Acórdão Nº 0000027-61.2018.8.24.0081 do Terceira Câmara Criminal, 09-11-2021

Número do processo0000027-61.2018.8.24.0081
Data09 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0000027-61.2018.8.24.0081/SC

RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN

APELANTE: ADEMIR JOSÉ PICINATTO (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Xaxim, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Ademir Jose Piccinato, dando-o como incurso nas sanções do art. 310, caput, da Lei n. 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e art. 180, § 1º, do Código Penal, pela prática das condutas assim descritas na inicial acusatória e no aditamento à denúncia apresentado nos eventos 11 e 40:

ATO DELITUOSO N. 1:

Em data que será melhor precisada ao longo da instrução probatória, mas sendo certo que os atos aconteceram entre os meses de janeiro e julho de 2017, no Município de Xaxim, o denunciado Ademir José Piccinato recebeu, em proveito próprio, no exercício de atividade comercial, 1 (uma) motocicleta Yamaha/YBR, vermelha, placa MAO-0188, objeto que devia saber ser produto de crime, até em razão das condições de aquisição - a motocicleta foi "recebida" de um "desconhecido" pelo valor de R$ 800,00 (oitocentos reais), para quitação de uma suposta dívida que teria para com a empresa do denunciado.

ATO DELITUOSO N. 2:

No dia 10 de julho de 2017, segunda-feira, por volta das 17h15min, o denunciado Ademir Jose Piccinato permitiu que seu funcionário, o adolescente Geovane dos Santos, pessoa não habilitada, conduzisse a motocicleta Yamaha/YBR, vermelha, placa MAO-0188, pela Rua Vista Alegre, próximo do n. 174, centro, neste Município de Xaxim-SC1 , para suprir interesses da empresa (ev. 40).

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar o acusado Ademir José Piccinato à pena de 03 (três) anos de reclusão e 06 (seis) meses de detenção, em regime aberto, bem como ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, em seu mínimo legal, por infração ao disposto no art. 310, caput, da Lei n. 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e art. 180, § 1º, do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por restritivas de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade à razão de 01 (uma) hora por dia de condenação e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo. Foi-lhe concedido o direito de apelar em liberdade (ev. 74).

Irresignada, a defesa do acusado interpôs recurso de apelação, no qual pugna pela absolvição do crime descrito no art. 180, §1º, do Código Penal, ao argumento de que a motocicleta é objeto de leilão e não de crime. Alternativamente, pleiteou a desclassificação do referido delito para modalidade culposa ou simples, ante a ausência de provas de que a motocicleta era utilizada na atividade comercial. Postulou, ainda, pela absolvição do crime previsto no art. 310 do Código de Trânsito Brasileiro, por não haver provas nos autos da idade do suposto adolescente ou de que não possuía habilitação. Por fim, pugnou o deferimento da assistência judiciária gratuita (ev. 10).

Juntadas as contrarrazões (ev. 13), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Luiz Ricardo Pereira Cavalcante, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (ev. 16).

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação contra decisão que julgou procedente a denúncia e condenou Ademir José Piccinato às sanções previstas no art. 180, § 1°, do Código Penal e art. 310, caput, da Lei n. 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro).

O apelo é de ser conhecido, porquanto presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

1. Receptação qualificada

Pretende a defesa a absolvição do acusado, sustentando para tanto que a motocicleta não é de origem espúria, haja vista ter sido adquirida por meio de leilão. Subsidiariamente, requer a desclassificação do delito para sua forma simples ou culposa (art. 180, § 3º, do CP).

Sem razão.

Textua o tipo penal em questão:

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

[...]

§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.

Sobre o referido crime, colhe-se lição de Luiz Regis Prado:

Receptação qualificada (art. 180, §1º): qualifica-se o delito de receptação, na modalidade dolosa, quando perpetrado no exercício de atividade comercial ou industrial, através das condutas adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, coisa que deve saber ser produto de crime. [...] O tipo é misto alternativo, de forma que a prática de mais de uma conduta em relação ao mesmo objeto material caracteriza delito único. O tipo subjetivo está representado pelo dolo, direto ou eventual. O dever saber, empregado na receptação qualificada, não expressa certeza sobre a realidade, e, sim, um juízo de dúvida a respeito da origem criminosa da res. O elemento subjetivo do injusto está representado pelo particular fim de agir do agente, consistente em obter proveito ilícito para si ou para outrem (animus lucrandi) (Comentários ao código penal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 697-698, grifou-se).

Pois bem.

A materialidade delitiva, embora não questionada, veio amparada pelo o boletim de ocorrência (ev. 1, fls. 4-5), pelo termo de exibição e apreensão (ev. 1, fl. 6), pela consulta do DETRAN/SC (ev. 52, fls. 64-65).

Igualmente, a autoria, o dolo e a procedência ilícita do bem emergem cristalinas.

Para elucidar tal entendimento pertinente percorrer a prova oral produzida, cujas algumas transcrições, muito bem elaboradas pela togada, passarão a integrar este voto, evitando a desnecessária tautologia.

O acusado, na fase indiciária, disse que a motocicleta oriunda de leilão era de sua propriedade:

[...] Que, na data dos fatos, o declarante encontrava-se com a perna direita machucada, e precisava pegar alguns "parafusos" em um estabelecimento no centro da cidade, então pediu a G. para que fosse até o local; Que, afirma ser proprietário da motocicleta YAMAHA/YBR, de cor vermelha, de placas MAO-0188 oriunda de leilão; Que, o declarante tinha conhecimento de que o G. não era devidamente habilitado, inclusive, sendo menor de idade na data dos fatos; Que, o declarante permitiu a condução somente neste dia, pois como estava com a perna machucada não podia dirigir [...] (ev. 1, termo 12)

Ouvido sob o crivo do contraditório, modificou a sua versão dos fatos, afirmando, em suma, ter recebido o bem de terceiro como garantia de pagamento de uma dívida. Note-se:

[...] que uma parte os fatos é verdadeira; que fez um serviço no carro de um indivíduo e ele não tinha todo o dinheiro, então ele deixou a moto e ficou de trazer o valor que faltava; que esse indivíduo ficou devendo R$ 800,00 e deixou a moto em garantia; que isso foi uns 15 dias antes da abordagem; que ele não apareceu; que tentou ligar mas a pessoa não atendeu; que não ficou com os documentos porque o indivíduo ia voltar buscar a moto; que ela tinha estas mesmas características; que não conhecia essa pessoa; que não chegou a verificar a procedência da motocicleta; que o Geovane não falou que era de leilão, os policiais que consultaram; que ficou sabendo disso pela pesquisa dos policiais; que sabia que ele era adolescente; que não disse para pegar a moto, só pediu para que ele fosse buscar os parafusos; que não chegou a utilizar a moto, pois fazia uns 4 meses que estava com a perna quebrada; que não adquiriu a moto pelo valor de R$ 800,00; que conheceu o individuo no dia que ele foi lá; que só sabe que o nome era Fernando; que fez o estofamento do carro dele; que...

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