Acórdão Nº 0000207-04.2018.8.24.0073 do Quinta Câmara Criminal, 06-02-2020

Número do processo0000207-04.2018.8.24.0073
Data06 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemTimbó
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão

Apelação Criminal n. 0000207-04.2018.8.24.0073, de Timbó

Relator: Des. Luiz Cesar Schweitzer

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO E A FÉ PÚBLICA. FURTO SIMPLES, ESTELIONATO NA MODALIDADE FUNDAMENTAL E FALSA IDENTIDADE (CÓDIGO PENAL, ARTS. 155, CAPUT, 171, CAPUT, E 307). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGIMENTO DA DEFESA.

PRETENSA ABSOLVIÇÃO QUANTO AO INJUSTO POR PRIMEIRO MENCIONADO. COGITADA ATIPICIDADE DA CONDUTA ANTE A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DESCABIMENTO. VALOR IRRISÓRIO NÃO EVIDENCIADO. RÉ REINCIDENTE. EXPRESSIVO GRAU DE REPROVABILIDADE DO PROCEDER. REQUISITOS AUTORIZADORES NÃO CONFIGURADOS.

ALEGAÇÃO DE CONDUTA FORMALMENTE ATÍPICA COM RELAÇÃO AO DELITO DESCRITO NO ART. 307 DO DIGESTO REPRESSIVO. IMPERTINÊNCIA. DIREITO DE AUTODEFESA QUE NÃO ABARCA A POSSIBILIDADE DE FORNECER IDENTIFICAÇÃO FALSA À AUTORIDADE POLICIAL. LIMITAÇÃO AO PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO VERBETE SUMULAR 522 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

DOSIMETRIA DA PENA. SEGUNDA ETAPA. PLEITO DE PREPONDERÂNCIA DA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA SOBRE A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. INVIABILIDADE. MÚLTIPLAS CONDENAÇÕES PRETÉRITAS POR DELITOS PATRIMONIAIS. SOBREPOSIÇÃO DA REITERAÇÃO CRIMINOSA NA ESPÉCIE, EMBORA TENHA O TOGADO A QUO OPERADO A COMPENSAÇÃO INTEGRAL. AUSÊNCIA DE CORREÇÃO A SER FEITA NO PONTO, EM OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS. INTELECÇÃO DO ART. 67 DA NORMA SUBSTANTIVA PENAL.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSORA NOMEADA. ATUAÇÃO EM TODOS OS ATOS PROCESSUAIS, INCLUSIVE NESTE GRAU DE JURISDIÇÃO. MAJORAÇÃO DE ACORDO COM O ART. 85, §§ 2º, 8º E 11, DA LEI ADJETIVA CIVIL, APLICÁVEL POR FORÇA DO ART. 3º DO CÓDEX INSTRUMENTAL.

PRONUNCIAMENTO MANTIDO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000207-04.2018.8.24.0073, da comarca de Timbó (Vara Criminal), em que é apelante Cintia Guapiano Correa e apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, bem assim majorar em R$ 270,00 a remuneração devida à defensora dativa nomeada à apelante. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 6 de fevereiro de 2020, os Exmos. Srs. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza e Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer.

Representou o Ministério Público o Exmo. Sr. Procurador de Justiça Ernani Dutra.

Florianópolis, 7 de fevereiro de 2020.




Luiz Cesar Schweitzer

Presidente e RELATOR


RELATÓRIO

O representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com atuação perante o Juízo de Direito da Vara Criminal da comarca de Timbó ofereceu denúncia em face de Cintia Guapiano Correa, dando-a como incursa nas sanções dos arts. 171, caput, 155, caput, e 307, todos do Código Penal, pela prática dos fatos delituosos assim narrados:

Consta no incluso caderno indiciário, que no dia 02 de fevereiro de 2018, por volta das 16h15mim, a denunciada Cintia Guapiano Correa, desejando obter para si uma bolsa da marca Nike, identificou-se no estabelecimento comercial denominado "Lojas Hardt", localizado na Avenida Getúlio Vargas, n° 334, centro desta cidade, como sendo Sandra Regina Becker, fornecendo os dados desta pessoa e assinando como se tal fosse, induzindo em erro à funcionária da loja ao conceder crédito para compra, à prazo, da mencionada bolsa.

Ato contínuo, já tendo adquirido a bolsa através do cometimento do crime de estelionato, a denunciada, com a clara intenção de dilapidar o patrimônio alheio, adentrou no estabelecimento comercial denominado "Loja Cosméticos e Cia", localizada na Avenida Getúlio Vargas, n° 405, centro desta cidade, de onde subtraiu para si quatro alicates para cutículas, evadindo-se do local na posse mansa e pacifica dos bens por ela subtraídos.

