Acórdão Nº 0000233-16.2016.8.24.0091 do Quinta Câmara Criminal, 03-02-2022

Número do processo0000233-16.2016.8.24.0091
Data03 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0000233-16.2016.8.24.0091/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

APELANTE: MANFRED HENRIQUE RAUSCH (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em desfavor de Giovane José Giacomini, Manfred Henrique Rausch e Alternir Vicentin, imputando-lhes a prática do crime previsto no art. 206, § 1º, por duas vezes, na forma do art. 79, ambos do Código Penal Militar, conforme o seguinte fato narrado na inicial acusatória (doc. 129 da ação penal):

No dia 14 de julho de 2015, por volta das 20 horas e 58 minutos, no KM 128 da BR 470, bairro Salto Pilão, na cidade de Lontras, a guarnição de serviço da 3ªCia/5ºBBM, composta pelos denunciados e pelo Bombeiro Comunitário Rodrigo Magnani, foi acionada para atendimento de uma ocorrência de incêndio no silo da empresa Abrilar.

Segundo apurado, os denunciados chegaram ao local dos fatos e iniciaram o combate ao incêndio, que perdurou por 1 hora e 23 minutos. Ato contínuo, realizaram a abertura de 2 das 4 escotilhas do silo e, ao verificarem que não existiam riscos, deixaram o local aos cuidados do proprietário da empresa e da técnica de segurança, para que fossem tomadas as providências para a limpeza do silo.

Ocorre que, ao realizar a abertura da última escotilha do silo para limpeza, as vítimas Bruno Gabriel Pereira e Orlando Mellies, em decorrência do fenômeno backdraft1 [ignição explosiva] tiveram o seu corpo atingido por uma explosão, ambos vindo a falecer nos dias 15 de julho de 2015 e 1º de agosto de 2015, respectivamente, em razão das queimaduras produzidas na ocasião [conforme Laudos Periciais de p. 52 e 58/59].

Dessa forma, os denunciados agiram com culpa, na modalidade negligência2 , deixando de empregar cautela, atenção e diligência ordinária a que estavam obrigados, em virtude de terem se retirado do local sem que todas as escotilhas estivessem abertas, permitindo o acesso das vítimas à zona quente de ocorrência, quando podiam e deviam agir de maneira diferente.

Apurou-se que os denunciados negligenciaram o gerenciamento dos riscos quando do atendimento da ocorrência de incêndio em silo, deixando de afastar funcionários da empresa do local de risco, bem como deixando de realizar corretamente o trabalho de rescaldo do incêndio, proporcionando que após a saída da guarnição do local do incêndio viesse ele a sofrer reignição em razão da atuação dos funcionários ocasionar explosão do pó (serragem)

Consta, ainda, que o resultado da conduta dos denunciados resultou da não observância de regra técnica de profissão, pois eram dotados de habilidade e preparo para o desempenho da atividade profissional de bombeiro militar, mas na ocasião não as observaram.

Recebida a denúncia (doc. 130 da ação penal) e encerrada a instrução processual, sobreveio sentença de parcial procedência, cuja parte dispositiva restou assim ementada (doc. 389 da ação penal):

Ante o exposto, JULGA-SE parcialmente procedente a denúncia para:

a) condenar o acusado MANFRED HENRIQUE RAUSCH à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de detenção, pela prática do crime previsto no art. 206 do CPM.

Fica estabelecido o regime inicial aberto para o cumprimento das penas impostas, nos termos do art. 33, § 2°, alínea c, do Código Penal.

Presentes os requisitos do art. 606 do Código de Processo Penal Militar, concede-se ao apenado o benefício do sursis, pelo prazo de 2 (dois) anos, devendo as condições serem impostas em audiência admonitória.

b) absolver os acusados GIOVANE JOSE GIACOMINI e ALTENIR VICENTIN, da prática do crime previsto no art. 206 do CPM, à luz do art. 38, 'b', do Código Penal Militar.

Concede-se aos acusados o direito de recorrer em liberdade.

Sem condenação em custas processuais em face da previsão legal, nos termos do art. 712 do Código de Processo Penal Militar.

[...]

Irresignado com a prestação jurisdicional, o acusado Manfred interpôs recurso de apelação (doc. 390 da ação penal).

Em suas razões (doc. 397 da ação penal), requereu absolvição alegando inexistência de provas, tendo asseverado que "não incorreu em qualquer conduta que caracterize o crime de homicídio culposo na modalidade negligência (artigo 206 do Código Penal Militar)" (fl. 4).

Sustentou que "não há qualquer responsabilidade do Apelante no resultado naturalístico que vitimou, infelizmente, dois colaboradores da empresa Abrilar" (fls. 5-6).

Declarou que "não houve inobservância do dever de cuidado a que era obrigado o Apelante na ocasião - ocasião esta que foi demasiada sui generis, tanto por força do local ermo, que demanda especificidade de conhecimento técnico próprio ao seu manejo (o que é de extrema importância e será objeto único de análise), também por ter sido o incêndio efetivamente contido pelos Denunciados com fulcro em todos os procedimentos cabíveis no caso" (fl. 6).

