Ações Afirmativas no Direito Tributário

AutorLuiz Octavio Rabelo Neto
Páginas115-152
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AÇÕES AFIRMATIVAS
NO DIREITO TRIBUTÁRIO
O presente capítulo é o cerne deste estudo. Nele se preten-
de, sob uma perspectiva dos Direitos Humanos, analisar a pos-
sibilidade e a forma de utilização de benefícios scais como ins-
trumento das medidas de ação armativa, enfatizando as novas
funções exercidas pelo Direito Tributário sob a égide do Estado
Democrático de Direito, o qual tem nítido caráter interventor nas
relações econômicas e sociais.
Como salientam Liam Murphy e omas Nagel, em uma
economia capitalista, os tributos não são um simples método de
pagamento pelos serviços públicos e governamentais: são tam-
bém o instrumento mais importante por meio do qual o sistema
político põe em prática uma determinada concepção de justiça
econômica ou distributiva.132
132 MURPHY, Liam; NAGEL, omas. O mito da propriedade: os impostos e a
justiça. Tradução: Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Editora Martins Fontes,
2005, p. 5.
3
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Adotada neste estudo uma determinada concepção de jus-
tiça distributiva, a partir da teoria da igualdade de recursos de
Ronald Dworkin, analisar-se-á como esta teoria pode fundamen-
tar medidas de ação armativa que utilizem o Direito Tributário
como ferramenta, especialmente por meio da técnica dos bene-
fícios scais.
3.1 PODER-DEVER TRIBUTÁRIO E JUSTIÇA SOCIAL
COMO MECANISMO DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS
Inicialmente, faz-se necessário discorrer sobre a relação
existente entre poder-dever tributário, justiça social e Direitos
Humanos. Segundo o magistério de Aliomar Baleeiro, “O tributo
é a vetusta e el sombra do poder político há mais de 20 séculos.
Onde se ergue um governante, ele se projeta sobre o solo de sua
dominação.133
Os tributos são a principal fonte de receita do Estado con-
temporâneo. Eles são fundamentais para a própria existência do
Estado, que deles não pode prescindir para consecução dos seus
objetivos constitucionais. No exercício de sua soberania, o Estado
exige dos indivíduos os recursos que necessita e o faz usando o
seu poder de império. Não por acaso o artigo 3º do Código Tri-
butário Nacional dene o tributo como toda prestação pecuniária
compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que
não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
133 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 6ª ed. rev.
e atualizada por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1985, p. 1.
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Deve-se observar, contudo, que a relação de tributação não
é uma simples relação de poder de cunho autoritário, mas uma
relação jurídica em que os indivíduos consentem, por seus repre-
sentantes, na instituição do tributo, na limitação de sua liberdade
em prol do interesse coletivo.134
A tributação consentida foi um dos primeiros direitos hu-
manos conquistados historicamente pelos cidadãos. Exemplo
disso é que, segundo a narrativa de Alberto Nogueira, um dos
pontos básicos da Revolução Francesa consistiu na eliminação
dos privilégios scais da nobreza e do clero através da universa-
lização do tributo, de tal modo que todos contribuiriam segundo
suas possibilidades para a manutenção das despesas públicas.135
Dessa forma, o poder tributário não é ilimitado, devendo
respeito aos direitos fundamentais. A par dos direitos e garantias
fundamentais dispostos ao longo do texto constitucional, a Cons-
tituição Brasileira de 1988 previu um estatuto do contribuinte
composto de regras, princípios e garantias para limitação do po-
der de tributar, no capítulo do Sistema Tributário Nacional.
Conforme ensinamento de Baleeiro, “o sistema tributário
movimenta-se sob complexa aparelhagem de freios e amortece-
dores, que limitam os excessos acaso detrimentosos à economia e
à preservação do regime e dos direitos individuais”.136
Vê-se que o exercício do poder de tributar envolve um
complexo de fatores políticos, econômicos e jurídicos que, neces-
sariamente, provocam uma intervenção do Estado, seja na econo-
mia seja no meio ambiente social.
134 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 30ª e d. São Paulo:
Malheiros Editores, 2009, p. 29.
135 NOGUEIRA, Alberto. A reconstrução dos direitos humanos da tributação. Rio
de Janeiro: Editora Renovar, 1997, p. 68.
136 Ob. Cit., p. 2.

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