Acórdão Nº 0000166-16.2017.8.24.0059 do Segunda Câmara Criminal, 27-09-2022

Número do processo0000166-16.2017.8.24.0059
Data27 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0000166-16.2017.8.24.0059/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

APELANTE: ANDRE LUIZ SILVEIRA ARGERICH (ACUSADO) ADVOGADO: ERIAL LOPES DE HERO SILVA (OAB SC021167) ADVOGADO: RODRIGO JUCHEM MACHADO LEAL (OAB SC020705) ADVOGADO: VANESSA VIEIRA LISBOA DE ALMEIDA (OAB SC028360) ADVOGADO: THAYANNE DE CAMPOS (OAB SC028487) ADVOGADO: ALBERTO GARCIA MENDES (OAB SC040186) ADVOGADO: MARIAH MARTINS (OAB SC039723) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de São Carlos, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra André Luiz Silveira Argerich, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 121, §§ 3º e 4º, do Código Penal, nos seguintes termos:

No período compreendido entre o final do mês de abril e o início de maio de 2015, na Sociedade Hospitalar Padre João Berthier, à Rua Osvaldo Cruz n. 56, nesta cidade e Comarca de São Carlos, o denunciado André Luiz Silveira Argerich, na condição de médico cirurgião, com negligência, imprudência e imperícia, causou a morte de Maria Marlene Giongo, tendo o denunciado deixado de observar as regras técnicas da profissão, quando do atendimento àquela paciente.

Na prática delitiva, o médico André Luiz Silveira Argerich atendeu a paciente Maria Marlene Giongo, a qual submetida a procedimento cirúrgico realizado pelo próprio denunciado em 17 de abril/2015.

Apresentando a vítima sintomas como febre, mal estar e anorexia, foi realizado hemograma, em 29 de abril/2015, sendo que o "exame de sangue" demonstrou "sinais infecciosos e evidente piora em relação ao exame realizado em 23/04/2015" - laudo pericial anexo.

As evoluções de enfermagem davam conta de que a paciente apresentava febre, dor moderada em região abdominal e estomacal, palidez, fraqueza e dor no corpo, sendo detectada infecção hospitalar e prescritos antibióticos na mesma data de 29 de abril/2015.

Assim é que, agindo com imprudência e imperícia, vez que conhecedor da infecção de que acometida a vítima, o denunciado não solicitou outros exames para a paciente, limitando-se a prescrever antibióticos e determinando a alta hospitalar da vítima já no período matutino de 1º de maio/2015 - fls. 16 e 20 -, nas condições em que esta se encontrava e com "pouco tempo de antibioticoterapia venosa empregada" (laudo pericial, anexo). Ainda, em conduta negligente, imprudente e imperita, o denunciado não repassou orientações à paciente ou aos familiares desta acerca do real estado de saúde daquela, limitando-se a afirmar que o quadro clínico era normal a pós-operatório.

Assim é que o laudo pericial, anexo, destaca:

[...]

- a catástrofe abdominal encontrada na madrugada de 02/05/2015, muito pouco tempo após a alta hospitalar, com fezes livres na cavidade abdominal, evisceração (abertura da sutura da parede abdominal), perfuração de vesícula biliar, perfuração gástrica e deiscência (queda) de colostomia para a cavidade abdominal.

Isto tudo colocado e baseado nas informações disponíveis, temos que a conduta médica que encontra apoio na boa literatura especializada seria, em relação à internação de 29/04 a 01/05, postergar a alta hospitalar, manter antibioticoterapia endovenosa e prosseguir com a investigação, com, por exemplo, exames de imagem e novos exames laboratoriais.

Com significativa piora do quadro da vítima, Maria Marlene foi removida ao Hospital Regional do Oeste, vindo a óbito no dia seguinte, em 3 de maio de 2015, em decorrência de "abdômen agudo inflamatório/neoplasia de cólon" (fl. 6) (Evento 6).

Concluída a instrução, a Doutora Juíza de Direito julgou procedente a exordial acusatória e condenou André Luiz Silveira Argerich à pena de 2 anos, 7 meses e 3 dias de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de valor equivalente a cem salários mínimos, pelo cometimento do delito previsto no art. 121, §§ 3º e 4º, do Código Penal (Evento 278).

Insatisfeito, André Luiz Silveira Argerich deflagrou recurso de apelação.

Em suas razões recursais, argui a nulidade do feito por "ofensa ao princípio da correlação", porque foi acusado de ter agido com imprudência e imperícia, mas condenado por negligência.

Ainda em preliminar, alega que os familiares da Ofendida não poderiam servir como testemunhas, mas tão somente como informantes, porque há conflito de interesse decorrente do processo civil que movem em busca de indenização por danos morais, de modo que possuem interesse no resultado do feito.

Na questão de fundo, pondera que a Vítima apresentou bom pós-operatório e que os familiares, leigos em medicina, deram depoimentos contrários ao disposto nos registros médicos e de enfermagem.

Alega que a presença de "dores abdominais, fraca, pálida e com pouca comunicação", é natural, e que "não seria de se esperar que uma paciente que passou por uma cirurgia de emergência no abdômen, após dias de constipação onde estava impossibilitada de manter a dieta adequada, debilitada, viesse a se apresentar forte, corada e comunicativa", e que "deixar uma paciente em ambiente hospitalar quando já podia continuar o pós-operatório e tratamento em casa aumentaria a probabilidade de adquirir uma infecção hospitalar".

Assevera que "o quadro de ausência de febre e estabilidade hemodinâmica já refutam a tese de sepse ou infecção hospitalar grave naquele momento, tendo sido diagnosticada com atelectasia de bases pulmonares (falta de expansão dos alvéolos de uma parte do pulmão), o que pode ter contribuído para alguma infecção respiratória atrelada à baixa imunidade".

Pondera que "os sinais vitais e exames realizados na então paciente durante a internação ocorrida a partir do dia 29/04/2015 eram incompatíveis com o suposto quadro de perfuração intestinal, peritonite ou com quadro de infecção generalizada ou sepse", e que "a paciente obteve alta, estando afebril com prescrição de antibiótico ceftriaxona (devido ao quadro respiratório) e indicação de troca diária de curativos".

Aponta que a "ocorrência de deiscência (abertura) de sutura com a extrusão de alça intestinal ocorreu por fatores estranhos aos atos perpetrados", que "a paciente recebeu antibioticoterapia no nosocômio e, após a estabilização de seu quadro, seguiu para sua residência com a prescrição de antibióticos para continuar com tal terapia e não há elementos probatórios mínimos para se afirmar que a paciente estaria com infecção hospitalar".

Pontua que "não há nos autos elementos que possam indicar qual o exame supostamente não realizado [...] antes da alta do dia 1º de maio de 2015 que seria indispensável e capaz de mudar o resultado morte", somente "meras suposições", e que "a própria Certidão de Óbito indica que a causa mortis não foi sepse, mas sim 'abdômen agudo inflamatório, neoplasia de cólon'", de modo que, "ao que tudo indica, a evolução para o quadro de abdômen agudo inflamatório teria se dado já no Hospital Unimed".

Sublinha que "o retorno ao hospital após a alta dada em 1º/04/2015 se deu por conta da evisceração da alça intestinal", sem presença de fezes, e que a Vítima estava naquele momento com sinais vitais estáveis, sem "qualquer indicativo de sepse".

Giza que "há a ausência de provas para afastar a possibilidade de que o resultado morte tenha se dado por conta de complicações advindas das perfurações de múltiplos órgãos", e que, "sem este equacionamento, impossível é a aferição da materialidade e autoria delitiva ou mesmo da existência de um fato típico".

Levanta a ausência de culpa, porque "não há provas de que [...] teria violado o dever de cuidado normal, possuindo nos autos fortes indícios de que houve culpa exclusiva da vítima ou de terceiros", e também a ausência de nexo causal, pois "se poderia aventar as mais variadas hipóteses sobre qual conduta teria sido a determinante para o resultado", mas "não há liame algum entre a conduta esculpida na denúncia como sendo imperita, imprudente e negligente e o desfecho óbito".

Alega que não há provas da autoria delitiva ou, ao menos, todos os demais médicos que atenderam a Vítima deveriam ser também alvo da investigação.

Discorre não haver motivos para o recrudescimento da pena-base.

Sob tais argumentos, requer "a anulação do feito, por inobservância da aplicação do art. 384, caput, do Código de Processo Penal, ante a dicção da Súmula 453 do STF"; a declaração de "parcialidade das testemunhas familiares da de cujus, ante seus interesses no resultado do feito; a sua absolvição; a "mitigação da pena ao seu mínimo legal, com a exclusão de agravantes"; a "suspensão condicional da pena" ou "a substituição da pena privativa de liberdade, em prestação pecuniária" (Evento 293).

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina e o Assistente de Acusação ofereceram contrarrazões recursais pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Eventos 302 e 304).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Pedro Sérgio Steil, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (eproc2G, Evento 20).

VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

1. A preliminar de ofensa ao princípio da correlação não convence.

A peça acusatória (Evento 6) aponta, expressamente, que o Apelante André Luiz Silveira Argerich, "no período compreendido entre o final do mês de abril e o início de maio de 2015, na Associação Hospitalar Padre João Berthier", "na condição de médico cirurgião, com negligência, imprudência e imperícia, causou a morte de Maria Marlene Giongo, tendo o denunciado deixado de observar as regras técnicas da profissão, quando do atendimento àquela paciente".

Na sequência, a peça descreve detalhadamente o fato:

Na prática delitiva, o médico André Luiz Silveira Argerich atendeu a paciente Maria Marlene Giongo, a qual submetida a procedimento cirúrgico realizado pelo próprio denunciado em 17 de abril/2015.

Apresentando a vítima sintomas como febre, mal...

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