Acórdão Nº 0000159-18.2019.8.24.0006 do Segunda Câmara Criminal, 22-09-2020

Número do processo0000159-18.2019.8.24.0006
Data22 Setembro 2020
Tribunal de OrigemBarra Velha
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0000159-18.2019.8.24.0006, de Barra Velha

Relator: Des. Sérgio Rizelo

APELAÇÃO CRIMINAL. EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO QUALIFICADA PELA DURAÇÃO MAIOR QUE 24 HORAS E PELA IDADE DA VÍTIMA (CP, ART. 159, § 1º). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DOS ACUSADOS.

1. CERCEAMENTO DE DEFESA. 1.1. AGRESSÕES DE CORRÉUS. COMUNICAÇÃO. SINAIS VISÍVEIS. EXAME DE CORPO DE DELITO. ATENDIMENTO MÉDICO. DOENÇAS PREEXISTENTES. 1.2. TESTEMUNHAS. PEDIDO E INDEFERIMENTO. 1.3. TESTEMUNHAS CONHECIDAS. NÃO ARROLAMENTO EM RESPOSTA À ACUSAÇÃO (CPP, ART. 396-A). PRECLUSÃO CONSUMATIVA. 2. PROVA DA AUTORIA. 2.1. CONFISSÃO. DECLARAÇÕES DA VÍTIMA, DE INFORMANTE E DE POLICIAIS CIVIS. ENVIO DE ÁUDIOS. CÂMERAS DE SEGURANÇA. 2.2. CUIDADOR DO IDOSO SEQUESTRADO. DELAÇÃO EXTRAJUDICIAL. QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO. DECLARAÇÕES DA VÍTIMA, DE INFORMANTE E DE AGENTES PÚBLICOS. RELATÓRIOS DE INVESTIGAÇÃO. VÍDEO DE RESGATE. CATIVEIRO. RESIDÊNCIA. 2.3. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL. PROVA ORAL. PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO. TRANSPORTE INTERMUNICIPAL DA VÍTIMA E COMPARSAS. COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA. CÂMERAS DE SEGURANÇA. 3. VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. ELEMENTARES. SEQUESTRO. 4. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ (CP, ART. 15). DELITO CONSUMADO. 5. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA (CP, ART. 29, § 1º). COAUTORIA. DIVISÃO DE TAREFAS. DOMÍNIO DO FATO. ATUAÇÃO ESSENCIAL E DECISIVA. 6. PENA-BASE. CULPABILIDADE. CUIDADOR. 7. AGRAVANTE. VÍTIMA IDOSA (CP, ART. 61, II, "H"). MIGRAÇÃO. DELITO DUPLAMENTE QUALIFICADO. BIS IN IDEM. 8. HONORÁRIOS RECURSAIS. TRABALHO ADICIONAL. RESOLUÇÃO 5/19-CM DESTA CORTE.

1.1. Não há cerceamento de defesa, em face de não ser apurada suposta agressão praticada pelos corréus contra o acusado quando, em seu interrogatório extrajudicial e na audiência de custódia, ele não menciona o fato e não apresenta marca visível de violência, o que também afasta a necessidade de laudo pericial, ao passo que o atendimento médico solicitado à juíza na audiência de custódia, está claro nos autos, decorreu de mal-estar ocasionado por doenças preexistentes.

1.2. Impossível falar em cerceamento de defesa quando não há pedido de oitiva das pessoas mencionadas no apelo e, por consequência, decisão de indeferimento da produção de prova.

1.3. As testemunhas de defesa conhecidas antes do início da instrução processual devem ser arroladas na resposta à acusação, ocorrendo preclusão consumativa e inexistindo cerceamento de defesa quando não inquiridas pessoas mencionadas no interrogatório judicial que não integraram o rol apresentado ao Juízo e que eram desde antes conhecidas.

2.1. As confissões dos acusados em ambas as fases procedimentais, de que foram autores da extorsão mediante sequestro praticada contra idoso, corroboradas pelos relatos da vítima, do filho dela e dos policiais civis responsáveis pela investigação; o envio de áudios ameaçadores à família do ofendido para exigir o valor do resgate; e a prisão no local do último cativeiro juntamente com todos os demais envolvidos; são provas suficientes da autoria do delito previsto no art. 159, § 1º, do Código Penal.

2.2. As delações extrajudiciais dos corréus; as palavras da vítima, de seu filho e dos policiais civis; os dados extraídos da quebra do sigilo telefônico revelando a comunicação com os outros acusados; os relatórios de investigação; os pedidos de valores de resgate realizado na primeira pessoa do singular; e o uso da própria residência como cativeiro final; todos apontando para o fato de que o cuidador da vítima idosa foi o mentor intelectual do sequestro, formam conjunto probatório convincente da sua autoria, sem margem para que se interprete que ele também foi vítima de privação da liberdade.

2.3. A confissão extrajudicial do acusado, dando conta de que foi chamado, pelo cuidador da vítima, para participar do ato criminoso e arregimentou outros dois comparsas, ainda que retratada em juízo, é suficiente para a condenação quando outros elementos de convicção nos autos a confortam, tais como a prova oral composta pelo testemunho da vítima e dos policiais civis, de que foi no veículo automotor do acusado, e sob sua condução, que o ofendido foi transportado da casa dele para os cativeiros; os dados telefônicos que revelam a comunicação com os outros réus no período do sequestro; e as imagens das câmeras de segurança do corpo de bombeiros, localizadas em frente ao último cativeiro, que mostram o acusado chegando de automóvel na manhã seguinte à segunda noite do delito, entrando no terreno e deixando o local normalmente na companhia dos corréus, minutos antes de serem presos, sendo todos estes elementos bastante à comprovação da autoria do crime de extorsão mediante sequestro.

