Acórdão nº 0000033-10.2002.8.14.0501 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Penal, 03-07-2023

Data de Julgamento03 Julho 2023
Órgão1ª Turma de Direito Penal
Ano2023
Número do processo0000033-10.2002.8.14.0501
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
AssuntoHomicídio Simples

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0000033-10.2002.8.14.0501

APELANTE: FABIO ABREU DOS SANTOS

APELADO: JUSTIÇA PUBLICA

RELATOR(A): Desembargadora VÂNIA LÚCIA CARVALHO DA SILVEIRA

EMENTA

APELAÇÃO PENAL. ART. 302, DO CTB. PRELIMINAR. EXTINÇÃO PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. REJEIÇÃO. LAPSO TEMPORAL NÃO OBSERVADO ENTRE OS MARCOS INTERRUPTIVOS. ABSOLVIÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE CUIDADO. IMPRUDÊNCIA. CULPA EXCLUSIVA OU CONCORRENTE DA VÍTIMA NÃO EVIDENCIADAS. PENA. REDIMENSIONAMENTO DOS CRITÉRIOS. MANUTENÇÃO DO QUANTUM DETERMINADO NA SENTENÇA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. CABIMENTO. SUSPENSÃO DO DIREITO DE CONDUZIR VEÍCULO AUTOMOTOR. PROPORCIONALIDADE COM A GRAVIDADE DO ILÍCITO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

1. Do exame dos autos, sem olvidar de todas as causas interruptivas, observa-se que o prazo prescricional não foi alcançado em nenhuma das etapas da marcha processual, pelo que não extinta a punibilidade do recorrente.

2. O crime em espécie exige, para sua configuração, a descrição de fato que revele a existência de negligência, imprudência ou imperícia. No caso em comento, comprovado que o réu agiu com extrema imprudência, ao dirigir em alta velocidade, na via contrária ao sentido de seu trajeto, com sinais aparentes de embriaguez, em carro todo peliculado, prejudicando a melhor visualização os transeuntes.

3 Acrescente-se a severidade do impacto, ao se observar a maneira violenta e indefensável com a qual a vítima foi atingida, arremessada para o alto a uma distância aproximada de dois portes, cujas nuances, aliadas à severidade das lesões produzidas, refutam, sobremaneira, a tese de que réu trafegava com velocidade condizente com a permitida. Vê-se, portanto, que a conduta voluntária do recorrente produziu resultado antijurídico não querido, porém previsível, que podia, com a devida atenção, ser evitado.

4. Inexistentes nos autos indícios de que a vítima, com seu comportamento, tenha contribuído, ainda que minimamente, para o acidente fatal, tampouco, que tenha dado causa, exclusivamente ao sinistro. Importante destacar que, mesmo diante da suposta culpa da vítima, tal fato não seria suficiente para eximir a responsabilidade do apelante, pois o Direito Penal não admite a compensação de culpas, pelo que, a culpa concorrente da vítima, não afasta a culpa do agente, já demonstrada.

5. Em que pese a fundamentação genérica das vetoriais que servem de incremento à pena primária, ao Tribunal revisor cabe a revaloração de todos os termos da dosimetria da pena, ainda que em recurso exclusivo da defesa, desde que, ao final, não importe agravamento da situação réu, sob pena de reformatio in pejus.

6. No caso em testilha, a culpabilidade do réu revela-se de acentuada reprovabilidade social, em virtude de que sua conduta revelou imprudência desmedida, além daquela já esperada do tipo penal, considerando que, além de trafegar em alta velocidade, estava na contramão, com evidências, ademais, de que havia feito a ingestão de bebida alcoólica. Circunstâncias que pesam, sobremaneira, em seu desfavor, considerando que o trecho do acidente fatídico era bastante movimentado, com diversos jovens, que tiveram suas vidas expostas, concretamente, a perigo extremo. Expõem algumas testemunhas, inclusive, que não foram atingidas pelo veículo por muito pouco, em razão de estarem apenas um passo à frente do ofendido. As consequências, de igual maneira, não lhe favorecem, com arrimo no falecimento de pessoa jovem, de apenas 16 (dezesseis) anos de idade.

7. Pena redimensionada em mantida em 03 (três) anos de detenção, em regime aberto.

8. É possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos se o réu é primário e de bons antecedentes, sendo o crime culposo, independente do quantum da pena aplicado (art. 44, I, CP). No caso, substitui-se a reprimenda carcerária ora imposta por 02(duas) penas restritivas de direitos, sendo uma de prestação de serviços à comunidade, na forma do art. 46 do CP (em entidade beneficiária a ser escolhida pelo Juízo da Execução), e uma limitação de fim de semana (com condições a ser estipuladas pelo douto Juiz da Execução).

9. A suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor constitui uma penalidade que pode ser aplicada isolada ou, como no caso concreto, cumulada com pena privativa de liberdade, consoante termos do art. 292 do CTB. O art. 293, do referido Diploma Legal ainda disciplina que o prazo de duração dessa suspensão varia de 2 meses a 5 anos, devendo ser proporcional à gravidade do fato típico e ao grau de censura merecido pelo agente. A partir de tais parâmetros e, tendo por base a severidade do ato perpetrado, ao se notar que a vítima foi arremessada para o alto, a distância considerável, vítima de diversas fraturas, inclusive expostas, não se mostra desproporcional ou irrazoável a suspensão da habilitação pelo mesmo tempo da privativa de liberdade, ou seja, por 3 (três) anos. Aliás, essa suspensão representa de forma mais considerável a finalidade preventiva da resposta estatal, resguardando a integridade física de terceiros.

10. Recurso conhecido e improvido. Decisão unânime.

Vistos, etc.

Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes da 1ª Turma de Direito Penal, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e lhe negar provimento, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.

Sessão do Plenário Virtual do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, iniciada aos três dias e finalizada aos dez dias do mês de julho de 2023.

Julgamento presidido pela Excelentíssima Senhora Desembargadora Kédima Pacifico Lyra.

Belém/PA, 03 de julho de 2023.

Desembargadora VÂNIA LÚCIA SILVEIRA

Relatora

RELATÓRIO

FÁBIO ABREU DOS SANTOS interpôs recurso de apelação criminal, irresignado com sentença prolatada pelo Juízo de Direito da 4ª Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Belém/PA (ID 5402756), que, após desclassificação reconhecida pelo Douto Conselho de Sentença, incursionando-o na conduta delitiva disposta no art. 302, do Código de Trânsito Brasileiro, o condenou à reprimenda de 03 (três) anos de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto domiciliar, bem como à suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor por igual período.

Narra a preambular acusatória (ID 5402655, pág. 04-08) que, no dia 26/07/1999, por volta das 05h00min, o adolescente B.C. DE O. assistia a um jogo de futebol nas areias da praia do Murubira, no Distrito de Mosqueiro, na companhia de alguns amigos, sendo que, após o término da partida, todos resolveram ir ao calçadão da orla marítima, mas precisamente, para o lado em que se veem residências e bares instalados. Os amigos da vítima conseguiram atravessar a avenida, entretanto, quando Bruno atravessava, foi surpreendido pelo veículo conduzido pelo réu, de forma veloz e pela contramão. Testemunhas presentes tentaram socorrer a vítimas, contudo, devido à gravidade das lesões, inclusive com fraturas expostas, resolveram esperar a ambulância solicitada, porém, Bruno, ao ingressar no Pronto Socorro Municipal de Belém, não resistiu aos ferimentos e faleceu por volta das 06h30mim daquele mesmo dia.

Em razões recursais (ID 10582785), suscita a defesa, preliminarmente, a tese de extinção da punibilidade do apelante, uma vez operado o transcurso do lapso prescricional.

No tocante ao mérito, clama pela reforma do decisum vergastado e consequente absolvição do apelante, haja vista a culpa exclusiva da vítima para a ocorrência do acidente de trânsito.

Outrossim, seja reconhecida a culpa concorrente do ofendido, com aplicação de tal circunstância na dosimetria da pena, no intuito de que a reprimenda base seja imposta no mínimo legal.

No mais, pretende a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito; a redução da pena de proibição de habilitação para dirigir veículo automotor, para o prazo de 02 (dois) meses; e, a concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Requer o conhecimento e provimento do apelo manejado.

Em contrarrazões (ID 11483923), manifesta-se o Parquet de 1º Grau pelo conhecimento e provimento do recurso interposto, no sentido de que seja declarada extinta a punibilidade do apelante, com suporte na pena in concreto cominada.

Nesta Superior Instância, o Custos Iuris, representado pelo Procurador de Justiça Geraldo de Mendonça Rocha, opina pelo não conhecimento da PRELIMINAR extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, no MÉRITO, manifesta-se pelo conhecimento e não provimento do Recurso de Apelação interposto por FÁBIO ABREU DOS SANTOS.”

É o relatório. Sem revisão (pena de detenção – art. 610 do CPPB).

VOTO

Atendidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

1. PRELIMINAR. Extinção da punibilidade. Prescrição da pretensão punitiva estatal:

Suscita a defesa, preliminarmente, a tese de extinção da punibilidade do apelante, uma vez operado o transcurso do lapso prescricional.

Em seu arrazoado, fundamenta que a pena privativa de liberdade final foi fixada em 03 (três) anos de detenção, e a denúncia foi recebida na data de 28/03/2000; sendo que a sentença transitou em julgado para a acusação na data de 20/01/2020, uma vez que o representante do Ministério Público tomou ciência da decisão em 15/01/2020. Nesses termos, conclui que o tempo decorrido entre o recebimento da denúncia e o trânsito em julgado da sentença para a acusação é bastante superior ao prazo prescricional de 8 anos (art. 109, IV, CP) incidente no tempo fixado na condenação (03 anos); operando-se assim, como de direito, no caso em comento, a aplicação do instituto da prescrição retroativa.

Salienta-se, de antemão, o total incabimento da insurgência defensiva em testilha.

Com efeito, o art. 117, da Lei Substantiva Penal, elenca o rol das causas interruptivas do lapso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT