Acórdão Nº 0000162-90.2017.8.24.0216 do Quarta Câmara Criminal, 27-02-2020

Número do processo0000162-90.2017.8.24.0216
Data27 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemCampo Belo do Sul
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0000162-90.2017.8.24.0216, de Campo Belo do Sul

Relator: Desembargador Zanini Fornerolli

APELAÇÃO CRIMINAL - PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 14 DA LEI N. 10.826/03) - SENTENÇA CONDENATÓRIA - RECURSO DA DEFESA.

PLEITO ABSOLUTÓRIO - ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA POR AUSÊNCIA DE DOLO - IRRELEVÂNCIA - RÉU FLAGRADO PORTANDO O ARMAMENTO E NÃO NA SIMPLES POSSE DO ARTEFATO - CRIME DE PERIGO ABSTRATO E MERA CONDUTA - RATIO ESSENDI DA NORMA INCRIMINADORA QUE OBJETIVA A INCOLUMIDADE PÚBLICA POR MEIO DO CONTROLE DE ARMAS E ACESSÓRIOS E QUE INVARIAVELMENTE VEM A SER LESADA COM A CONDUTA, POR SI SÓ, DE PORTAR ILEGALMENTE ARMAMENTO E ACESSÓRIOS À MARGEM DAS PRESCRIÇÕES LEGAIS - CONDENAÇÃO MANTIDA.

I - A teor do disposto no art. 5º da Lei n. 10.826/03, o certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa, de modo que, sendo flagrado portando o artefato em sua pessoa e fora desses locais, incide o acusado na conduta prevista no art. 14 da Lei de Armas.

II - O crime previsto no art. 14 da Lei n. 10.826/2003 é de mera conduta delito e de perigo abstrato, visando garantir a segurança da coletividade e proteger bens jurídicos fundamentais: vida, patrimônio, integridade física, segurança e paz públicas, já ofendidos pelo próprio porte dos objetos.

ALEGADO ERRO SOBRE A ILICITUDE DO FATO E CONSEQUENTE ISENÇÃO DE PENA - PLEITO SUBSIDIÁRIO DE REDUÇÃO DA PENA ANTE ERRO ESCUSÁVEL - INVIABILIDADE - DESCONHECIMENTO DA LEI INESCUSÁVEL, ALÉM DE IMPROVÁVEL - CERTIFICADO DE PORTE VENCIDO - CIRCUNSTÂNCIAS QUE INDICAM QUE O RÉU TINHA PLENA CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE DO FATO - EVENTUAL EQUÍVOCO A RESPEITO DAS ELEMENTARES DO DELITO NÃO DEMONSTRADO - ESTATUTO DO DESARMAMENTO VASTAMENTE DIVULGADO - REALIZAÇÃO DE REFERENDO POPULAR COM VOTO OBRIGATÓRIO AOS ELEITORES - TESE AFASTADA.

A alegação de desconhecimento da lei não pode servir de desculpa para a prática de crimes, maxime em delitos dessa natureza (porte irregular de arma de fogo sem o devido registro), onde o Estatuto do Desarmamento foi vastamente divulgado, inclusive com referendo popular com voto obrigatório a todos os eleitores em 2005 - fato que desconstitui qualquer alegação no sentido de ignorância acerca da necessidade de registro e regulamentação da posse das espingardas.

PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DA ARMA APREENDIDA - NÃO ACOLHIMENTO - SENTENÇA CONDENATÓRIA POR CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO QUE TEM O PERDIMENTO COMO EFEITO DA CONDENAÇÃO (CP, ART. 91, II, "A") - PREVISÃO NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO (LEI 10.826/03, ART. 25).

O perdimento da pistola apreendida em contexto de porte ilegal de arma de fogo, mesmo que comprovada sua propriedade, constitui efeito da condenação e decorre de expressa previsão legal contida no estatuto do desarmamento (CP, art. 91, II, "a"; e Lei 10.826/03, art. 25).

RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000162-90.2017.8.24.0216, da comarca de Campo Belo do Sul Vara Única em que é/são Apelante(s) Rodrigo Assis Vargas Vieira e Apelado(s) Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Alexandre D'Ivanenko, presidente com voto, e o Exmo. Des. Sidney Eloy Dalabrida.

Florianópolis, 27 de fevereiro de 2020.

Desembargador ZANINI FORNEROLLI

Relator


RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta por Rodrigo Assis Vargas Vieira, agricultor, nascido em 27.02.1977, por meio de seu procurador constituído, contra sentença proferida pela Juíza de Direito Flávia Carneiro de Paris, atuante na Vara Única da Comarca de Campo Belo do Sul/SC, que o condenou ao cumprimento da pena de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, bem como ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, por infração ao art. 14, caput, da Lei n. 10.826/03.

Em suas razões recursais, sustenta a necessidade de reforma da sentença. Desse modo, pugna pela (i) absolvição, tendo em vista a ausência de tipicidade, considerando que não houve dolo, pois agira estritamente por legítima defesa diante de iminente agressão, aplicando-se o princípio in dubio pro reo; (ii) pelo reconhecimento de erro sobre a ilicitude do fato e a consequente isenção da pena do art. 21 do Código Penal; (iii) subsidiariamente, arrazoa-se pela redução da pena em 1/3 (um terço) ante o reconhecimento de erro escusável; (iv) além disso, pleiteia-se pela restituição da arma apreendida.

Em contrarrazões, o Ministério Público requer a manutenção da sentença.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Paulo Roberto Speck, manifestando-se pela conservação do pronunciamento.

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de apelação criminal interposta por Rodrigo Assis Vargas Vieira, agricultor, nascido em 27.02.1977, por meio de seu procurador constituído, contra sentença proferida pela Juíza de Direito Flávia Carneiro de Paris, atuante na Vara Única da Comarca de Campo Belo do Sul/SC, que o condenou ao cumprimento da pena de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, bem como ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, por infração ao art. 14, caput, da Lei n. 10.826/03.

Segundo narra a peça acusatória, em relação ao Fato 01, no dia 06 de abril de 2017, por volta das 13h30, em Santa Luzia, interior do Município de Cerro Negro/SC, o denunciado portava 01 (uma) pistola da marca Taurus, calibre 765, número de série KSJ1255, com carregador, e 15 munições intactas, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, encontradas por policiais militares ao realizarem busca pessoal no denunciado.

Referente ao Fato 02, na mesma data, horário e local, os policiais militares, ao realizarem busca na residência do denunciado, encontraram 01 (um) revólver, da marca Smith & Wesson, calibre 38, número de série 190903, além de 10 (dez) munições intactas, calibre 38, mais 05 (cinco) munições intactas, calibre 12, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Por assim agir, Rodrigo Assis Vargas Vieira foi denunciado por infringir aos dispositivos dos arts. 12 e 14, ambos da Lei n. 10.826/2003.

Recebida a peça acusatória, o feito foi regularmente processado e prolatada a sentença ora atacada. Em suas razões recursais, a defesa sustenta a necessidade de reforma da sentença. Para tanto, requer a (i) absolvição, tendo em vista a ausência de tipicidade, considerando que não houve dolo, pois agira estritamente por legítima defesa diante de iminente agressão, aplicando-se o princípio in dubio pro reo; (ii) o reconhecimento de erro sobre a...

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