3. O crime de extorsão mediante sequestro não tem como elementar do tipo a violência ou grave ameaça, contidas implicitamente na ação de privar a liberdade de ir e vir de outra pessoa, consumando-se o delito quando, com o fim de obter vantagem econômica, o agente sequestra uma pessoa.

4. Não se caracteriza a desistência voluntária ou o arrependimento eficaz se o agente participa ativamente da empreitada criminosa após a privação de liberdade da vítima, efetuada com o fim de obtenção de vantagem econômica, momento em que se consuma o delito de extorsão mediante sequestro.

5. Ainda que não tenha servido como vigia da vítima no cativeiro, não se reconhece a participação de menor importância daquele que participa do sequestro do início ao fim, sendo parte essencial e decisiva da trama criminosa, responsável pela condução do veículo que levou o ofendido da casa dele para um cativeiro em outro município e deste para outra clausura numa terceira cidade, hipótese em que caracterizada a coautoria e as distintas atuações em mera divisão de tarefas entre aqueles que detinham o domínio do todo.

6. Merece maior reprovabilidade a conduta daquele que, valendo-se da relação de confiança, sequestra idoso do qual era cuidador há mais de um ano, justificando-se o aumento da pena-base por conta da culpabilidade.

7. Na hipótese de delito duplamente qualificado, é possível a migração de uma qualificadora para a segunda fase da dosimetria se a circunstância também configura agravante genérica.

8. Faz jus aos honorários recursais, nos termos do art. 85, §§ 1º e 11, do Código de Processo Civil, o defensor nomeado atuante em Primeiro Grau que apresenta apelo, observados os limites da Resolução 5/19-CM/TJSC.

RECURSOS DOS QUATRO ACUSADOS CONHECIDOS, DOIS DELES DESPROVIDOS E DOIS PARCIALMENTE PROVIDOS, SOMENTE PARA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000159-18.2019.8.24.0006, da Comarca de Barra Velha (2ª Vara), em que é Apelante Hugo Rene Lesmo Sanches e outros e Apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer dos apelos; negar provimento aos manejados por Edson Pereira e Felipe Rodrigues dos Santos; e dar parcial provimento aos ajuizados por Álvaro Calixto Machado e Hugo René Lesmo Sanches somente para fixar honorários recursais no valor de R$ 351,00. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Desembargadores Norival Acácio Engel (Presidente) e Salete Silva Sommariva.

Florianópolis, 22 de setembro de 2020.

Sérgio Rizelo

RELATOR


RELATÓRIO

Na Comarca de Barra Velha, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Edson Pereira, Álvaro Calixto Machado, Hugo René Lesmo Sanches e Felipe Rodrigues dos Santos, imputando-lhes a prática do crime previsto no art. 159, § 1º, do Código Penal, nos seguintes termos:

Consta no presente caderno indiciário que, no mês de janeiro de 2019, em dia e horário que serão esclarecidos durante a instrução processual, os denunciados Edson Pereira, Álvaro Calixto Machado, Hugo René Lesmo Sanches e Felipe Rodrigues dos Santos decidiram sequestrar o senhor João Terca Hoegen, idoso com 92 anos de idade, com o intuito de exigirem de seus familiares o pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) como condição ou preço pelo resgate.

De acordo com as investigações, o mentor deste bárbaro ato criminoso, que tem como vítima pessoa idosa com 92 anos de idade, foi o denunciado Edson Pereira, que, por ser o cuidador da vítima há mais de um ano, detinha a confiança do idoso e de seus familiares.

Assim, aproveitando-se desta condição, foi que, na noite do dia 23 de janeiro de 2019, por volta das 23 horas, os denunciados Edson Pereira, Álvaro Calixto Machado, Hugo René Lesmo Sanches e Felipe Rodrigues dos Santos, em comunhão de desígnios e esforços, iniciaram a execução do plano criminoso engendrado por todos da seguinte forma:

No dia e horário acima referidos, os denunciados Álvaro Calixto Machado, Hugo René Lesmo Sanches e Felipe Rodrigues dos Santos deslocaram-se a esta cidade e comarca de Barra Velha no veículo GM/Onix, placas QNK-0684, dirigindo-se diretamente até a residência da vítima, esta localizada na Rua Vanor Prudente Vieira, n. 36 (casa), região central da cidade. De imediato, os denunciados Álvaro Calixto Machado, Hugo René Lesmo Sanches e Felipe Rodrigues dos Santos adentraram na casa, abordaram a vítima João Terca Hoegen e o "cuidador", ora denunciado Edson Pereira, e anunciaram que ambos estavam com a suas respectivas liberdades segregadas. Em seguida, após amarrá-los, vedá-los e colocá-los à força dentro do referido automóvel, os denunciados rumaram até uma residência abandonada, situada no bairro Monte Alegre, na cidade de Camboriú/SC.

Já no cativeiro, os denunciados Álvaro Calixto Machado e Hugo René Lesmo Sanches, contando com a ciência e o apoio dos demais comparsas e sob o comando do Edson Pereira, contataram, por meio de um telefone celular, os senhores Josué e Joaquim Hoegen, filhos da vítima. No telefonema, os denunciados, além de noticiar a segregação da liberdade da vítima,...

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