Acórdão Nº 0000009-72.2014.8.24.0051 do Primeira Câmara de Direito Público, 30-05-2023

Número do processo0000009-72.2014.8.24.0051
Data30 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0000009-72.2014.8.24.0051/SC



RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA APELANTE: ELIZEU LAZAROTTO APELADO: CARLOS ALBERTO GUERRA RÉU: OS MESMOS


RELATÓRIO


O Ministério Público de Santa Catarina propôs "ação de improbidade administrativa" face de Elizeu Lazarotto e Carlos Alberto Guerra.
Sustentou que: 1) entre os anos de 2009 e 2013, o policial civil Elizeu Lazarotto solicitava e recebia vantagem financeira para redigir defesas administrativas e recursos de trânsito, inclusive dentro da Delegacia de Polícia; 2) as peças eram formalmente dirigidas à autoridade policial, mas a análise era feita pelo requerido; 3) para evitar ser descoberto, Elizeu se associou ao advogado Carlos Alberto Guerra e passou a orientar os autuados a procurá-lo; 4) o advogado recebia os clientes, repassava os documentos a Elizeu, que confeccionava as peças e devolvia para Carlos Alberto; 5) isso é expressamente proibido pelo Estatuto da Polícia Civil; 6) foi identificada a prática dos crimes de corrupção passiva e ativa, falsidade ideológica, advocacia administrativa e prevaricação; 7) as condutas amoldam-se ao previsto no art. 11, caput, I e II, e art. 9, I, ambos da Lei n. 8.429/1992 e 8) as disposições da Lei de Improbidade Administrativa se aplicam ao requerido Carlos Alberto mesmo que não seja agente público, pois concorreu para a prática dos atos e deles se beneficiou (autos originários, Evento 131).
Postulou a aplicação das penas previstas no art. 12, I e III, da LIA.
Em contestação, o réu Elizeu argumentou que: 1) não há ato de improbidade administrativa, pois atuou como particular e não como agente público; 2) não houve dolo e 3) inexistiu enriquecimento ilícito (autos originários, Evento 137, CONT1226/1267).
O requerido Carlos Alberto disse, em síntese, que: 1) não há prova de que tenha agido em conluio com o réu Elizeu; 2) não praticou atos ímprobos e nem se enriqueceu ilicitamente (autos originários, Evento 137, CONT1257/1267).
Foi proferida sentença cuja conclusão é a seguinte:
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a ação de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público de Santa Catarina e, em consequência, com base no art. 12, inciso I, da Lei n. 8.429/92, CONDENO Elizeu Lazarotto às penas de:
a) ressarcir o Estado de Santa Catarina pelo valor do enriquecimento ilícito, correspondente aos valores recebidos pelas defesa formuladas, corrigido monetariamente pelo IPCA-E desde a época;
b) pagamento de multa no equivalente a 2 (duas) vezes o valor do enriquecimento ilícito, na forma descrita no item "a", a ser revertida ao Estado de Santa Catarina, pessoa jurídica lesada;
c) suspensão dos direitos políticos por 9 (nove) anos;
d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por 10 (dez) anos.
Condeno o réu, ainda, ao pagamento de custas processuais.
Sem honorários (art. 128, § 5º, II, 'a', da Constituição Federal). (autos originários, Evento 137, SENT1775/1816)
O autor e o réu Elizeu apelaram.
O órgão ministerial alegou que: 1) Elizeu se associou a Carlos Alberto para se ocultar do procedimento e dar-lhe aparência de legalidade, pois a prática estava se tornando conhecida na região; 2) ficou comprovado que Carlos Alberto recebia os condutores em seu escritório de advocacia, digitalizava os documentos e os remetia para Elizeu, que confeccionava as defesas e devolvia para o outro requerido protocolizar; 3) Elizeu patrocinava indiretamente interesses privados e recebeu vantagem indevida por meio de Carlos Alberto e 5) ficou comprovado o prévio ajuste entre os réus, inclusive pelo relatório do Gaeco (autos originários, Evento 137, APELAÇÃO1819/1828).
O demandado argumentou que: 1) não ficou comprovado que elaborava as peças dentro da Delegacia ou no horário de trabalho; 2) os atos ocorriam em sua vida privada; 3) não se utilizava da condição de policial civil para ofertar a prestação do serviço; 4) os valores obtidos não são ilícitos; 5) não houve dolo ou má-fé e 6) não ficou caracterizado o ato ímprobo e sequer o prejuízo ao erário. Subsidiariamente, alegou que as sanções impostas são desproporcionais (autos originários, Evento 137, APELAÇÃO1829/1865).
Com as contrarrazões (autos originários, Eventos 144 e 145), a d. Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo provimento do recurso do autor e desprovimento do recurso do réu, em parecer do então Procurador de Justiça Sandro José Neis, hoje Desembargador (Evento 16).
O processo foi suspenso em razão do Tema n. 1.042 do STJ (Evento 24)

