Acórdão Nº 0000113-37.2019.8.24.0068 do Quinta Câmara Criminal, 29-04-2021

Número do processo0000113-37.2019.8.24.0068
Data29 Abril 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0000113-37.2019.8.24.0068/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

APELANTE: CLAUDEMIR LERIA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com atuação perante o Juízo da Vara Única da Comarca de Seara ofereceu denúncia em face de Claudemir Leria, dando-o como incurso nas sanções do artigo 157, §2º, inciso V, e §2º, inciso I, do Código Penal, pela prática dos fatos delituoso assim narrados (evento n. 06):

"No dia 2 de março de 2018, por volta das 19h30min, na Rua Deputado Massolini, Centro, município de Xavantina/SC, o denunciado CLAUDEMIR LERIA, de forma consciente e voluntária, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, mediante grave ameaça, levada a efeito pelo uso ostensivo de arma de fogo, subtraiu para si, a motocicleta Yamaha/Fazer YS250, placa APP-4349, que estava em posse da vítima Lucas Lauterio Camargo, descrita no auto de apreensão e exibição das p. 6-8 e no termo de entrega das p. 9-11 e avaliada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), conforme auto de avaliação da p. 12.

Na ocasião, o denunciado foi até a residência de Lucas, sob pretexto de que precisa de carona até no trevo de acesso ao município de Xavantina/SC, onde encontraria um amigo. Contudo, ao ouvir a resposta negativa de Lucas, sacou da cintura um revólver, cor preta, cano médio, e anunciou que levaria a motocicleta.

Subsequentemente, restringindo a liberdade da vítima, o denunciado a manteve sob a mira da arma de fogo e ameaçou-a dizendo: "que não fizesse nada contrário, senão levaria chumbo", ordenando que pilotasse a motocicleta até o "Posto Nardino", onde determinou que a vítima comprasse R$ 5,00 (cinco reais) em combustível e, posteriormente, fosse até a SC-155, após a localidade de Linha das Palmeiras. No local, encontrou-se com outro indivíduo, o qual conduzia uma motocicleta Honda/Twister, cor vermelha, onde deixou a vítima no local e evadiu-se levando a motocicleta e um capacete cor azul com detalhes em branco junto do outro indivíduo.

Registra-se que, embora na ocasião do fato, a vítima Lucas Lauterio Camargo estava na posse da motocicleta, ela pertence a seu pai, Júlio Camargo."

A denúncia foi recebida em 22 de março de 2019 (evento n. 09), o réu foi citado (evento n. 12) e apresentou resposta à acusação (evento n. 19), por intermédio de defensor dativo nomeado (evento n. 16).

A defesa foi recebida, e não sendo o caso de absolvição sumária foi designada audiência de instrução e julgamento (evento n. 22).

Durante a instrução foi procedida a oitiva de 03 (três) testemunhas; após, foi procedido o interrogatório do acusado (termo de audiência e mídias registradas no evento n. 73).

Encerrada a instrução processual, foram apresentadas as alegações finais (eventos n. 107 e 113), e, na sequência, sobreveio a sentença (evento n. 116), com o seguinte dispositivo:

"Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a denúncia para CONDENAR o réu CLAUDEMIR LERIA já qualificado nos autos, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 6 (seis) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, e ao pagamento de 14 (catorze ) dias-multa no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo ao tempo dos fatos, por infração ao art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, em sua redação vigente ao tempo dos fatos.

NEGO a substituição da pena por restritivas de direito, já que incabível na espécie (artigo 44 do CP), haja vista o montante de pena aplicada, assim como a concessão do sursis, vez que não preenchido o requisito objetivo previsto no caput do artigo 77 do CP.

Diante da ausência de representação do órgão acusatório, deixo de analisar a necessidade de prisão cautelar do réu nesta fase do processo." (grifos originais).

Não resignado, o réu interpôs recurso de apelação (evento n. 122). Em suas razões recursais (evento n. 132), postula a absolvição com base na atipicidade da conduta praticada ou na insuficiência probatória, à luz do princípio do in dubio pro reo. Alternativamente, pede a desclassificação para o crime de exercício arbitrário das próprias razões, e na dosimetria, o afastamento da majorante prevista no inciso I do §2º do artigo 157 do Código Penal (antiga redação), ante a não apreensão da arma de fogo. Ao final, requer, de maneira genérica, a substituição da pena nos termos do artigo 44 do Código Penal ou a suspenção da pena conforme artigo 77 do Código Penal, além da fixação de honorários advocatícios.

Foram apresentadas as contrarrazões (evento n. 137), e os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Lio Marcos Marin, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento n. 09, destes autos).

VOTO

1. Primeiramente, é necessário destacar que, ainda que na esfera penal os pedidos defensivos possam ser feitos com fundamentação escassa, isto não permite a ausência de fundamentos, em afronta ao princípio da dialeticidade.

In casu, verifica-se que o apelante apresentou pedidos genéricos que não podem ser conhecidos, uma vez que pugnou pela substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e a suspensão condicional da pena, mas não fundamentou as razões pelas quais, no seu entender, os benefícios deveriam ser aplicados, limitando-se a consignar ao final da peça recursal tão somente que requer: "a substituição da pena nos termos do artigo 44 do Código Penal ou a suspenção da pena conforme artigo 77 do Código Penal."

Segundo Humberto Theodoro Júnior: "pelo princípio da dialeticidade exige-se, portanto, que todo recurso seja formulado por meio de petição na qual a parte, não apenas manifeste sua inconformidade com o ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer novo julgamento da questão nele cogitada, sujeitando-se ao debate da parte contrária" (Curso de direito processual civil. vol. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 962).

O Código de Processo Penal, prevê em seu artigo 599, que: "as apelações poderão ser interpostas quer em relação a todo o julgado, quer em relação a parte dele", ou seja, cabe a parte recorrente delimitar a matéria a ser objeto de reapreciação e de nova decisão pelo órgão jurisdicional competente.

Nesse sentido, não basta que o recorrente se mostre inconformado com a decisão de primeiro grau, é necessário que demonstre os pontos específicos da insurgência, contrapondo os fundamentos da sentença, sob pena de não conhecimento do recurso no ponto e manutenção da decisão recorrida.

A propósito, já decidiu esta Relatoria:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. POLUIÇÃO SONORA (ART. 54, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/98). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA DA DEFESA. [...] PLEITO GENÉRICO DE REDUÇÃO DA PENA DE MULTA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO. "Não deve ser conhecida por ofensa ao princípio da dialeticidade recursal a insurgência que se resume a um pedido meramente genérico, desacompanhada de qualquer fundamentação concreta/específica no corpo das razões recursais a fim de embasar tal pretensão." (TJSC, Apelação Criminal n. 0002934-08.2016.8.24.0007, de Biguaçu, rel. Des. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Quarta Câmara Criminal, j. 21-02-2019). ADEMAIS, IMPORTE FIXADO NO MÍNIMO LEGAL, E MAJORADO, ADEQUADAMENTE, EM APENAS 1/6 DEVIDO AO RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0063192-61.2014.8.24.0004, de Araranguá, rel. Des. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, Quinta Câmara Criminal, j. 18-06-2020).

Dessa forma, em conformidade com o princípio da dialeticidade, deixo de conhecer os pedidos genéricos de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e a suspensão condicional da pena formulado.

2. De outro modo, presentes os requisitos de admissibilidade quanto aos demais pontos do recurso, estes devem ser conhecidos.

Consoante sumariado, o apelante postula a absolvição com base na atipicidade da conduta praticada ou na insuficiência probatória, à luz do princípio do in dubio pro reo.

Para tanto, aduz que "era proprietário da motocicleta, supostamente roubada" e que os fatos ocorreram aproximadamente três meses após essa aquisição, de sorte que, desfeito o negócio verbal de compra e venda com o genitor da vítima, apenas recuperou veículo que já era seu, não havendo que falar em tipicidade da conduta imputada, nem sequer em provas suficientes para condenação.

Adianto, os pleitos não merecem acolhimento.

A materialidade delitiva está devidamente demonstrada nos autos, especialmente pelo boletim de ocorrência n. 00261-2018-0000030 (docs. 03/04, evento n. 01), pelo auto de exibição e apreensão (docs. 06/07, idem), pelo auto de entregada (doc. 09, idem), pelo termo de reconhecimento e entrega (doc. 11, idem), pelo auto de avaliação (doc. 12, idem), assim como pela prova oral produzida em ambas as fases.

Ademais, as afirmações do apelante são infundadas, pois a autoria encontra respaldo na prova colhida neste caderno processual, vejamos.

Por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante o acusado Claudemir Leria manifestou o seu direito constitucional de permanecer em silêncio (mídia anexada no evento n. 01, autos do inquérito).

Sob o crivo do contraditório, o acusado declarou "que os fatos na denúncia não são verdadeiros;, uma vez que não roubou a motocicleta. Narrou que adquiriu a motocicleta em uma garagem, mas como necessitava de um veículo para trabalhar, negociou a moto com Júlio Camargo, trocando-a por um VW/GOL; que quando o interrogado já estava com o veículo descobriu que Júlio estava devendo R$ 6.000,00 do veículo para um terceiro; que ao questionar Júlio ele "enrolou" o interrogado e afirmou que o recibo do veículo estava em uma determinada...

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