Acórdão Nº 0000008-17.2017.8.24.0008 do Terceira Câmara Criminal, 04-05-2021

Número do processo0000008-17.2017.8.24.0008
Data04 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0000008-17.2017.8.24.0008/SC



RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN


APELANTE: MARLI DALCOQUIO (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na comarca de Blumenau, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Marli Dalçoquio, dando-a como incursa na sanção do art. 129, §1º, II, e § 10º, do Código Penal, pela prática da conduta assim descrita na inicial acusatória:
Segundo apurado no incluso procedimento policial, no dia 27 de dezembro de 2016, por volta das 21h30, a denunciada MARLI DALÇOQUIO, após ter ingerido bebida alcoólica, iniciou uma discussão com seu companheiro Lúcio Osmar Lach, no interior da residência do casal, localizada à Rua Santa Maria, 2311, torre 11, apto 4, Progresso, nesta cidade e comarca de Blumenau/SC.
Durante o desentendimento, e com os ânimos bem exaltados, a acusada muniu-se de uma faca de cozinha (apreendida à fl. 14) e, prevalecendo-se das relações domésticas, desferiu um golpe na região abdominal do seu companheiro e vítima Lúcio Osmar Lach, ofendendo-lhe a sua integridade corporal, o que foi suficiente para expor a vítima a perigo de vida, conforme laudo pericial de fl. 70.
Após isso, a agressão cessou e foi acionado o SAMU que encaminhou a vítima ao Hospital Santo Antônio (ev. 32).
Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar a acusada à pena de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, por infração ao art. 129, § 1º, II, e § 10º do Código Penal. Foi-lhe concedido o benefício do sursis especial, bem como o direito de recorrer em liberdade (ev. 100).
Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, no qual requereu a absolvição da acusada, sustentando, para tanto, a insuficiência de provas aptas a embasar o decreto condenatório. De forma subsidiária, pugnou pela aplicação da causa de isenção de pena tipificada no artigo 28, § 1º, do Código Penal ou, alternativamente, pela incidência do § 2º do mesmo dispositivo, de modo que seja a pena reduzida em dois terços. Por fim, postulou a concessão da justiça gratuita, tendo em vista a hipossuficiência presumida de Marli, porquanto assistida pela Defensoria Pública (ev. 125).
Juntadas as contrarrazões (ev. 127), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Paulo de Tarso Brandão, opinou pelo conhecimento e não provimento do recurso (ev. 09 SG).
Este é o relatório

VOTO


Trata-se de recurso de apelação contra decisão que julgou procedente a denúncia e condenou a acusada à sanção do art. 129, § 1º, II e § 10º, do Código Penal.
O apelo é de ser conhecido, porquanto preenche os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
Do pleito absolutório
Pretende a defesa, a absolvição da acusada sustentando, em suma, a insuficiência de provas aptas a embasar a condenação,
No entanto, sem razão.
De imediato, mister destacar o que verbera o dispositivo legal em questão:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
Lesão corporal de natureza grave
§ 1º Se resulta:
[...]
II - perigo de vida;
[...]
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
[...]
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).
Acerca do conceito de lesão corporal, Guilherme de Souza Nucci ensina:
[...] trata-se de uma ofensa física voltada à integridade ou à saúde do corpo humano. Não se enquadra nesse tipo penal qualquer ofensa moral. Para a configuração do tipo é preciso que a vítima sofra algum dano ao seu corpo, alterando-se interna ou externamente, podendo, ainda, abranger qualquer modificação prejudicial à sua saúde, transfigurando-se qualquer função orgânica ou causando-lhe abalos psíquicos comprometedores [...] (Código Penal comentado. 18. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 815).
No que tange à lesão corporal grave, Nucci esclarece que "é uma ofensa à integridade física ou à saúde da pessoa humana, considerada muito mais séria e importante do que a lesão simples ou leve. Ontologicamente, inexiste diferença entre quaisquer dos tipos de lesão corporal dolosa, embora para efeito de punição, leve-se em consideração a espécie de dano causado à vítima" (Código Penal comentado. 18. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 817).
De igual modo, Cleber Masson elucida:
[...] a lesão corporal grave e a lesão corporal gravíssima constituem-se em crimes qualificados pelo resultado, na modalidade preterdolosa. A lesão corporal é punida a título de dolo e o resultado agravador a título de culpa. Algumas qualificadoras dos §§ 1º e 2° do art. 129 do Código Penal, porém, são perfeitamente compatíveis com o dolo. É o caso da incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias, e também da incapacidade permanente para o trabalho. (Direito Penal: parte especial: arts. 121 a 212. 11. ed. Rio de janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2018, p.117-118).
Pois bem, delineado o tipo penal, passa-se à análise do mérito recursal.
A materialidade do delito de lesão corporal grave encontra-se amparada pelo auto de prisão em flagrante (p. 01 do ev. 01), boletim de ocorrência (p. 10-12 do ev. 1), auto de exibição e apreensão (p. 14 do ev. 1), documentos médicos (p. 17-18 e 20-23 do ev. 1), laudo pericial do local dos fatos (ev. 13) e, especialmente, pelo exame de corpo de delito acostado à p. 70 do ev. 19 dos autos.
Igualmente, a autoria, na pessoa da acusada, emerge cristalina, e para elucidar tal entendimento, pertinente percorrer a prova oral colhida na fase inquisitiva e na instrutória, cujas algumas transcrições, muito bem elaboradas pelo togado, passarão a integrar este voto, evitando tautologia.
A vítima Lucio Osmar Lach, ouvido na fase embrionária, declarou que apenas sabe que foi esfaqueado, não sabendo dizer quem teria sido o autor dos golpes, e quando questionado, respondeu que jamais sua esposa, ora acusada, seria capaz de ter praticado tal ato (ev. 27, p. 84).
Em juízo, o ofendido declarou que ao tempo dos fatos era companheiro de Marli, todavia não convivem mais juntos. No mais, esclareceu que de fato sofrera os golpes de faca, mas não sabe dizer como foi, tampouco quem foi o autor. Por fim, disse que no dia do ocorrido, nem ele e nem Marli estavam embriagados (vídeo 156 do ev. 89).
Por sua vez, Darci Dalçoquio, irmão da apelante, em que pese ouvido apenas na fase policial, contou ter presenciado os fatos, confirmando que Lucio fora agredido, mediante...

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