Acórdão Nº 0000021-43.2020.8.24.0062 do Quinta Câmara Criminal, 04-11-2021

Número do processo0000021-43.2020.8.24.0062
Data04 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 0000021-43.2020.8.24.0062/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ CESAR SCHWEITZER

RECORRENTE: DAVI MATEUS BEIRAO DOS PASSOS (ACUSADO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

A representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com atuação perante o Juízo de Direito da 2ª Vara da comarca de São João Batista ofereceu denúncia em face de Rozelaine Cristina de Souza, Osni Benjamin Spindola Júnior e Davi Mateus Beirão dos Passos, dando-os como incursos nas sanções do art. 121, § 2º, I, II e IV, do Código Penal, pela prática do fato delituoso assim narrado:

No início deste ano de 2019 os denunciados ROZELAINE CRISTINA DE SOUZA e OSNI BENJAMIN SPINDOLA JÚNIOR iniciaram um relacionamento extraconjugal amoroso, motivo pelo qual, por volta do mês de março de 2019, os dois denunciados, juntamente com o denunciado DAVI MATEUS BEIRÃO DOS PASSOS, passaram a planejar a morte da vítima Lucas Hasckel Velho, marido da denunciada ROZELAINE, a fim de que ROZELAINE e OSNI pudessem ficar juntos.Com a finalidade de executar o delito, na data de 23 de abril de 2019, a denunciada ROZELAINE entregou a quantia de R$ 500,00 (quinhentos) reais ao denunciado OSNI para que ele efetuasse a contratação do denunciado DAVI para matar a vítima.Desse modo, na mesma data, por volta das 19h30min, os denunciados OSNI e DAVI, em comunhão de desígnios e esforços, dirigiram-se até a residência da vítima, localizada na Rua Anfilóquio João Zunino, n. 277, bairro Ribanceira do Sul, São João Batista, com a intenção deliberada de ceifar a vida de Lucas Hasckel Velho, ocasião em que o denunciado DAVI, mediante o recebimento do pagamento prévio da quantia de R$ 500,00 (quinhentos reais), com o auxílio de OSNI para encurralar a vítima, utilizando-se de um revólver, calibre .32, de cor preta, efetuou cinco disparos de arma de fogo contra ela.Os disparos efetuados contra a vítima Lucas Hasckel Velho foram, por sua natureza e sede, as causas determinantes e eficientes da morte da vítima por destruição do sistema nervoso central, traumatismo torácico e choque hipovolêmico, e consistiram em: 1) ferimento de entrada na margem de entrada na margem externa do supercílio direito, da frente para trás e perpendicular ao eixo do corpo da vítima, com halo de enxugo e escoriação (compatível com disparo à curta distância), ficando alojado em massa encefálica; 2) ferimento com as mesmas características do anterior, penetrando em epicanto interno do olho esquerdo, destruindo parcialmente o globo parcialmente ocular e percorrendo trajetória oblíqua e da frente para trás no crânio, vindo a alojar-se na calota craniana da região occipital à direita (de onde foi extraído); 3) ferimento ovalado com halo de enxugo e escoriação em bordo inferior da escápula direita, com trajetória de trás para frente, perpendicular ao eixo do corpo, penetrando a cavidade torácica, transfixando o lobo inferior do pulmão esquerdo, alojando-se no mediatino da vítima. Este ferimento causou profuso hemotórax à esquerda; 4) ferimento ovalado (entrada de PAF) em linha axilar posterior à direita, cumprindo trajetória oblíqua ao eixo do corpo, transfixando a cavidade torácica, perfurando ventrículo e átrio esquerdo do coração e alojando-se na parece muscular à esquerda (de onde foi recuperado); 5) ferimento com as mesmas características anterior, imediatamente abaixo daquele, com trajetória levemente oblíqua ao eixo do corpo, penetrando o tórax da vítima e alojando-se na parede do tórax deste lado (Laudo Pericial de fl. 112).Registra-se que o delito de homicídio foi cometido mediante paga, uma vez que os denunciados ROZELAINE e OSNI efetuaram o pagamento de R$ 500,00 (quinhentos reais) ao denunciado DAVI para que ele disparasse contra a vítima.O crime também foi praticado por motivo fútil, de somenos importância, consistente no fato de que a esposa da vítima, a denunciada ROZELAINE, e o denunciado OSNI mantinham relacionamento extraconjugal e planejaram sua morte, pois acreditaram que Lucas estava atrapalhando o plano deles de viverem juntos.Além disso, os denunciados utilizaram de emboscada para atrair a vítima, pois OSNI e DAVI, quando já estavam posicionados para a execução do crime, enviaram recado a ROZELAINE para que ela atraísse a vítima, através de uma ligação telefônica, até a frente da residência em que foi alvejada.Dessa forma, os denunciados OSNI, DAVI e ROZELAINE usaram de recurso que dificultou a defesa da vítima, já que o denunciado DAVI, em razão da emboscada para atrair da vítima, atingiu Lucas, disparando tiros de arma de fogo contra ele, de modo rápido, repentino e de curta distância, sem que o ofendido pudesse esperar tal atitude (sic, fls. 2-4 do evento 455 da ação penal).

Houve a cisão do feito em relação a Davi Mateus Beirão dos Passos, o que originou os presentes autos (evento 420).

Encerrada a instrução preliminar, sobreveio decisão de pronúncia, determinando a submissão deste a julgamento perante o Tribunal do Júri, pela prática, em princípio, do crime previsto no art. 121, § 2º, I, II e IV, do Decreto-lei 2.848/1940.

Inconformado, interpôs o réu recurso em sentido estrito, por meio do qual aponta, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa, consistente no descumprimento do pronunciamento judicial que determinou ao Hospital Universitário da Capital a juntada dos seus prontuários médicos, em evidente violação aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.

Ainda em sede prefacial, suscita a nulidade do feito em razão da "quebra" da cadeia de custódia "[...] ANTE INFUNDADA INFORMAÇÃO QUE AS NOTAS ENCONTRADAS COM DAVI ERAM AS MESMAS NOTAS CONTIDAS NA FOTO DE CELULAR DO RÉU OSNI" (sic, fls. 5 do evento 995), bem assim diante da "[...] AUSÊNCIA DE EXAME RESIDUOGRÁFICO NOS ACUSADOS" (sic, fls. 6 do respectivo evento).

No mérito, objetiva a impronúncia, ao argumento de que não há indícios suficientes acerca da autoria delitiva e, subsidiariamente, requer o afastamento das qualificadoras aplicadas.

Em suas contrarrazões, o Promotor de Justiça oficiante pugna pela preservação do pronunciamento vergastado.

Realizado o juízo de retratação, a decisão restou mantida.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça José Eduardo Orofino da Luz Fontes, opinou pelo parcial conhecimento e desprovimento do reclamo.

É o relatório.

VOTO

Presentes os respectivos pressupostos de admissibilidade, conhece-se da irresignação e passa-se à análise do seu objeto.

Preliminarmente, consoante relatado, aponta o insurgente a ocorrência de cerceamento de defesa, consubstanciado no descumprimento do pronunciamento judicial que determinou ao Hospital Universitário da Capital a juntada dos seus prontuários médicos, em evidente violação aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.

Sem razão, contudo.

Registra-se que referido pedido já foi apreciado por esta Câmara Criminal quando do julgamento do recurso de apelação criminal n. 0000003-22.2020.8.24.0062, interposto pela defesa do recorrente em incidente de insanidade mental, julgado em 3-12-2020. No ponto, convém transcrever as correlatas ponderações:

[...]Cediço que em matéria processual vigora o princípio do pas de nullité sans grief, extraível do art. 563 do Código de Processo Penal, segundo o qual "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa".Em análise sobre o postulado em comento, discorre Renato Brasileiro de Lima:

Princípio do prejuízo (pas de nullité sans grief): previsto expressamente no art. 563 do CPP, desse princípio deriva a ideia de que a tipicidade dos atos processuais funciona apenas como um instrumento para a correta aplicação do direito. Logo, eventual desobediência às formas prescritas em lei só deve acarretar a invalidação do ato processual quando a finalidade para a qual foi instituída a forma restar comprometida pelo vício. Em síntese, somente a atipicidade relevante, capaz de produzir prejuízo às partes, autoriza o reconhecimento da nulidade. Em sentido semelhante, o art. 65, caput, da Lei 9.099/95, prevê que os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais foram realizados, atendidos os critérios indicados no art. 62, quais sejam, oralidade, informalidade, economia processual e celeridade. Também dispõe que não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo. Na mesma linha, o art. 277 do novo CPC dispõe que quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade. Mais uma vez, fica evidente que, mesmo que o ato seja praticado em desacordo com o modelo típico, acaso atingida sua finalidade, isto é, não havendo prejuízo para as partes, deve ser firmada sua validade. Esse princípio é aplicável tanto às nulidades absolutas quanto às relativas. [...] (Código de processo penal comentado. 1. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 1.294).

Na espécie, contudo, não se verifica qualquer fundamentação para embasar o pedido, pois, embora não hajam sido juntados ao feito os documentos médicos solicitados pela defesa, foi realizada uma entrevista prévia com o acusado, por meio da qual a expert extraiu as informações relativas ao seu histórico pessoal e patológico, bem como realizou o exame de estado mental, conjunto esse que reputou suficiente à formação do diagnóstico.Ademais, como bem consignou o representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina nas contrarrazões recursais, "[...] não se vislumbra a indispensabilidade do histórico do paciente, pois, além de incerto o conteúdo, não é razoável anular, de pronto e completamente, a perícia realizada, especialmente porque não houve nenhuma insurgência em relação à expert que realizou a perícia, inexistindo indícios de que tenha atuado de modo deliberado para desmantelar a condição psíquica atribuída pela defesa ao acusado"...

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