Enfatizou que as obrigações que lhe incumbiam "foram integralmente cumpridas uma vez que adotados todos os procedimentos do CBMSC para atuação em combate a incêndio" (fl. 11).

Afirmou que "não há que se falar em irregularidade no atendimento da ocorrência ou em 'adoção de todas as providências necessárias ao fim do incêndio', conforme indicou o ilustre magistrado na sentença condenatória, pois, o incêndio foi, de fato, completamente extinto, posto que, quando atingida a fase do rescaldo (alagamento da área) o fogo" (fls. 11-12).

Consignou que "não há irregularidade no procedimento de abertura de três das quatro escotilhas daquele silo, escolha esta que, apesar de discricionária, não interfere na avaliação dos riscos na segurança daquela unidade, eis que a área inundada foi apenas uma - e não quatro -, com quatro comportas, bem como pela característica do material incandescente, que, como indicou o técnico Cel. Biluk: 'Não tem protocolo nenhum Doutor nessa parte assim de 'ah, vou abrir quatro, cinco, dez', quando eu faço rescaldo, digamos que tenha uma edificação com incêndio completo, então na hora de fazer essa avaliação pode ter uma reignição, às vezes a guarnição sai e você tem uma reignição posterior'" (fl. 12).

Ademais, asseverou que "Apenas com o fito de complementar a lógica do que já permeava o sistema normativo interno do CBMSC, uma vez que a IN 034/DAT/CBMSC é a única diretriz que trata das especificidades de ocorrências em silos, bem como por ter sido essa, diferente daquela redigida posteriormente ao caso, cumpre-nos indicar que há normativa pertinente à compartimentação, tempo de resistência ao fogo e isolamento de risco (IN 014/DAT/CBMSC2), que indica ser o dimensionamento do isolamento de risco incumbência do responsável técnico" (fls. 13-14).

Outrossim, aduziu que "há normativa específica, vigente à época dos fatos que se aplica precisamente ao caso concreto, eis que, cumpridas as obrigações de combate ao incêndio por parte do corpo de bombeiros, cabia ao pessoal da empresa, dada a situação de emergência e necessidade de acompanhamento adjacente do local dos fatos até a chegada da perícia no dia seguinte, avaliar os riscos ali existentes ao manejo da área por seus funcionários e proceder ao isolamento e preservação do local, nos termos da Instrução Normativa n. 028 (IN 028/DAT/CBMSC4)" (fls. 14-15).

Ainda, sustentou que "não há que se falar em conduta negligente do Comandante da guarnição e Réu Manfred, eis que tomou todas as medidas pertinentes dentro do protocolo de atendimento a essa espécie de ocorrência e manteve a guarnição no local de combate até estar o incêndio superado e ter o sinal de dispensa do proprietário da empresa Bertino Schilickmann Filho, acompanhado da responsável técnica Júlia Moraes Back Cavilia" (fl. 16).

Além disso, alegou que "cabia à técnica de segurança, conforme Normas de Segurança Contra Incêndios: IN 028/DAT/CBMSC, 2014, os cuidados com os colaboradores da empresa, a quem incumbia: (1) fornecer os EPI's necessários a cada colaborador para execução segura do trabalho de forma a protegê-los dos riscos específicos à atividade7; (2) conceber, dimensionar e executar o sistema de supressão e explosão de pó 8; (3) avaliar os riscos existentes9; e, sobretudo, (4) isolar e preservar o local para os serviços de perícia10" (fl. 18).

Também, enfatizou que "Da cuidadosa análise aos documentos, atentos à data dos fatos - a saber, dia 14 de julho de 2015 - tem-se que a situação irregular da empresa quanto à relação de brigadistas e brigada foi crucial para o desfecho dos fatos. Isso pois, na avaliação realizada logo após o incidente, foram constatadas irregularidades quanto à Brigada de Incêndio - que não atendia a Instrução Normativa 028/DAT/CBMSC - justificantes do Indeferimento de Vistoria de Funcionamento; a empresa regularizou a situação apenas 15 de dezembro de 2015, onze meses após o determinado, conforme atestado. Em vistoria posterior, realizada em dezembro de 2016, novas irregularidades foram constatadas, sendo indeferido novamente o funcionamento e regularizando-se em fevereiro de 2017" (fl. 21).

No mais, asseverou que "Embora a sentença aponte que o Recorrente Manfred foi negligente em não evitar reignição do incêndio, as mencionadas provas dão conta exatamente da realidade oposta eis que se percebe nitidamente: se houve conduta culposa na modalidade de negligência ou inobservância de regra técnica com nexo causal determinante ao resultado naturalístico morte de Orlando Mellies e Bruno Gabriel Pereira, tais omissões não partiram do CBMSC, que, ao contrário, cumpriu com seu dever de prestação de serviço àquela comunidade, mas sim da empresa, que não assistiu os seus funcionários da maneira exigida e minimamente coerente, negligenciando a vida em detrimento da celeridade na operação industrial rotineira" (fl. 22).

De maneira subsidiária, no que tange à dosimetria da pena, almejou: a) na segunda fase, o afastamento da agravante do § 1º do art. 206 do Código Penal Militar, pois não há "que se falar em displicência no atendimento da...

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