Acórdão Nº 0000102-88.2014.8.24.0001 do Quinta Câmara Criminal, 05-03-2020

Número do processo0000102-88.2014.8.24.0001
Data05 Março 2020
Tribunal de OrigemAbelardo Luz
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0000102-88.2014.8.24.0001, de Abelardo Luz

Relatora: Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE USO DE DOCUMENTO FALSO E DIREÇÃO PERIGOSA (ART. 297 DO CÓDIGO PENAL E ART. 304 E 309 DO CTB). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA DEFESA. PROCURADOR DE JUSTIÇA QUE OPINA PELO NÃO CONHECIMENTO DO APELO ANTE A REPETIÇÃO DAS ALEGAÇÕES FINAIS. NÃO CABIMENTO. PEDIDO CLARO DA DEFESA PELA REFORMA DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO. DA CONDUTA DOS ARTS. 304 E 297 DO CP. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO CABIMENTO. RÉU QUE AO SER ABORDADO PELA POLÍCIA MILITAR APRESENTOU CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO FALSA. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL DE QUE COMPROU O DOCUMENTO. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO QUE NÃO EXIGE FINALIDADE POR PARTE DO AGENTE E O MERO USO JÁ CARACTERIZA O ILÍCITO PENAL. SENTENÇA MANTIDA. CONDUTA DO ART. 309 DO CTB. PLEITO DA DEFESA DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. ACOLHIDA INCABÍVEL. RELATOS DOS AGENTES PÚBLICOS CONTUNDENTES AO AFIRMAREM QUE A ABORDAGEM SE DEU EM RAZÃO DAS DENÚNCIAS RECEBIDAS DE TRANSEUNTES, QUE ADUZIRAM QUE O VEÍCULO DO RÉU, "KOMBI", TRANSITAVA PELA RODOVIA PULANDO OS "QUEBRA MOLAS" E ANDAVA EM "ZIGUE ZAGUE". PERIGO DE DANO EVIDENCIADO. AUSÊNCIA DE PROVAS PRODUZIDAS PELO RÉU QUE PUDESSEM ILIDIR AS AFIRMAÇÕES DOS MILICIANOS NOS TERMOS DO ART. 156 DO CPP. SENTENÇA QUE NÃO MERECE ALTERAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000102-88.2014.8.24.0001, da comarca de Abelardo Luz Vara Única em que é Apelante Izair Alves e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Cesar Schweitzer (Presidente) e o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza.

Florianópolis, 5 de março de 2020.

Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

Relatora


RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofertou denúncia em face de Izair Alves, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos art. 304 do Código Penal e art. 309 do Código Brasileiro de Trânsito, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (fls. 29/30):

No dia 26 de janeiro de 2014, em horário que será melhor apurado durante a instrução processual, o denunciado IZAIR ALVES conduzia seu veículo KOMBI placa APD-9806 pela rodovia SC desde Passo das Antas, gerando perigo de dano ao pular os quebra molas e andar em zig-zag na referida via pública.

Após receber comunicação sobre a conduta imprudente do denunciado na condução do seu veículo automotor, os Policiais Militares Fabio Luiz Baierle e Thiago Roberto Zorzenon, fizeram a abordagem ao referido veículo, momento em que IZAIR ALVES, na forma consciente e voluntária, fez uso de Carteira Nacional de Habilitação falsa, apresentando-a aos Agentes de Trânsito.

Deve-se destacar que o denunciado tinha pelo conhecimento de que o documento apresentado aos agentes públicos havia sido produzido por meios fraudulentos, posto que obtido de forma totalmente estranha aos procedimentos padrões.

Conforme apurado, ainda no ano de 2011, o denunciado IZAIR ALVES, temeroso pela sua impossibilidade de obter a permissão para dirigir pelos meios legais, negociou com dois indivíduos (não identificados), na praça Getúlio Vargas, Clevelândia/PR, a compra da Carteira pelo valor de R$ 1.300,00 (um mil e trezentos reais), recebendo posteriormente o documento.

Submetida à análise técnica (Laudo Pericial n.º 9122.14.00045, fl. 26-31), apurou-se que a Carteira Nacional de Habilitação apreendida junto ao denunciado é falsa, apresentando as seguintes divergências com o padrão: "a)ausência de marca d'água; b) selo holográfico, na parte inferior do anverso do documento, com características diversas do padrão; c)ausência de microletras no espaço destinado à fotografia; d)ausência de imagens de fundo quando exposta a uma fonte de luz ultravioleta; e)fundo numismático de aspecto divergente do padrão".

Destaque-se que IZAIR ALVES conduzia o veículo automotor sem a devida permissão ou habilitação em via pública, gerando perigo de dano com a realização das manobras imprudentes acima descritas.

A denúncia foi recebida (fl. 91), o réu foi citado (fl. 122) e apresentou defesa (fls. 95/100).

Não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (fl. 119).

