Acórdão Nº 0000077-06.2018.8.24.0011 do Quinta Câmara Criminal, 14-10-2021

Número do processo0000077-06.2018.8.24.0011
Data14 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0000077-06.2018.8.24.0011/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

APELANTE: BRUNO MATEUS SEVERINO (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público de Santa Catarina, com atuação na Vara Criminal da Comarca de Brusque, ofereceu denúncia em face de Bruno Mateus Severino, dando-o como incurso nas sanções dos artigos 303, parágrafo único c/c 302, §1º, III e 306, §1º, II, do Código de Trânsito Brasileiro, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (evento n. 25):

"Infere-se do presente auto de prisão em flagrante que no dia 13 de janeiro de 2018, por volta das 21h13min, na Rua Santa Cruz, Bairro Águas Claras, neste município, o denunciado, na condução do veículo Ford/Fiesta Sedan, de placas OWJ-9246, de maneira imprudente e sem a devida cautela eis que embriagado, perdeu o controle da direção de seu veículo e invadiu a pista contrária, vindo a colidir lateralmente com o automóvel Ford/KA, de placas MLX-4007, conduzido por Jéssica Galvão Sarmento, causando apenas danos materiais.

Imediatamente após o denunciado colidiu frontalmente com o veículo Fiat/Uno, de placas LXJ-8969, conduzido por Alessandro Borges, tendo como caroneiros o menor Luis Fernando Paiva Borges e a esposa de Alessandro. Devido à colisão, as vítimas Alessandro e Luis foram prontamente encaminhados ao Hospital da Azambuja, local onde permanecem internados.

De tal modo, constatou-se que o denunciado, na direção do veículo automotor Ford/Fiesta Sedan, de placas OWJ-9246 de maneira imprudente e sem devida cautela posto que embriagado, perdeu o controle da direção de seu veículo e invadiu a pista contrária, praticou lesão corporal culposa nas vítimas Alessandro Borges e Luis Fernando Paiva Borges, tendo em vista que Alessandro fraturou o joelho, enquanto que o menor Luis cortou o queixo, conforme relatos dos policiais militares que atenderam a ocorrência do acidente (vide gravação audiovisual de fls. 12-13).

Ressalta-se que as lesões corporais sofridas pelas vítimas serão descritas nos laudos periciais oportunamente juntados aos autos. Ainda, na ocasião do acidente, o denunciado deixou de prestar socorro às vítimas, embora fosse possível fazê-lo sem risco pessoal, evadindo-se do local logo após a colisão, sendo abordado pelos policiais militares que atenderam a ocorrência do acidente em frente ao estabelecimento "Império da Pizza", já distante do local.

De mais a mais, considerando que o acusado apresentava visíveis sinais de embriaguez, os policiais militares lhe ofereceram o teste de alcoolemia, sendo recusado por ele, de modo que se atestou a sua embriaguez por intermédio do auto de constatação de sinais de alteração da capacidade psicomotora (fls. 7-8), que indicou os seguintes resultados: condutor se envolveu em acidente de trânsito, declara ter ingerido bebida alcoólica, olhos vermelhos, hálito alcoólico, desordem nas vestes, falante, arrogância, ironia, dificuldade no equilíbrio, fala alterada.

Não se olvide, ainda, que no interior do veículo foi encontrado litro de bebida.

Ainda, tem-se dos autos que o denunciado conduziu, em via pública, com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, o veículo alhures mencionado, durante certo trajeto a ser devidamente apurado na instrução criminal".

A denúncia foi recebida em 17 de janeiro de 2018 (evento n. 29), o réu foi citado (eventos n. 42 e 43) e apresentou defesa (evento n. 58), por intermédio de defensor constituído.

A defesa foi recebida e, não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (evento n. 63).

Durante a instrução, foram inquiridas três testemunhas em comum e uma da defesa; após foi realizado o interrogatório o réu (termo de audiência e mídias anexadas no evento, n. 93).

Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais (eventos n. 101 e 106), sobreveio a sentença (evento n. 94) com o seguinte dispositivo:

"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia para condenar o acusado BRUNO MATEUS SEVERINO, identificado nos autos, às penas de um (1) ano, três (3) meses e dez (10) dias de detenção, em regime aberto, e dez (10) diasmulta, no valor de um trigésimo (1/30) do salário mínimo vigente à época dos fatos, por cada dia-multa, corrigidos na forma legal, e cinco (5) meses e três (3) dias de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, dandoo como incurso nas sanções do artigo 303, parágrafo único (redação anterior à Lei 13.546/2017), c/c artigo 302, §1º, inciso III, e artigo 306, §1º, inciso II, todos da Lei n. 9.503/07 (Código de Trânsito Brasileiro), em concurso material entre si, nos termos do artigo 69, caput, do Código Penal."

