Acórdão Nº 0000037-06.2018.8.24.0017 do Quinta Câmara Criminal, 12-03-2020

Número do processo0000037-06.2018.8.24.0017
Data12 Março 2020
Tribunal de OrigemDionísio Cerqueira
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Criminal n. 0000037-06.2018.8.24.0017, de Dionísio Cerqueira

Relator: Des. Luiz Cesar Schweitzer

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. RECEPTAÇÃO (CÓDIGO PENAL, ART. 180, CAPUT). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGIMENTO DA DEFESA.

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. ALMEJADA INCIDÊNCIA DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA EM GRAU MÁXIMO. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE JÁ ACOLHIDA POR OCASIÃO DO DECISUM, TENDO SIDO, INCLUSIVE, COMPENSADA COM A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO.

PRETENSA ABSOLVIÇÃO. AVENTADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. ACUSADO QUE EFETUA COMPRAS EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL POR MEIO DE CHEQUE DE ORIGEM ILÍCITA E OBTÉM A DIFERENÇA DE VALORES EM ESPÉCIE. CONTEXTO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA A CIÊNCIA ACERCA DA PROCEDÊNCIA ESPÚRIA DA CÁRTULA. ELEMENTARES DO DELITO CARACTERIZADAS. DOLO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA IDÔNEA PARA O EXERCÍCIO DA POSSE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA, CONSOANTE DISPOSIÇÃO DO ART. 156, CAPUT, DO CPP. TIPO PENAL IMPUTADO DEVIDAMENTE CONFIGURADO. CONDENAÇÃO INARREDÁVEL.

PLEITO SUBSIDIÁRIO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE CULPOSA DO INJUSTO IGUALMENTE INVIÁVEL.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSOR NOMEADO. ATUAÇÃO EM TODOS OS ATOS PROCESSUAIS, INCLUSIVE NESTE GRAU DE JURISDIÇÃO. MAJORAÇÃO, EX OFFICIO, DE ACORDO COM O ART. 85, §§ 2º, 8º E 11, DA LEI ADJETIVA CIVIL, APLICÁVEL POR FORÇA DO ART. 3º DO CÓDEX INSTRUMENTAL.

PRONUNCIAMENTO MANTIDO. RECURSO EM PARTE CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000037-06.2018.8.24.0017, da Unidade de Divisão Judiciária da comarca de Dionísio Cerqueira, em que é apelante Fagner Luciano de Oliveira Leão e apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer em parte do recurso e negar-lhe provimento, bem assim majorar em R$ 270,00 a remuneração devida ao defensor dativo nomeado ao apelante. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 12 de março de 2020, os Exmos. Srs. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza e Antônio Zoldan da Veiga.

Representou o Ministério Público a Exma. Sra. Procuradora de Justiça Heloísa Crescenti Abdalla Freire.

Florianópolis, 17 de março de 2020.

Luiz Cesar Schweitzer

PRESIDENTE E RELATOR


RELATÓRIO

O representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com atuação perante o Juízo de Direito da Unidade de Divisão Judiciária da comarca de Dionísio Cerqueira ofereceu denúncia em face de Fagner Luciano de Oliveira Leão, dando-o como incurso nas sanções do art. 180, caput, do Código Penal, pela prática do fato delituoso assim narrado:

Entre os dias 27 e 28/5/2017, neste Município, o denunciado Fagner Luciano de Oliveira Leão, de forma livre e consciente da reprovabilidade de sua conduta, adquiriu em proveito próprio um cheque no valor de R$ 650,00, que sabia ser produto do crime, e no dia 28/5/2017 por volta das 21 h, trocou a cártula por dinheiro em espécie no Mercado Três Fronteiras (sic, fls. 67-68).

Encerrada a instrução, a Magistrada a quo julgou procedente o pedido formulado na inicial acusatória para condená-lo às penas de um ano de reclusão, a ser resgatada em regime inicialmente semiaberto, e pagamento de dez dias-multa, individualmente arbitrados à razão de um trigésimo do salário mínimo vigente à época do fato, por infração ao preceito do art. 180, caput, do Estatuto Repressivo.

Inconformado, interpôs o réu recurso de apelação, objetivando a absolvição, ao argumento da atipicidade do proceder, uma vez que não possuía ciência acerca da origem espúria da cártula de cheque. Subsidiariamente, postula a desclassificação do ilícito para a modalidade culposa. Por fim, almeja a aplicação da circunstância atenuante da confissão espontânea em seu grau máximo.

Em suas contrarrazões, o Promotor de Justiça oficiante pugna pela preservação da decisão vergastada.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de parecer da lavra da eminente Procuradora de Justiça Jayne Abdala Bandeira, opinou pelo parcial conhecimento e desprovimento do reclamo.

É o relatório.

VOTO

A irresignação preenche apenas em parte os respectivos requisitos de admissibilidade, de maneira que deve ser conhecida unicamente na correlata extensão.

Isso porque não há interesse recursal na formulação do requerimento que visa a redução da pena em razão da aplicação da circunstância atenuante da confissão espontânea em grau máximo, posto que restou deferido tal como ambicionado nesta ocasião, tendo sido, inclusive, compensada com a agravante da reincidência, consoante se extrai do pronunciamento de primeiro grau:

Na segunda fase de aplicação da pena, incide a agravante da reincidência, uma vez que o réu ostenta sentença penal condenatória transitada em julgado anteriormente ao delito ora em julgamento (autos nº 0000007-73.2015.8.24.0017).

Por outro lado, incide a atenuante da confissão espontânea, já que o réu, desde a seara policial, admitiu que recebeu a cártula, desconfiando de sua origem, o que foi utilizado como fundamento para a condenação.

Acerca do tema, registra-se que "[...] a confissão do acusado, conquanto parcial, meramente voluntária, condicionada, extrajudicial ou posteriormente retratada, enseja a incidência da atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, desde que efetivamente utilizada para o convencimento e convicção do julgador quanto ao acerto da sentença, sendo, pois, expresso fundamento para a condenação" (HC n. 306743, Min. Ribeiro Dantas, j. 12.09.2017).

Desta forma, incidindo uma causa de aumento e uma de redução, impõe-se a compensação (sic, fls. 120-121).

Ademais, sobre a necessidade de interesse recursal como pressuposto subjetivo de admissibilidade, a doutrina nacional anota:

1) Interesse recursal. É inferido pela necessidade que a parte tem na modificação da decisão que lhe foi desfavorável, ainda que parcialmente.

O interesse é medido pela vantagem prática que a parte pode ter com o eventual provimento do recurso (interesse-utilidade, representado pela possibilidade de obtenção de situação mais vantajosa), bem como pela indispensabilidade de intervenção estatal (estado-juiz) para modificar o julgado recorrido (interesse-necessidade) [...]

O interesse recursal (equivalente ao interesse de agir, processual) pode ainda ser constatado pelo trinômio necessidade-utilidade-adequação [...]

Para que haja interesse recursal, deve existir o pressuposto fundamental (sucumbência). Se, ao contrário, a parte lograr ser "vencedora em todos os pontos sustentados, não havendo tipo de sucumbência, inexiste motivo para provocar outra instância a reavaliar a matéria" (TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 11. ed. Salvador: JusPODVIM, 2016, p. 1339-1340).

A propósito, julgado deste Areópago:

APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO SIMPLES (ART. 157, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. DOSIMETRIA. [...] SEGUNDA FASE. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. PROVIDÊNCIA JÁ ADOTADA PELO MAGISTRADO SINGULAR. NÃO CONHECIMENTO. [...] RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.

[...]

(Apelação Criminal n. 0009866-04.2019.8.24.0008, de Blumenau, rel. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza, j. 23-1-2020).

Logo, não é de ser conhecido o insurgimento nesse particular.

De outro norte, nada obstante as ponderações constantes das razões recursais, o pleito absolutório não merece prosperar.

A infração penal que lhe foi irrogada e pela qual o acusado restou condenado, encontra-se disciplinada no respectivo Estatuto de Regência da seguinte forma:

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

[...]

Estabelecendo relação entre a norma referida e a conduta praticada, tem-se que a materialidade e autoria delitivas restaram devidamente demonstradas por meio de boletim de ocorrência (fls. 3-5) e fotocópia da cártula de cheque (fls. 6), bem assim pela prova oral coligida ao processado.

Com efeito, a procedência espúria da res foi confirmada pelo conjunto probatório angariado.

Ouvido tão somente na etapa investigativa, Alex Júnior Correia narrou:

[...] que, recebeu uma mensagem de seu empregador, Alceu, proprietário da empresa Metal Ferro, desta cidade, que o referido cheque, ora furtado, estaria em poder de Dário Maciel Cesar, proprietário do mercado Três Fronteiras, Dionísio Cerqueira/SC, ocasião em que Dário, no dia 28/05/2017, teria recebido o cheque e na mesma hora comunicado Alceu, emitente do cheque que então avisou o declarante (sic, fls. 8).

A testemunha Dário Maciel Cezar, no passo indiciário, explicou:

[...] que, é proprietário do mercado Três Fronteiras, no Município de Dionísio Cerqueira/SC e que, no dia 28/05/2017, por volta do meio dia, uma pessoa, que o mesmo não conhece, trocou o referido cheque ora furtado em seu mercado, sendo esta pessoa atendida por Mariele Cristina, caixa do mercado. Que, no momento que recebeu o cheque ligou para Alceu, emitente do cheque lhe informando que estava recebendo um cheque assinado por ele, sendo informado por Alceu que poderia pegar o cheque sem problemas, uma vez que ambos mantém uma relação de confiança a mais de dez anos. Que, apenas na data de hoje, 30/05/2017, quando foi tentar trocar o cheque no banco Sicredi, soube que o referido cheque estava sustado, ligando então para Alceu, que lhe informou que o cheque havia sido furtado (sic, fls. 10).

Inquirido em juízo, referiu:

[...] Promotora de Justiça: o senhor sabe me dizer o que aconteceu naquela época envolvendo esse cheque?

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