Na instrução foram inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação, bem como o réu foi interrogado (fls. 9 e 136/137).

Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais (fls. 154/162 e 180/189), sobreveio a sentença (fls. 190/198) com o seguinte dispositivo:

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia, para condenar Izair Alves, pessoa já qualificada, ao cumprimento da pena de 2 (dois) anos de reclusão, 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa por infração aos artigos 304 c/c 297, ambos do Código penal e artigo 309 do Código de Trânsito Brasileiro. A pena privativa de liberdade fica substituída na forma anteriormente explanada. O valor do dia-multa é estipulado em um trigésimo do salário mínimo nacional vigente à época do fato.

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação (fls. 204/213), no qual pretende a sua absolvição em face da atipicidade da conduta em relação ao fato 01, bem como a ausência probatória acerca do perigo de dano no que se refere ao Fato 02.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 226/234) os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Marcílio de Novaes Costa, manifestou-se pelo não conhecimento do apelo por violação ao princípio da dialeticidade, e se conhecido sugere que seja desprovido (fls. 245/249).

Este é o relatório.


VOTO

O douto Procurador de Justiça Marcílio de Novaes Costa (fls. 245/249) opina pelo não conhecimento do apelo, por se tratar de mera reprodução das alegações finais.

O Código de Processo Penal, prevê em seu art. 599, que: "as apelações poderão ser interpostas quer em relação a todo o julgado, quer em relação a parte dele", ou seja, cabe a parte recorrente delimitar a matéria a ser objeto de reapreciação e de nova decisão pelo órgão jurisdicional competente.

Sobre o tema discorre Renato Brasileiro de Lima:

De fato, é possível que a parte esteja satisfeita com parte do julgado e não concorde com o restante. Daí a regra do tantum devolutum quantum appelatum, ou seja, a matéria a ser conhecida (devolutum) pelo Juízo ad quem dependerá da impugnação (appelatum).

Como se percebe, a regra do tantum devolutum quantum appellatum acaba por criar, no Juízo ad quem, verdadeiro obstáculo à sua pretensa liberdade de reexaminar a causa como se fosse o órgãos de primeiro grau. O poder de reexame da instância superior fica restrito à parte da decisão impugnada pelo recorrente, evitando-se, assim, a prestação de atividade jurisdicional sem que tenha havido provocação das partes, em fiel observância à regra da inércia da jurisdição (ne procedat judex ex officio). (Manual de Processo Penal, vol. II - 2ª ed., Niterói, RJ: Impetus, 2012, pág. 902).

Neste norte, não basta que o apelante se mostre inconformado com a decisão de primeiro grau, é necessário que demonstre os pontos específicos da insurgência, contrapondo os fundamentos da sentença, sob pena de não conhecimento do recurso e manutenção da decisão recorrida.

O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacífico no sentido de que "Embora o recurso de apelação devolva ao Juízo ad quem toda a matéria objeto de controvérsia, o seu efeito devolutivo encontra limites nas razões aventadas pelo recorrente, em homenagem ao princípio da dialeticidade, que rege os recursos no âmbito do Processo Penal, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte adversa, garantindo-se, assim, o respeito ao cânone do devido processo legal" (HC n. 185.775/RJ, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 1º/8/2013.

No entanto, também há precedente daquele Tribunal Superior de que mera repetição das alegações finais não impede, por si só, o conhecimento do recurso:

HABEAS CORPUS. NULIDADE. CONDENAÇÃO. APELAÇÃO INTERPOSTA NÃO CONHECIDA. MERA REPETIÇÃO DAS ALEGAÇÕES FINAIS. ACÓRDÃO FUNDADO NA INOBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. VIOLAÇÃO AO PRIMADO DA EXIGÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO JUDICIAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. A teor do art. 93, IX, da Constituição Federal, é imperioso que as decisões do Poder Judiciário sejam motivadas, a ponto de conter o substrato da causa e as particularidades defendidas pelas partes, de modo a viabilizar, de um lado, o exercício do duplo grau de jurisdição, e, de outro, o controle político do cumprimento da função judicante. 2. Na espécie, o Tribunal de origem não conheceu do apelo da defesa e, a pretexto de apreciar o recurso, apenas concluiu que a mera repetição das alegações finais nas razões do recurso de apelação viola o princípio da dialeaticidade. 3. Mutatis mutandis, "repetir, na apelação, os argumentos já lançados na petição inicial ou na contestação não representa, por si só, obstáculo ao conhecimento do recurso, nem ofensa ao princípio da dialeticidade. Precedentes." (AgInt no AREsp 980.599/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/12/2016, DJe 02/02/2017) 4. Ordem concedida para anular o julgamento da apelação e determinar novo exame daquele recurso, de forma fundamentada. (HC 392.479/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 31/08/2017).

O douto Procurador de Justiça (fls. 245/249), pugna, pelo não conhecimento do recurso de apelação apresentado pelo réu (fls. 205/213), sob fundamento de ser mera...

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