamoto e Carvalho (1982) é fundamental que entendamos que ela responde a uma necessidade específica do trato social. Há algo que cabe ao assistente social fazer, desenvolver, trabalhar, intervir, que não é do campo de outras atividades profissionais, que, igualmente a ele, respondem a demandas sócio-históricas bem definidas e que estão em pleno desenvolvimento. Sim. Nossa profissão está em pleno desenvolvimento e está se desenvolvendo num mundo cujos marcadores legais, frutos de lutas de diversos segmentos da sociedade, estão se desmanchando. Nesse caminho, também os direitos, que para nós pareciam tão sólidos. Mas, como disseram Marx e Engels (2012, p. 67):

A burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção - ou seja, as relações de produção -, isto é, o conjunto das relações sociais. [...] A transformação contínua da produção, o abalo ininterrupto de todas as condições sociais, incerteza e movimento eternos, eis aí as características que distinguem a época burguesa de todas as demais. Todas as relações sólidas e enferrujadas, com seu séquito de venerandas e antigas concepções e visões, se dissolvem; todas as novas envelhecem antes mesmo que possam se solidificar. Evapora-se toda estratificação, todo o estabelecido; profanasse tudo que é sagrado, e as pessoas se veem enfim obrigadas a enxergar com olhos sóbrios seu posicionamento na vida, suas relações umas com as outras. Assim estamos: mal consolidamos os direitos, mal avançamos na inclusão de grupos e movimentos por tantos séculos invisíveis e vulneráveis, e os movimentos do capital, via Estado e estrutura democrática burguesa, vem tentando - e muitas vezes conseguindo - dissolver esses direitos. A dissolução de direitos na ordem burguesa projeta a dissolução da auto-organização de determinados segmentos sociais. Na contemporaneidade, a população indígena e a negra, as mulheres e a população LGBTQIA+, a população idosa e a juventude, a população em situação de rua e os servidores públicos, todas esses e mais algumas populações, estão sendo "dissolvidos" em seus direitos e bandeiras de luta.

Os desafios/riscos que estão sendo postos à vida humana - leia-se vida em sociedade - nunca estiveram tão visíveis. Em termos típicos do serviço social: nunca tivemos tanta intensidade nas formas de manifestação, refração ou manifestações da questão social. É possível que nunca na história da profissão a categoria profissional tenha sido tão pressionada a dar respostas, a fazer propostas e nem foi tão cobrada a explicitar posicionamentos.

Para entendermos essa exigência do mundo concreto à categoria é preciso realizar dois movimentos: um endógeno: a categoria precisa se autoavaliar e, na autoavaliação, se posicionar para si, se reconhecer e visibilizar-se como base. A cara da profissão é a cara de cada profissional que está tanto nos grandes centros quanto nas cidades e nos povoados mais esquecidos desse país. A cara do serviço social para a população de trabalhadores e trabalhadoras atendidas por ela é o rosto de cada profissional em cada espaço sócio-ocupacional. O segundo movimento é como se posicionar para essa sociedade do agora, cujas instituições, pessoas e processos estavam sendo comprendidos em linha reta. A compreensão do que é o PEP, sua relação intrínseca com os debates na formação e com as institui çõ ões que abrigam os processos de trabalho, podem nos dar algumas sinalizaes para alimentar esses dois...

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