Por fim, ao ser abordada pela Polícia Militar com os produtos do furto, visando causar dano a outrem e obter vantagem pessoal, identificou-se pelo nome de Lucimar Oliveira, tendo sido constatado posteriormente tratar-se na realidade de Cintia Guapiano Correa, a qual possuía em seu desfavor Mandado de Prisão Ativo oriundo da Comarca de Itajaí/SC (sic, fls. 1-2).

Encerrada a instrução, o Magistrado a quo julgou procedente o pedido formulado na inicial acusatória para condená-la às penas de dois anos e quatro meses de reclusão e três meses e quinze dias de detenção, a serem resgatadas em regime inicialmente semiaberto, e pagamento de trinta e três dias-multa, individualmente arbitrados à razão de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao preceito dos arts. 155, caput, 171, caput, e 307, todos do Código Penal.

Inconformada, interpôs a ré recurso de apelação, por meio do qual almeja a absolvição dos delitos de furto e falsa identidade, alegando para tanto que aquele não se reveste de tipicidade material, devendo incidir o princípio da insignificância na espécie, e que não houve dolo de cometer este, porquanto agiu com o único propósito de obter vantagem processual.

No âmbito da dosimetria da pena, requer, no estágio intermediário, a aplicação preponderante da circunstância atenuante da confissão espontânea em relação à agravante da reincidência.

Clama, por fim, pela fixação da verba honorária devida à causídica nomeada para exercer sua defesa, ante a apresentação das correlatas razões recursais.

Em suas contrarrazões, o Promotor de Justiça oficiante pugna pela preservação da decisão vergastada.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça Jorge Orofino da Luz Fontes, opinou pelo parcial conhecimento e desprovimento do reclamo.

É o relatório.

VOTO

Presentes os respectivos pressupostos de admissibilidade, conhece-se da irresignação e passa-se à análise do seu objeto.

Nada obstante as ponderações constantes das razões recursais, o pleito absolutório pela aplicação do primado da insignificância ao crime de furto não merece prosperar.

Cediço que tal princípio, também conhecido como da bagatela, quando aplicado, exclui ou afasta a tipicidade do proceder de modo a restringir a incidência da lei penal.

O doutrinador Fernando Capez ensina:

Segundo tal princípio, o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico.

A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido.

Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá adequação típica. É que no tipo não estão descritas condutas incapazes de ofender o bem tutelado, razão pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos.

[...]

Tal princípio deverá ser verificado em cada caso concreto, de acordo com as suas especificidades. [...] (Curso de direito penal, parte geral: (arts. 1º a 120). 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, v. I, p. 27-28).

Conforme assentado pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do Habeas Corpus 110.948/MG, da relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, levado a efeito em 26-6-2012, na aferição do relevo material da tipicidade penal, notadamente nos crimes contra o patrimônio, torna-se indispensável a presença de vetores para se legitimar a descaracterização do crime por conta da máxima insignificância, tais como a mínima ofensividade da atuação do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Portanto, faltantes quaisquer desses elementos, não há falar em atipicidade da conduta.

Na espécie, o objeto material do crime de furto constitui-se em quatro alicates (fls. 33), avaliados em R$ 159,96 (fls. 61), montante que evidentemente representa valor superior a 10% do salário mínimo vigente à época do fato, o qual totalizava R$ 954,00.

Assim, o decréscimo patrimonial proporcionado pela subtração obsta a incidência da excludente, na vertente que trata da expressividade da lesão jurídica.

Mudando o que é de ser mudado, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. FURTO SIMPLES. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA EM PRIMEIRO GRAU. APELAÇÃO PROVIDA PARA DETERMINAR SEGUIMENTO AO FEITO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. EXPRESSIVIDADE DA LESÃO PATRIMONIAL. VALOR DOS BENS SUBTRAÍDOS QUE ULTRAPASSA 10% DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. DEVOLUÇÃO DOS BENS SUBTRAÍDOS. IRRELEVÂNCIA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. ORDEM DENEGADA.

[...]

2. No caso em análise, o furto foi praticado no dia 18 de julho de 2014 (fl. 9), quando o salário mínimo estava fixado em R$ 724,00 (setecentos e vinte e quatro reais). Nesse contexto, seguindo a orientação jurisprudencial desta Corte, a res furtiva avaliada em R$ 95,00 (noventa e cinco reais), não pode ser considerada de valor ínfimo, por superar 10% do salário mínimo vigente à época dos fatos. [...] (HC 351.176/SP, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 2-2-2017).

Não bastasse, extrai-se das certidões de antecedentes criminais acostadas a fls. 40-51 que a ré é multirreincidente em crimes patrimoniais, circunstância que demonstra a sua habitualidade delitiva e descaso com os comandos da lei.

A respeito, extrai-se do escólio de Cleber Masson:

[...] É vedada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT