Acórdão Nº 0000002-88.2017.8.24.9003 do Terceira Turma de Recursos - Chapecó, 05-05-2017

Número do processo0000002-88.2017.8.24.9003
Data05 Maio 2017
Tribunal de OrigemSão Miguel do Oeste
Classe processualHabeas Corpus
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Terceira Turma de Recursos - Chapecó




Habeas Corpus n. 0000002-88.2017.8.24.9003, de São Miguel do Oeste

Relator: Marcio Rocha Cardoso

HABEAS CORPUS – TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL – ATIPICIDADE DO ART. 331 DO CP – CONVENÇÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS – INEXISTÊNCIA DA APONTADA INCOMPATIBILIDADE – PRECEDENTE DE TRIBUNAL SUPERIOR QUE NÃO TEM FORÇA VINCULANTE – ORDEM DENEGADA.




Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n. 0000002-88.2017.8.24.9003, da comarca de São Miguel do Oeste Vara Criminal, em que é/são Impetrante Defensoria Pública - Núcleo de São Miguel do Oeste-SC e Valdecir Pedro de Campos e Impetrado Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de São Miguel do Oeste/SC.


A Terceira Turma de Recursos - Chapecó decidiu, à unanimidade, denegar a ordem.


Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Juízes Ederson Tortelli e Giuseppe Belani.



Chapecó, 05 de maio de 2017.



Marcio Rocha Cardoso


Relator


VOTO

Tratam os autos de habeas corpus impetrado objetivando o trancamento de ação penal, isto ao argumento da atipicidade da conduta, eis que o tipo base se encontraria em dissonância com o art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos.


Inicialmente, ressalto que o julgamento realizado pelo STJ no Resp n. 1.640.084/SP não tem eficácia vinculante, regulando o caso concreto sob ele examinado. Não há, por outro lado, notícia de incidente de inconstitucionalidade na forma prevista na CF ( art. 97) e nos termos da súmula vinculante n. 10.


Vale lembrar que não há incompatibilidade entre a CF/88 e a Convenção Interamericana; ao contrário, os princípios nesta estampados estão plenamente previstos na Carta da Primavera.


A respeito da matéria, importante as considerações proferidas pelo Desembargador Júlio César Finger nos ED n. 70073051476, de Santa Rosa, julgados em 13.4.17:


"Contudo, entendo que o tipo do art. 331, do CP, está em pleno vigor, pois ausente qualquer ato normativo revogando-o e porque considero que o status de supralegalidade dado pelo STF à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto São José da Costa Rica, que foi subscrito pelo Brasil através do Decreto-lei nº 678, de 06/11/92 -, ainda que considerado materialmente constitucional, na esteira do voto do Ministro Celso de Mello no RE 466.343/RS, apenas reforça a compreensão de que o direito à liberdade de expressão não é absoluto, como não são tantos outros igualmente fundamentais. Uma coisa é vedar a manifestação, como corolário da liberdade de expressão; outra é extrapolar dela, criando-se uma zona de livre uso de palavras e atos injuriosos diante do representante da Administração Pública.


Em primeiro lugar, cumpre salientar que é questão absolutamente pacífica na dogmática dos direitos fundamentais a ideia de que não existem “direitos absolutos”. Princípios são normas sujeitas a compatibilização e harmonização, não raro sendo encontradas em aparente conflito, que vai se revelar apenas na concretude de sua aplicação. Direitos fundamentais, salvo raras exceções, são positivados em normas de densidade principiológica. Nessa linha, a liberdade de expressão, como possibilidade de expressar a opinião contrária à ação empreendida pelos agentes do Estado (no que interesse para a questão em debate) tem um limite no interesse público advindo do cumprimento da lei, revelada na dignidade de quem exerce essa autoridade em nome da comunidade política. Por essa razão é que se diz que, no crime de desacato, o sujeito passivo é o Estado e, em segundo plano, também o funcionário público1

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu “Relatório Anual da Relatoria para a Liberdade de Expressão 2002”, entendeu que as “leis de desacato” são incompatíveis com o art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos basicamente porque (1) tais leis objetivavam silenciar a crítica política necessária ao funcionamento das instituições democráticas; (2) forneciam um nível de proteção maior aos servidores públicos que ao cidadão comum, uma vez que tais crimes basicamente se tratavam de crimes contra a honra em que o ofendido é o servidor público; (3) os cidadãos têm o direito de criticar e examinar as ações e atitudes dos funcionários públicos no que se refere à função pública; e (4) existem meios menos restritivos à limitação do direito de expressão mediante os quais o governo pode defender sua reputação frente a ataques infundados..

Sem discordar de tais afirmações, tenho que o conflito a ser resolvido em favor da liberdade, ou da não incriminação, deve se dar no caso concreto, constatado que a ofensa tida por desacatadora tenha sido uma crítica à ação do agente do Estado, mas nunca como uma norma que torna incompatível a incriminação de quem pratica a ação no interesse de menosprezar, faltar com respeito ou humilhar o funcionário público no exercício da função..Importa lembrar que não existe – senão em ficção - Estado ou administração pública, mas pessoas que exercem autoridade em nome de interesses que são gerais, e, quando legitimamente os exercem, no estrito cumprimento da norma geral e abstrata, são merecedores de dignidade e respeito, não em nome próprio, mas dos interesses que...

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