Não resignado, o réu interpôs recurso de apelação criminal (evento n. 135). Em suas razões (evento n. 157) postula a absolvição dos crimes de embriaguez no volante e lesão corporal culposa. Quanto ao primeiro, argumenta que inexiste prova da materialidade delitiva, uma vez que o auto de constatação de alteração da capacidade psicomotora é nulo, eis que registrado por meios escusos e duvidosos, com abuso de poder dos policiais, e em contradição ao primeiro boletim de ocorrência confeccionado no local dos fatos. Acerca do segundo, sustenta que o resultado culposo não lhe era previsível, uma vez que foi a conduta anterior, isto é, a colisão na lateral do seu veículo, que desencadeou o abalroamento com o veículo da vítima. Alternativamente, pede o afastamento da causa de aumento prevista no artigo 302, §1º, inciso III, do Código de Trânsito Brasileiro, argumentando que a prova produzida demonstra que a sua primeira atitude foi a de correr ao veículo das vítimas e verificar se todos estavam bem, inexistindo, portanto, a omissão de socorro.

Foram apresentadas as contrarrazões (evento n. 160), e os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Genivaldo da Silva, opinando "conhecimento do presente recurso e parcial provimento, apenas para afastar a majorante relativa à omissão de socorro (art. 303, parágrafo único - redação anterior à Lei 13.546/2017 - c/c art. 302, § 1.º, III, do CTB) mantendo-se, no mais, inalterada a r. sentença do evento n. 94 proferida pelo MM. Juízo a quo." (evento n. 14, destes autos).

VOTO

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Consoante sumariado, cuida-se de recurso de apelação criminal interposto por Bruno Mateus Severino, pois inconformado com a sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Brusque, que julgou procedente a denúncia e o condenou às penas privativas de liberdade de 01 (um) ano, 03 (três) meses e 10 (dez) dias de detenção, em regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, e 05 (cinco) meses e 03 (três) dias de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, por infração ao artigo 303, parágrafo único (redação anterior à Lei 13.546/2017), c/c artigo 302, §1º, inciso III, e artigo 306, §1º, inciso II, todos da Lei n. 9.503/07 (Código de Trânsito Brasileiro), em concurso material entre si, nos termos do artigo 69, caput, do Código Penal.

1. De início, quanto ao delito de embriaguez ao volante, o apelante almeja a absolvição sob o argumento de que inexiste prova da materialidade delitiva, uma vez que o auto de constatação de alteração da capacidade psicomotora é nulo, eis que registrado por meios escusos e duvidosos, com abuso de poder dos policiais, e em contradição ao primeiro boletim de ocorrência confeccionado no local dos fatos (doc. 01, evento n. 22).

Contudo, adianto, o pleito não comporta acolhimento.

Os fatos em análise ocorreram em 13 de janeiro de 2018, portanto a análise do caso deve observar a nova redação do artigo 306, da Lei n.º 9.503/1997, alterado pelas Leis n. 11.705/2008 e n. 12.760/2012, que passou a disciplinar que:

"Art. 306 - Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 1º As condutas previstas no caput serão constatadas por:

I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar;

II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora." - sublinhei.

A partir de então não há mais imprescindibilidade do teste de alcoolemia para efeitos de comprovar a materialidade do delito de embriaguez ao volante, pois o delito deixou de considerar apenas o critério quantitativo (dirigir com concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar) e passou a contemplar também a hipótese em que o agente conduz veículo automotor com sinais que indicam que ele está com a capacidade psicomotora alterada.

Este é o entendimento deste Tribunal:

APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306, § 1º, II, DO CÓDIGO DE TRANSITO BRASILEIRO). SENTENÇA PROCEDENTE. RECURSO DA DEFESA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. CONDENAÇÃO AMPARADA TÃO SOMENTE NO AUTO DE CONSTATAÇÃO DE SINAIS DE ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA. NÃO ACOLHIMENTO. REFERIDO AUTO CORROBORADO PELAS DEMAIS PROVAS COLETADAS PARA O PRESENTE FEITO. TESTEMUNHO DOS POLICIAIS MILITARES DANDO CONTA DO ESTADO ETÍLICO DO RECORRENTE. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL DO RÉU. ADEMAIS, DELITO DE PERIGO ABSTRATO, O QUE TORNA PRESCINDÍVEL A DEMONSTRAÇÃO DA POTENCIALIDADE LESIVA DA CONDUTA...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT