Ação Civil Pública

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas2699-2737

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Como adotaremos o critério de lançar comentários aos dispositivos da Lei n. 7.347/85, segundo a ordem em que foram elaborados, não haverá uma sequência lógica dos assuntos.

1. Objeto

Dispõe a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985:

Art. 1.º Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I – ao meio ambiente;

II – ao consumidor;

III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;

V – por infração da ordem econômica.

Ação popular. Estabelece o art. 5.º, LXXIII, da Constituição Federal: “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.

O exercício da ação popular é regulado pela Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965.

Diz o art. 1.º da Lei da Ação Civil Pública (LACP) que se regem por suas disposições, sem prejuízo da ação popular, as ações que mencionada. Há necessidade, todavia, de ser feita esta complementação: sem prejuízo da ação popular e da ação a ser proposta pelo particular, na defesa de seu direito individual.

Essa legitimação para a ação popular e para a ação individual pode fazer com que, na prática, venham a ser ajuizadas duas ações, versando sobre a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, conquanto possuindo autores distintos. Diante disso, e como medida tendente a evitar pronunciamentos jurisdicionais ocasionalmente divergentes sobre a mesma matéria, o juiz prevento (ou seja, aquele que despachou em primeiro lugar: CPC, art. 106) deve determinar, por sua iniciativa ou a requerimento da parte interessada, a

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reunião dos respectivos autos, em virtude da conexão ou da continência existente, a fim de serem decididas simultaneamente ambas as causas (CPC, art. 105). Consideram-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir (CPC, art. 103). Ocorre a continência entre duas ou mais ações sempre que houver identidade de partes e de causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, pode abranger o das outras (CPC, art. 104).

A ação civil pública pode ser exercida em face do responsável direto ou do responsável indireto pelo dano, ou em face de ambos, considerando-se haver responsabilidade solidária entre um e outro. Formar-se-á, no caso, um regime litisconsorcial facultativo (CPC, art. 46, I), pois não é legalmente exigida a presença de todos na relação jurídica processual (litisconsórcio necessário: CPC, art. 47).

Danos morais e danos patrimoniais. Na linha da melhor opinião doutrinária e jurisprudencial, o legislador permitiu não só a cumulação das indenizações por danos morais e por danos patrimoniais, como deixou clara a possibilidade de essa cumulação ser realizada em sede de ação civil pública. A Lei n. 8.078/90 (CDC), que é posterior à Lei da Ação Civil Pública (LACP), autoriza essa cumulação (art. 6.º, VI). Dispõe, a propósito, a Súmula
n. 37 do Superior Tribunal de Justiça: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

Meio ambiente. Conquanto seja algo pleonástica, a expressão meio ambiente acabou por ser consagrada, inclusive, pelo legislador. Pode ser objeto de proteção, por meio de ação civil pública, não só o ambiente natural, como o ambiente artificial (urbano, rural, cultural, do trabalho, etc.).

Assim, a ação civil pública poderá ser utilizada, por exemplo, para compelir o empregador a realizar obra destinada a eliminar danos que estão sendo causados ao meio ambiente do trabalho.

Nem fica fora de cogitação a possibilidade de essa ação ser manejada com o escopo de obter o fechamento ou a transferência de estabelecimento industrial que esteja provocando grave contaminação ao meio ambiente.

Consumidor. Nos termos da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final(art. 1.º, caput). A Lei equipara a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo ou se encontre sujeita ou propensa a intervir nas relações de consumo (ibidem, parágrafo único).

As normas legais de direito material relativas ao consumidor estão contidas na mencionada Lei n. 8.078/90, ao passo que as normas processuais se acham inseridas na Lei
n. 7.347/85, que instituiu a ação civil pública. Esses dois sistemas legais, como se percebe, complementam-se de maneira harmoniosa.

Bens e direitos de valor artístico, etc. Também podem ser objeto de proteção, mediante ação civil pública, os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Referidos bens e direitos, na verdade, integram o conceito de meio ambiente cultural.

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A propósito, o ajuizamento da ação civil pública fundada em danos causados a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, etc. não pressupõe, necessariamente, a violação de norma legal ou administrativa, bastando a ocorrência objetiva do dano. O reconhecimento do valor estético, etc. do bem será efetuado pelo Poder Judiciário, pois não constitui ato privativo dos Poderes Legislativo ou Executivo.

Interesses difusos e coletivos. Inicialmente, a Lei n. 7.347/85 (LACP) não fazia referênca a interesses difusos ou coletivos. A defesa dessa classe de interesses veio a ser prevista, todavia, pela Constituição Federal de 1988 (art. 129, III). Posteriormente, a Lei
n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, instituidora da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, fez menção a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 25, IV). A Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, por sua vez, ao aludir a competência do Ministério Público da União, mencionou a proteção de “outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos” (art. 6.°, VII).

Interesses ou direitos difusos são os “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (Lei n. 8.078/90, art. 81, parágrafo único, I). Interesses ou direitos coletivos são os “transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com parte contrária por uma relação jurídica base” (ibidem, II).

Direitos ou interesses individuais homogêneos. São “os decorrentes de origem comum”, nos termos do inciso III do art. 81 da Lei n. 8.078/90.

Conquanto a LACP não faça referência a tais direitos e interesses, estes podem ser tutelados por meio de ação civil pública. A Lei Complementar n. 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União), em seu art. 6.º, VII, c, atribui legitimidade para o Ministério Público promover inquérito civil e ação civil pública para a proteção “de outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos” (destacamos).

Ordem econômica. Envolve o conjunto das atividades de natureza econômica, que são desenvolvidas pelas pessoas em geral, físicas ou jurídicas.

A ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por objeto assegurar a todos existência digna, conforme os preceitos da justiça social e observados os princípios traçados pelo art. 170, I a IX, da Constituição Federal (soberania nacional; propriedade privada; função social da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor; defesa do meio ambiente; redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego; tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte).

Controle da constitucionalidade. A ação civil pública não se presta ao controle (difuso, incidental) da constitucionalidade das leis e dos atos normativos do Poder Público, nem como meio para impedir, por exemplo, o pagamento de tributos — até porque, neste último caso, o acolhimento da pretensão acarretaria, provavelmente, a pronúncia de inconstitucionalidade da lei com base na qual o tributo estaria sendo cobrado.

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2. Competência

Art. 2.º As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

Competência funcional. Costuma-se afirmar, em doutrina, que a competência constitui a medida da jurisdição, entendida esta última como o poder-dever estatal se solucionar os conflitos intersubjetivos de interesses protegidos pela ordem jurídica. Sem investigarmos o acerto ou desacerto dessa definição, devemos dizer que, em matéria de ação civil pública exercida na Justiça do Trabalho, a competência funcional será do juízo de primeiro grau (Vara) e não do órgão de segundo grau (Tribunal).

A corrente de opinião que, nos primeiros momentos, sustentou a competência dos Tribunais do Trabalho para o julgamento das ações civis públicas incidiu do equívoco de supor que tais ações eram semelhantes àquelas que o sistema do processo do trabalho denomina de “dissídios coletivos” — estas, sim, inseridas na competência...

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