Acórdão Nº 0000001-18.2017.8.24.0075 do Segunda Câmara Criminal, 28-03-2023

Número do processo0000001-18.2017.8.24.0075
Data28 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0000001-18.2017.8.24.0075/SC



RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL


APELANTE: ALLAN DE OLIVEIRA BITTENCOURT (ACUSADO) ADVOGADO(A): MARCUS ROBERT LEITE DIAS (OAB SC066210) ADVOGADO(A): JOAO BATISTA BLÁSIUS (OAB SC027595) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) OFENDIDO: FELIPE DUTKA (OFENDIDO)


RELATÓRIO


Na Comarca de Tubarão, o Ministério Público ofereceu Denúncia em face de Allan de Oliveira Bittencourt, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incisos II e IV, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, em razão dos seguintes fatos (Evento 19, dos autos de origem):
No dia 18 de novembro de 2016, na residência da vítima, localizada na Rua Germano Siebert, n. 821, Bairro Santo Antônio de Pádua, nesta cidade e Comarca, Allan de Oliveira Bittencourt tentou, por motivo fútil e meio que dificultou a defesa do ofendido, matar Felipe Dukta, não tendo consumado seu intento por circunstâncias alheias à sua vontade.
Com efeito, a vítima Felipe Dutka envolveu-se em uma disputa familiar com Rodnei Pereira Bittencourt, tio do denunciado Allan de Oliveira Bittencourt, pela guarda dos netos da vítima, ocorrida após o falecimento de Elaine Tartari Dutka, filha de Felipe e esposa de Rodnei.
Foi nesse contexto que, na data supramencionada, o denunciado Allan, após ouvir seu tio Rodnei e a vítima discutindo pelo telefone, resolveu colocar fim à vida de Felipe Dutka, pretendendo ver encerrada a discussão familiar acerca dos cuidados com as crianças.
Para tanto, ainda no mesmo dia, por volta das 14 horas, o denunciado dirigiu-se até a residência de Felipe Dutka, trazendo consigo uma arma de fogo que era de sua propriedade. Lá chegando, Allan chamou a vítima pelo nome, no intuito de atraí-la para fora da casa.
Ato contínuo, no momento em que a vítima Felipe abria o portão eletrônico da garagem para atender a pessoa que o chamava, o denunciado Allan, agindo com intenção de matar, sacou sua arma de fogo e disparou três vezes contra Felipe, atingindo-o na perna, no abdômen e na virilha, provocando-lhe "lesão hepática transfixante em lobo esquerdo, lesão gástrica transfixante, lesão pancreática distal e lesão esplênica", conforme descreve o Laudo Pericial de fl. 140
O crime somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do denunciado Allan, na medida em que Felipe, mesmo ferido, entrou em luta corporal com o denunciado, que teve de desvencilhar-se da vítima e fugir do local para não ser imobilizado e, potencialmente, preso em flagrante delito, tendo a vítima sido socorrida por familiares após a fuga do denunciado e encaminhada a hospital, recebendo imediato tratamento médico que evitou o resultado morte almejado.
O crime foi cometido pelo denunciado Allan por motivo fútil, consistente no desejo de colocar fim às discussões familiares nas quais a vítima Felipe Dutka e seu tio Rodnei Pereira Bittencourt estavam envolvidos, valendo-se também o denunciado, na oportunidade, de recurso que dificultou a defesa da vítima, que foi atingida de surpresa enquanto abria o portão eletrônico da garagem de sua casa (fl. 96).
Encerrada a instrução preliminar, foi julgado parcialmente admissível o pleito formulado na Exordial, para pronunciar Allan de Oliveira Bittencourt pela prática do delito previsto no art. 121, § 2º, inciso IV, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal (Evento 203, dos autos de origem).
Submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, e em atenção à decisão soberana do Conselho de Sentença, o Juiz Presidente condenou Allan de Oliveira Bittencourt ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 12 (doze) anos, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, por infração ao disposto no art. 121, § 2º, inciso IV, c/c art. 14, inciso II, ambos do Estatuto repressivo (Evento 544, dos autos de origem).
Opostos Embargos de Declaração (Evento 551, dos autos de origem), os aclaratórios não foram conhecidos pelo Juízo a quo (Evento 562, do feito de origem).
Irresignada, a Defesa interpôs Recurso de Apelação, em cujas Razões (Evento 11) requer, preliminarmente, o reconhecimento de nulidade da Sessão Plenária, sob o argumento de que o Ministério Público se valeu de argumento de autoridade ao mencionar outras condenações proferidas em desfavor do réu e de uma testemunha defensiva. No mérito, pleiteia a anulação do decisium, por entender que a decisão dos Jurados se deu de maneira manifestamente contrária à prova dos autos. Subsidiariamente, pugna pelo afastamento da exasperação da pena-base em decorrência da culpabilidade, a readequação da fração de redução relativa à forma tentada do delito e a concessão do direito de recorrer em liberdade.
Apresentadas as Contrarrazões (Evento 15), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra da Exma. Sra. Dra. Rosemary Machado Silva, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do Apelo (Evento 18).
Este é o relatório

VOTO


O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.
Da preliminar
Sustenta a Defesa, de início, a necessidade de anulação da Sessão Plenária, sob o argumento de que o Ministério Público se valeu de argumento de autoridade, consistente na menção à prática de novos ilícitos pelo réu após os fatos descritos na Exordial, com o fim de influenciar o Conselho de Sentença.
Sem razão.
Isso porque, sem a necessidade de maiores digressões, é pacífico no âmbito do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o histórico criminal do réu não se encaixa na vedação contida no art. 478, incisos I e II, do Código de Processo Penal, sendo plenamente possível a sua utilização em plenário.
Mutatis mutandis, destaca-se a decisão proferida no AgRg no AREsp de n. 1.664.028/PR, de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 26/05/2020:
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. JÚRI. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE LINGUAGEM DA PRONÚNCIA. PRECLUSÃO. NULIDADES POR CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. [...] 6. No que tange à ilegalidade na referência dos antecedentes do acusado durante o julgamento do Tribunal do Júri, a jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a referência feita pelo Parquet durante os debates no julgamento perante o Tribunal do Juri, dos antecedentes do réu, não se enquadra nos casos apresentados pelo art. 478, incisos I e II, do Código de Processo Penal, inexistindo óbice à sua menção por quaisquer das partes (HC n. 333.390/MS, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta turma, julgado em 18/8/2016, DJe 5/9/2016). [...] 12. Agravo regimental não provido.
Registra-se, no ponto, que, embora o presente caso não diga respeito, propriamente, à vida pregressa do Apelante, uma vez que houve menção a condenação por fato posterior, obviamente que o raciocínio exposto no precedente acima é aplicável, por analogia, à hipótese sub judice.
O mesmo se pode dizer em relação aos antecedentes da testemunha defensiva, "pois a jurisprudência desta Corte Superior entende que o rol de vedações previsto no dispositivo é taxativo, não comportando interpretação ampliativa" (AgRg no AREsp n. 2.107.359/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 16/8/2022).
Afastam-se, deste modo, as prefaciais arguidas.
Do mérito
Pugna o Recorrente pela anulação da decisão tomada pelo Conselho de Sentença, por entender que esta se deu de forma manifestamente contrária à prova dos autos, em especial ante o não acolhimento da tese de incidência da excludente de ilicitude da legítima defesa.
Sem razão.
Salienta-se, desde já, que, em atenção ao princípio da soberania dos vereditos (art. 5°, inciso XXXVIII, alínea "c", da CRFB/1988), não cabe a esta Instância modificar, em sede recursal, a decisão proferida pelo Conselho de Sentença, mas tão somente averiguar sua legitimidade, o que ocorre por meio do exame das teses apresentadas em Plenário com o conjunto probatório produzido durante a instrução criminal.
Verificando-se, do cotejo, que a decisão dos juízes leigos foi manifestamente contrária à prova dos autos, a medida cabível é submeter o Réu a novo julgamento perante o Tribunal do Júri, conforme prevê o Código de Processo Penal em seu art. 593, § 3°, in verbis:
Art. 593. Caberá apelação no prazo de cinco dias: [...] III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: [...] d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. [...] § 3° Se a apelação se fundar no n. III, letra d, deste artigo, e o Tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação.
Por outro lado, existindo aderência da tese endossada pelo Conselho de Sentença com o contexto probatório, ainda que mínima, a deliberação plenária há de ser mantida, em deferência àquilo que sufragado pelo Juiz natural da causa.
Da lição de Norberto Avena, extrai-se que:
Somente é manifestamente contrária à prova dos autos a decisão dos jurados que se dissocia, integralmente, de todos os segmentos probatórios aceitáveis dentro do processo. Assim, se houver provas que amparem a decisão do Conselho de Sentença, não se anula o julgamento com base nesta alínea d, não importando o fato de existir número maior de elementos apoiando a tese rejeitada pelos jurados. (Processo Penal - 10ª edição - Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 1239)
No mesmo sentido, leciona Renato Brasileiro de Lima:
[...] para que seja cabível apelação com base nessa alínea e, de modo a se compatibilizar sua utilização com a soberania dos veredictos, é necessário que a decisão dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT