Acórdão Nº 0000099-39.2018.8.24.0084 do Quarta Câmara Criminal, 19-11-2020

Número do processo0000099-39.2018.8.24.0084
Data19 Novembro 2020
Tribunal de OrigemDescanso
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0000099-39.2018.8.24.0084

Relator: Desembargador Sidney Eloy Dalabrida

APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO CONTRA O MEIO AMBIENTE (ART. 38-A DA LEI N. 9.605/98). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE CULPOSA. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DESTRUIÇÃO DE VEGETAÇÃO NATIVA SECUNDÁRIA EM ESTÁGIO MÉDIO DE REGENERAÇÃO DO BIOMA MATA ATLÂNTICA, MEDIANTE O DESTOQUE E ARRANQUIO, SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE. PALAVRAS DOS POLICIAIS QUE ATENDERAM A OCORRÊNCIA CORROBORADAS PELA DOCUMENTAÇÃO ELABORADA PELA POLÍCIA MILITAR AMBIENTAL. ADEMAIS, CONJUNTO PROBATÓRIO CAPAZ DE SUPRIR A AUSÊNCIA DO LAUDO PERICIAL. ALEGADA AUSÊNCIA DE DOLO. DESCABIMENTO. RÉU QUE POSSUÍA CONHECIMENTO ACERCA DAS ESPÉCIES NATIVAS PRESENTES EM SUA PROPRIEDADE E DA ILICITUDE DE SUA CONDUTA. DOLO EVIDENCIADO. CONDENAÇÃO MANTIDA.

PLEITO DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS POR OUTRA DIVERSA. INVIABILIDADE. DISCRICIONARIEDADE DO JULGADOR. IMPOSIÇÃO DA MEDIDA EM CONFORMIDADE COM OS DITAMES LEGAIS. PEDIDO DE REDUÇÃO DO VALOR ARBITRADO PARA A PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. ACOLHIMENTO. MONTANTE FIXADO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. REDIMENSIONAMENTO QUE SE IMPÕE.

ARBITRAMENTO, DE OFÍCIO, DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PATRONO NOMEADO QUE ATUOU EM PRIMEIRO E SEGUNDO GRAUS. OBSERVÂNCIA AOS ITENS 10.1 E 10.4 DO ANEXO ÚNICO DA RESOLUÇÃO CM N. 1 DE 9 DE MARÇO DE 2020, QUE ATUALIZOU A RESOLUÇÃO CM N. 5 DE 8 DE ABRIL DE 2019. REMUNERAÇÃO DEVIDA.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE.

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, para reduzir o valor da prestação pecuniária imposta, e, de ofício, arbitrar os honorários advocatícios. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Alexandre d'Ivanenko, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Desembargador Zanini Fornerolli. Funcionou como representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Marcílio de Novaes Costa.

Florianópolis, 19 de novembro de 2020.



Desembargador Sidney Eloy Dalabrida

Relator





RELATÓRIO

Na comarca de Descanso, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Adenir Bianchin, imputando-lhe a prática do delito capitulado no art. 38-A da Lei n. 9.605/98, pois, segundo consta na inicial:

Em data a ser melhor apurada no curso da instrução processual, mas nos meses iniciais de 2016, certamente em data anterior a 10 de março de 2016, o denunciado ADENIR BIANCHIN, em sua propriedade, localizada na Linha Matão, interior do município de Descanso/SC, destruiu e danificou, por meio de destoque e aranquio, vegetação nativa secundária, em estágio médio de regeneração, pertencentes ao Bioma Mata Atlântica, em uma área total de 989 m² (novecentos e oitenta e nove metros quadrados), sem possuir a devida autorização do órgão ambiental competente, conforme Notícia de Infração Ambiental n. 0161/2016 de fls. 2-13, Auto de Infração Ambiental de fl. 18, Termo de Embargo/Interdição ou Suspensão de fl. 19 e Relatório de Fiscalização n. 031/2016 de fls. 21-29. Segundo demonstram os elementos de convicção, na data de 10 de março de 2016, por volta das 10h50min, em diligência efetuada pela Polícia Militar Ambiental, foi constatado o dano ambiental causado através de destoque e aranquio, detalhadamente descritos nos inclusos relatórios do órgão estatal (fls. 34-36).

Finalizada a instrução, o Magistrado a quo julgou procedente o pedido formulado na denúncia, para condenar o réu ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 1 (um) ano de detenção, em regime inicial aberto, substituída por uma medida restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária, na importância de 2 (dois) salários mínimos, vigentes à época dos fatos, por infração ao art. 38-A da Lei n. 9.605/98 (fls. 128-135).

Inconformado com a prestação jurisdicional, o réu interpôs apelação criminal, mediante a qual postulou a sua absolvição, sustentando a insuficiência de provas e ausência de dolo para amparar a condenação, e a imprescindibilidade do laudo pericial para comprovar a materialidade delitiva. Subsidiariamente, pleiteou a desclassificação para a modalidade culposa e a redução ou a modificação da pena restritiva de direitos imposta (fls. 144-164).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 173-183), a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Exmo. Dr. Ernani Dutra, manifestou-se "pelo conhecimento e parcial provimento do apelo interposto, além da fixação de honorários advocatícios ao Defensor nomeado" (fls. 190-208).

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conhece-se do recurso.

1 A defesa almeja a absolvição do réu, sustentando, em síntese, que "os agentes que perceberam o possível dano ambiental não visualizaram quem é que cometeu, tendo apenas chegado ao local depois dos fatos já terem ocorrido" (fl. 160) e que "não há nenhum elemento capaz de inferir que o réu agiu de forma dolosa" (fl. 161).

O pleito não prospera.

De acordo com o disposto no art. 38-A, caput, da Lei n. 9.605/98, constitui crime "destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção", sujeito à pena de "detenção de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente".

Acerca do delito, lecionam Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel:

Esse art. 38-A foi acrescentado pela Lei 11.428, de 22 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a “utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica”. Objeto jurídico do delito, portanto, é o Bioma Mata Atlântica, tal como definido na mencionada Lei 11.428/2006.

Biomas são “grandes ecossistemas que compreendem várias comunidades bióticas em diferentes estágios de evolução, em vasta extensão geográfica (…). É a unidade ecológica imediatamente superior ao ecossistema. Há biomas terrestres e aquáticos. Os grandes biomas brasileiros são a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, o Pantanal Mato-Grossense, o Cerrado, a Caatinga, o Domínio das Araucárias, as pradarias e os ecossistemas litorâneos”.

A Mata Atlântica teve 93% de sua área devastada, limitando-se hoje a uma extensão de 100.000 km² em razão do processo de industrialização e de ciclos econômicos do ouro, café e cana-de-açúcar. Ela se estende ao longo da Costa Brasileira, do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte e sua largura varia entre grandes e pequenas faixas de extensão, em média de 200 km de largura. Abrange, total ou parcialmente, 3.409 municípios, em 17 Estados do País.

Finalmente, após 14 anos de tramitação no Congresso Nacional, a Lei 11.428/2006 entrou em vigor, com o objetivo de regulamentar a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, tentando proteger o que ainda resta dela [...] (Lei dos Crimes Ambientais: Comentários à Lei 9.605/1998. 2. ed. São Paulo: Método, 2015. p. 180).

A materialidade e autoria delitivas encontram-se suficientemente comprovadas por meio da notícia de infração penal ambiental (fls. 2-12), do auto de infração ambiental (fl. 14), termo de embargo, interdição ou suspensão (fl. 15), croqui da área degradada (fl. 16), relatório de fiscalização (fls. 21-29), bem como da prova oral coligida ao longo de ambas as fases procedimentais.

O réu não foi ouvido na etapa indiciária e, em juízo (interrogatório audiovisual, fl. 74), exerceu seu direito constitucional de silenciar.

Sobre os fatos, perante a autoridade judicial (depoimento audiovisual, fl. 93), o policial militar ambiental Gilmar Maestri disse:

[...] que participou da diligência junto à propriedade do acusado, a fim de atender a uma requisição deste Juízo, com a finalidade de verificar a recomposição de uma área degradada. Nessa vistoria verificou um novo desmatamento no local, dialogou com o réu, o qual afirmou que não possuía autorização para realizar esse desmatamento, tendo sido tomados os procedimentos cabíveis. A mata possuía estágio de regeneração médio e pertencia ao Bioma Mata Atlântica. Na época, o acusado alegou que havia realizado o corte da referida vegetação com a finalidade de cultivar produtos Agrícolas (transcrição extraída da sentença, fl. 130).

Guardando sintonia com a declaração prestada, o policial Fernando Porsch asseverou que se deslocaram até a propriedade de Adenir com a finalidade de verificar se a área anteriormente degradada havia sido recuperada [0'40"]. Afirmou que no local foi constatada nova destruição de uma área de vegetação, de aproximadamente 998m² (novecentos e noventa e oito metros quadrados), tratando-se de vegetação nativa secundária, em estado médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica [1'03"]. Confirmou que o réu acompanhou a diligência e sabia da necessidade de possuir a licença ambiental para realizar o desmatamento, até por ter sido previamente autuado [1'10], tendo feito mesmo assim, de per si, porque o processo seria muito demorado e burocrático (depoimento audiovisual, fl. 93).

Assim, inexiste dúvida de que o acusado Adenir Bianchin, em seu imóvel localizado na localidade da Linha Matão, interior do Município de Descanso, destruiu e danificou, por meio de destoque e arranquio, vegetação nativa secundária, em estágio médio de regeneração, pertencentes ao Bioma Mata Atlântica, uma área de aproximadamente 900m² (novecentos metros quadrados), sem possuir a devida autorização do órgão ambiental competente.

Quanto ao dolo da conduta, em que pesem as alegações arguidas nas razões recursais, no sentido de que "não há nenhum elemento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT