Acórdão Nº 0000146-31.2020.8.24.0023 do Quarta Câmara Criminal, 21-10-2021

Número do processo0000146-31.2020.8.24.0023
Data21 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0000146-31.2020.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA

APELANTE: MAURICIO PAULO DE SOUZA FILHO (RÉU) ADVOGADO: MARCELO RODRIGO GOLIN (OAB SC057959) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

1 Admissibilidade

De início, deixa-se de conhecer do pedido de justiça gratuita, porquanto deve ser dirigido ao Juízo a quo quando da apuração das custas finais, momento em que possuirá mais informações acerca do preenchimento dos pressupostos legais, notadamente da aventada hipossuficiência.

Sobre o tema: TJSC, Apelação Criminal n. 0000661-78.2018.8.24.0074, de Trombudo Central, rel. Des. Alexandre d'Ivanenko, Quarta Câmara Criminal, j. em 7/3/2019.

No mais, satisfeitos os pressupostos legais de admissibilidade, passa-se ao exame da matéria de fundo.

2 Absolvição

Maurício Paulo de Souza Filho postulou, inicialmente, a absolvição do delito de organização criminosa majorada, ao argumento de que não existiriam provas suficientes da prática da conduta tipificada.

O art. 2º da Lei n. 12.850/13 dispõe:

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

§ 2º As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo.

§ 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.

§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):

I - se há participação de criança ou adolescente;

II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;

III - se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;

IV - se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;

V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização (grifou-se).

O conceito de organização criminosa, por sua vez, consta do art. 1º, § 1º, da mencionada Lei: "Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional".

Sobre as características da infração penal, Guilherme de Souza Nucci leciona que:

O crime é comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa; formal, não exigindo para a consumação qualquer resultado naturalístico, consistente no efetivo cometimento dos delitos almejados; de forma livre, podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente; comissivo, pois os verbos representam ações; permanente, cuja potencialidade lesiva é presumida em lei; plurissubjetivo, que demanda várias pessoas para a sua concretização; plurissubsistente, praticado em vários atos (Organização Criminosa. 2ª ed. São Paulo: Editora Forense, 2015. p. 22).

A caracterização da organização criminosa em discussão, Primeiro Comando da Capital - PCC, no conceito acima referido, foi bem explicitada pelo Sentenciante, não foi controvertida nem merece reparos:

A organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital (PCC) possui atuação interestadual, é estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com o objetivo de obter direta e indiretamente vantagem, mediante a prática de tráfico de drogas e de armazenamento de armas de fogo e munições, além de outros crimes.

Por oportuno, sobre o PCC destaca-se que a referida organização criminosa, à qual os investigados estariam vinculados, surgiu em 1993 a pretexto de se rebelar contra as condições do sistema prisional no Estado de São Paulo, muito embora essa revolta, de maneira absolutamente ilegítima, tenha voltado seu foco para a prática de crimes.

O grupo possui um estatuto que rege suas atividades e uma estrutura de hierarquia e poder bem definidos. Para a consecução de seus objetivos se organizam para a prática dos mais diversos ilícitos, especialmente tráfico de entorpecentes e crimes patrimoniais. Parte do lucro da atividade criminosa é destinada para a própria facção. Esses valores financiam a compra de matéria prima (leia-se: drogas e armas), além da manutenção da família dos integrantes presos e até mesmo pagamento de defesa técnica.

Trata-se de uma das maiores organizações criminosas do país, tendo em vista que nos últimos dez anos passou a atuar em diversos Estados da Federação, bem como em alguns países da América do Sul.

Dessa forma, a existência da organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital é fato público e notório (Evento 6279, SENT1, dos autos originários).

Passa-se, portanto, à análise da conduta delitiva prevista no art. 2º da Lei n. 12.850/13 quanto ao apelante e da efetiva atuação na organização criminosa denominada PCC.

A despeito das assertivas defensivas, tanto a materialidade como a autoria delitivas foram devidamente comprovadas pelos elementos informativos, colhidos no Inquérito Policial n. 18.17.00019 (Eventos 3719-3749), nas interceptações telefônicas, bem como na prova oral coligida, da qual se destacam os depoimentos prestados pelos policiais civis.

