Acórdão Nº 0000160-24.2017.8.24.0054 do Sexta Turma de Recursos - Lages, 12-12-2019

Número do processo0000160-24.2017.8.24.0054
Data12 Dezembro 2019
Tribunal de OrigemRio do Sul
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Sexta Turma de Recursos - Lages


ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Sexta Turma de Recursos - Lages

Apelação n. 0000160-24.2017.8.24.0054

Apelação n. 0000160-24.2017.8.24.0054, de Rio do Sul

Relator: Juiz Leandro Passig Mendes

DESOBEDIÊNCIA. ORDEM DE PARADA. ATIVIDADE OSTENSIVA DE POLÍCIA. CRIME CONFIGURADO.

"Comete o crime de desobediência o agente que, a fim de garantir seu estado de liberdade, desobedece ordem de parada emanada por policial militar" (TJSC, Apelação Criminal n. 0005904-74.2018.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Getúlio Corrêa, Terceira Câmara Criminal, j. 27-08-2019), mesmo que a ordem seja emanada de policial militar que está em atividade ostensiva ou de garantia da ordem pública.

PORTE DE DROGA. ART. 28 DA LEI 11.343/2006. DESCRIMINALIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE.

"1. O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII).

2. Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo 'rigor técnico', que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado 'Dos Crimes e das Penas', só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30).

[...]

4. Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30).

6. Ocorrência, pois, de 'despenalização', entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C. Penal, art. 107)" (RE nº 430.105, do Rio de Janeiro, rel. Min. Sepúlveda Pertence).

"Igualmente não se percebem violações aos princípios de direito penal aduzidos pelo recorrente - taxatividade, lesividade e fragmentariedade - ao se manter o caráter ilícito do porte de drogas para uso pessoal, até porque seu preceito secundário sofreu sensível modificação após o advento da Lei n. 11.343/06, a qual tratou de mitigar as repercussões penais da posse de entorpecentes ara consumo próprio, sem, contudo, afastar a ilicitude da referida conduta" (Apelação Criminal n. 2009.059958-0, de Araranguá, rel. Des. Alexandre d'Ivanenko).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0000160-24.2017.8.24.0054, da comarca de Rio do Sul, Juizado Especial Cível e Criminal, em que é Apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e Apelado Lucas Brito da Silva:

A Sexta Turma de Recursos - Lages decidiu, por maioria de votos, dar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

VOTO

O art. 144 da Constituição Federal prescreve que "a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. VI - polícias penais federal, estaduais e distrital".

Segundo o § 5º do referido artigo, "às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil".

No caso, embora os policiais militares tenham relatado que estavam em operação de trânsito, em verdade tratava-se de verdadeira ação de polícia ostensiva, para execução das funções próprias das polícias militares, de policiamento ostensivo e de preservação da ordem pública. Rigorosamente, não se tratava de mera fiscalização rotineira de trânsito, especialmente porque na cidade de Rio do Sul está constituída a guarda municipal.

Por isso, a desobediência à ordem de parada, emanada de policial militar no exercício da atividade de policiamento ostensivo, constitui o crime do art. 330 do CP.

É certo que da narrativa dos policiais militares, não estavam atuando como meros agentes de trânsito, mas no exercício de sua função típica, que no caso em tela consistia no policiamento ostensivo e com vistas à preservação da ordem pública, conforme preceitua o art. 144, § 5º, da CF/1988, portanto, não há que falar em caracterização da infração administrativa prevista no art. 195 do Código Brasileiro de Trânsito.

Segundo decisões do nosso Tribunal, a desobediência à ordem de parada emanada de policiais militares em policiamento ostensivo, fora do contexto de mera fiscalização das regras de trânsito, constitui conduta penalmente típica.

Nesse sentido:

"APELAÇÃO CRIMINAL. CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR EM VIA PÚBLICA SEM PERMISSÃO PARA DIRIGIR OU HABILITAÇÃO (ART. 309 DO CTB) E DESOBEDIÊNCIA (ART. 330 DO CP). DECISÃO CONDENATÓRIA. INCONFORMISMO DA DEFESA. ALEGAÇÃO DE FRAGILIDADE DE PROVAS QUANTO AO PERIGO DE DANO CONCRETO NO DELITO DE DIRIGIR SEM HABILITAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AGENTE QUE EMPREENDE FUGA, ENGATANDO A MARCHÁ RÉ E DIRIGINDO NA CONTRAMÃO EM VIA RÁPIDA. BEM JURÍDICO TUTELADO, A SEGURANÇA VIÁRIA. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE À CONDENAÇÃO DO AGENTE. PRETENDIDO RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE DA CONDUTA DO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. INVIABILIDADE. AGENTE QUE EMPREENDEU FUGA, APÓS DETERMINAÇÃO DE PARADA PELO POLICIAL MILITAR EM BARREIRA FISCALIZATÓRIA. CONDUTA QUE REFOGE AO DIREITO DE AUTODEFESA. PLEITO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ABSORÇÃO DO CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR EM VIA PÚBLICA SEM PERMISSÃO PARA DIRIGIR OU HABILITAÇÃO PELO DE DESOBEDIÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. TIPOS PENAIS DISTINTOS QUE NÃO CARACTERIZAM CRIME MEIO NECESSÁRIO PARA EXECUÇÃO DO OUTRO. TESE RECHAÇADA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSOR NOMEADO SOMENTE PARA APRESENTAR RAZÕES RECURSAIS. REMUNERAÇÃO DEVIDA. PLEITO DE FIXAÇÃO DE ACORDO COM A TABELA DE HONORÁRIOS DA OAB. IMPOSSIBILIDADE. VERBA HONORÁRIA QUE DEVE SER FIXADA DE ACORDO COM OS PARÂMETROS DO ART 85, § 8º, DO CPC C/C ART. 3º, DO CPP. ENTENDIMENTO DA SEÇÃO CRIMINAL DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRETENSÃO PARCIALMENTE ACOLHIDA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SC - APR: 00063386620118240064 São José 0006338-66.2011.8.24.0064, relator Des. José Everaldo Silva, Data de Julgamento: 08/03/2018, Quarta Câmara Criminal).

"PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME PRATICADO POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL. DESOBEDIÊNCIA (CP, ART. 330). CRIME DE TRÂNSITO. CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR COM CAPACIDADE PSICOMOTORA ALTERADA EM RAZÃO DO USO DE ENTORPECENTE E INGESTÃO DE ÁLCOOL (CTB, ART. 306). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. [...] CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. INVIABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. AGENTE QUE NÃO ACATOU PRONTAMENTE A ORDEM DE PARADA EMANADA DOS POLICIAIS MILITARES. CONDUTA TÍPICA, ANTIJURÍDICA E CULPÁVEL. CRIME DE TRÂNSITO. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. ALEGADA AUSÊNCIA DE PROVAS QUE ATESTEM A ALTERAÇÃO PSICOMOTORA DO APELANTE. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. RISCO À COLETIVIDADE. ÂNIMO SUBJETIVO QUE SE CONFIGURA INDEPENDENTEMENTE DA FINALIDADE. PRECEDENTES. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. - A segurança pública é uma das atribuições conferidas à Polícia Militar, pelo art. 144, § 5º, da Constituição Federal, e a Constituição do Estado de Santa Catarina incumbiu-lhe o patrulhamento rodoviário e a guarda e a fiscalização do trânsito urbano (CE, art. 107), responsabilidade que foi delegada pelo DEINFRA ao referido órgão. - O agente que desobedece ordem legal de autoridade de trânsito de parada de veículo comete o crime de desobediência. Precedentes" (Apelação n. 0000883-89.2013.8.24.0084, de Descanso, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, Primeira Câmara Criminal, j. 19/07/2016).

E do Superior Tribunal de Justiça:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. DESOBEDIÊNCIA. ART. 330 DO CÓDIGO PENAL. ORDEM DE PARADA EMANADA DE POLICIAIS MILITARES NO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE OSTENSIVA. ORDEM NÃO DIRIGIDA POR AUTORIDADE DE TRÂNSITO E NEM DE SEUS AGENTES. INOCORRÊNCIA DA INFRAÇÃO DE TRÂNSITO PREVISTA NO ART. 195 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. TIPICIDADE DA CONDUTA. DESOBEDIÊNCIA E FUGA. SUPOSTO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUTODEFESA E DE NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO. DIREITOS NÃO ABSOLUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO PARA A PRÁTICA DE DELITOS. AUSÊNCIA DE DOLO. REEXAME DA MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. COMPENSAÇÃO DA REINCIDÊNCIA COM ATENUANTE DA CONFISSÃO NO CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

[...]

II - Segundo jurisprudência deste Tribunal Superior, a desobediência de ordem de parada dada pela autoridade de trânsito ou por seus agentes, ou mesmo por policiais ou outros agentes públicos no exercício de atividades relacionadas ao trânsito, não constitui crime de desobediência, pois há previsão de sanção administrativa específica no art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro, o qual não estabelece a possibilidade de cumulação de sanção penal. Assim, em razão dos princípios da subsidiariedade do Direito Penal e da intervenção mínima, inviável a responsabilização da...

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