VOTO


1. Reexame necessário
A pertinência do reexame necessário em ações de improbidade administrativa foi submetida à sistemática dos recursos repetitivos pelo STJ (Tema n. 1.042) para:
Definir se há - ou não - aplicação da figura do reexame necessário nas ações típicas de improbidade administrativa, ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992, cuja pretensão é julgada improcedente em primeiro grau;
Discutir se há remessa de ofício nas referidas ações típicas, ou se deve ser reservado ao autor da ação, na postura de órgão acusador - frequentemente o Ministério Público - exercer a prerrogativa de recorrer ou não do desfecho de improcedência da pretensão sancionadora.
Em 25-10-2021, foi editada a Lei n. 14.230/2021, que dispõe:
Art. 17-C. A sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de observar o disposto no art. 489 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil):
[...]
§ 3º Não haverá remessa necessária nas sentenças de que trata esta Lei. [...] (grifei)
Como se vê, a nova redação da Lei de Improbidade promoveu a expressa extinção da remessa necessária.
Por essa razão, em 26-4-2023, a Primeira Seção do STJ, por unanimidade, cancelou a afetação do Tema n. 1.042, para que "os recursos especiais afetados prossigam em normal trâmite, em seus ulteriores termos, bem como os casos eventualmente suspensos em virtude da afetação".
Assim, não mais persiste a discussão do Tema n. 1.042 do STJ e, considerando a novidade legislativa, não haverá análise das matérias que não foram especificamente impugnadas nos recursos.

2. Mérito
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina imputou aos réus a prática das condutas previstas no art. 9º, I e art. 11, caput, I e II, ambos da Lei n. 8.429/1992.

2.1 Art. 11, caput, I e II, da LIA
Ao tempo da propositura, a redação do dispositivo era a seguinte:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; (grifei)
Em 25-10-2021, foi editada a Lei n. 14.230/2021, que dispõe:
Art. 2º A Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, passa a vigorar com as seguintes alterações:
[...]
"Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:
I - (revogado);
II - (revogado);
[...]
Art. 4º Ficam revogados os seguintes dispositivos e seção da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992:
VI - incisos I, II, IX e X do caput do art. 11;
[...]
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. (grifei)
O ponto relativo ao direito intertemporal é um dos mais relevantes aspectos da reforma promovida pela Lei n. 14.230/2021, pois impacta diretamente os processos em curso, como no presente caso.
Agora, para a configuração dos atos de improbidade tipificados no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, não basta que o ato, por si só, viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições (este, aliás, suprimido pela nova redação). A legislação modificou o caput do mencionado artigo para incluir a expressão "caracterizada por uma das seguintes condutas".
Ao contrário da redação originária da LIA, que utilizava o termo "qualquer" e, portanto, levava à conclusão de que a lista de atos de improbidade administrativa era exemplificativa, atualmente, exige-se que a ação ou omissão praticada se encaixe em uma das condutas expressamente indicadas nos incisos do art. 11, os quais encerram um rol exaustivo, fato que beneficia o requerido e deve ser aplicado desde logo.
Somado a isso, os incisos I e II do art. 11 também foram revogados, fato que deverá privilegiar o demandado.
Isso porque a aplicação retroativa deve prevalecer.
O art. 1º da Lei n. 8.429/1992, com redação dada pela Lei n. 14.230/2021, estabelece que:
Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.
[...]
§ 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. (grifei)
Em 18-8-2022, o STF fixou a seguinte tese no Tema 1.199:
1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO;
2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de...

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