Registra-se que "vigora no sistema processual penal brasileiro o princípio do livre convencimento motivado, em que o magistrado pode formar sua convicção ponderando as provas que desejar" (HC n. 68.840/BA, rel. min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. em 28/4/2015, DJe de 11/5/2015).

Nesse passo, embora os elementos informativos produzidos no inquérito policial não possam ser utilizados exclusivamente para a condenação, conforme o disposto no art. 155, caput, do Código de Processo Penal, de acordo com pacífica jurisprudência, podem ser invocados para autorizar a opção condenatória quando corroborados por prova produzida judicialmente, exatamente como no caso.

Como paradigma, cita-se:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONDENAÇÃO BASEADA EM INFORMAÇÕES COLHIDAS NO INQUÉRITO E COMPLEMENTADAS POR PROVAS PRODUZIDAS EM JUÍZO. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

[...]

2. O entendimento do STF é no sentido de que "o livre convencimento do juiz pode decorrer das informações colhidas durante o inquérito policial, nas hipóteses em que complementam provas que passaram pelo crivo do contraditório na fase judicial, bem como quando não são infirmadas por outras provas colhidas em juízo" (RHC 118.516, Rel. Min. Luiz Fux).

3. No caso de que se trata, o Juízo de origem, em decisão corroborada pelo Tribunal estadual, ao condenar o acionante apontou que "a sucessão de provas materiais produzidas na fase administrativa associada aos depoimentos colhidos perante a autoridade policial e aqueles que se realizaram sob o crivo do contraditório permitem concluir que os acusados Gilberto de Oliveira e Jeferson Pereira da Silva praticaram os crimes de roubo".

4. Agravo regimental desprovido (STF, RHC n. 170.101 AgR, rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. em 4/10/2019, DJe-231 de 23/10/2019 - grifou-se).

No mesmo caminho: "Os elementos informativos, malgrado não se prestem, por si sós, para embasar a condenação (art. 155, caput, do Código de Processo Penal), quando concatenados com outras provas coligidas sob o crivo do contraditório, podem ser utilizados na formação do juízo de certeza" (TJSC, Apelação Criminal n. 0001114-38.2013.8.24.0013, de Campo Erê, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, Terceira Câmara Criminal, j. em 18/7/2017).

Como se verá, não há que se falar em ofensa ao art. 155, caput, do Código de Processo Penal porquanto a sentença condenatória foi devidamente fundamentada em elementos colhidos nas fases policial e judicial, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal.

De mais a mais, no que concerne às interceptações telefônicas, salienta-se que consagram prova de produção antecipada, de natureza cautelar e contraditório diferido, excepcionada pelo mencionado art. 155, caput, da Lei Adjetiva Penal.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça decide que, "à luz do art. 155 do CPP, é possível condenar o réu com lastro em interceptação telefônica (prova cautelar com contraditório diferido) convergente com as demais provas obtidas no processo penal e com a declaração de testemunha ouvida na fase policial" (AgRg no AgRg no AREsp n. 1.806.842/SC, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. em 21/9/2021).

Sempre que ouvidos, os policiais civis descreveram a prolongada investigação e a identificação do réu como integrante da organização criminosa.

O Delegado de Polícia Antônio Cláudio de Seixas Jóca, ao ser questionado pela autoridade judiciária (Evento 6257, VÍDEO1, dos autos originários), narrou que a investigação perdurou por vários meses e contou com períodos de interceptação telefônica, prisão de comparsas e apreensão de armas, além da constatação e elucidação de diversas infrações penais perpetradas pela facção criminosa, especialmente na contenda travada com outra organização, o PGC (Primeiro Grupo Catarinense).

Extrai-se da transcrição da sentença:

[...] que a investigação demorou, aproximadamente, 14 (quatorze) meses para ser concluída; que foram identificados 49 (quarenta e nove) integrantes da organização criminosa PCC, com atuação no Estado de Santa Catarina, principalmente, na região da Grande Florianópolis; que o acusado Maurício Paulo de Souza Filho possuía o vulgo "Lutador" e exercia uma função de liderança dentro da organização criminosa, de Sintonia de Estados e país; que o acusado Maurício Paulo de Souza...

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