Acórdão Nº 0000250-90.2018.8.24.0282 do Quinta Câmara Criminal, 29-10-2020

Número do processo0000250-90.2018.8.24.0282
Data29 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0000250-90.2018.8.24.0282/SC



RELATORA: Desembargadora CÍNTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFFER


APELANTE: JADIR SERAFIM LESSA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofertou denúncia em face de Jadir Serafim Lessa, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 155, §4°, I, do Código Penal, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (evento 22 da ação penal):
No mês de março de 2017, em data e horário incertos, a serem esclarecidos durante a instrução processual, na residência particular localizada na Estrada Geral da Garganta, próximo ao viaduto da BR 101, Garganta, Município de Sangão/SC, o denunciado JADIR SERAFIM LESSA, movido pelo animus furandi e com firme desiderato de se assenhorar do patrimônio alheio, mediante rompimento de obstáculo, consistente no arrombamento da porta e janelas da residência, subtraiu, para si, coisas alheias móveis de propriedade da vítima Jairo Machado Coelho, consistentes em 02 (duas) janelas de itaúba; 01 (um) sofá; 01 (um) carro de boi; 01 (um) rodado de carro de boi; 02 (duas) cristaleiras de canela preta; 01 (um) balcão, de madeira antiga, com pia; 01 (uma) mesa de cozinha de madeira nobre; 01 (um) banco de madeira nobre; 01 (um) balaio; 01 (um) chapéu; 02 (duas) cadeiras; 01 (um) torrador de ferro; 01 (um) cocho; 01 (uma) balança; 01 (um) pilão, com socador; 01 (uma) chapa de fogão a lenha, com as bocas; 01 (um) facão; bens estes avaliados em R$ 7.530,00 (sete mil quinhentos e trinta reais), conforme Auto de Avaliação Indireta de fl. 14; Termo de Apreensão de fl. 9; Termo de Reconhecimento e Entrega de fl. 10 e Perícia Indireta de fls. 22-25; foram subtraídos, também, 1 (uma) escada telescópica; 2 (duas) cadeiras antigas; 1 (um) facão e 1 (um) machado, os quais não foram recuperados.
A denúncia foi recebida (evento 25 da ação penal), o réu foi citado (evento 28 da ação penal) e apresentou defesa (evento 31 da ação penal).
A defesa foi recebida e, não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (evento 36 da ação penal).
Na instrução foram inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação, bem como o réu foi interrogado (evento 54 da ação penal).
Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais orais, sobreveio a sentença (evento 54 da ação penal) com o seguinte dispositivo:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia para dar ao acusado JADIR SERAFIM LESSA, já qualificado, como incurso nas sanções do art. 155, §4, I, do Código Penal e, em consequência,CONDENÁ-LO às penas de cumprimento de 02 (dois) ano de reclusão, em regime inicialmente aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Inconformado o réu interpôs recurso de apelação (evento 57 da ação penal). Em suas razões (evento 62 da ação penal) pugna por absolvição, sob argumento de que as provas produzidas no inquérito policial não foram confirmadas em juízo. Deste modo, pela aplicação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo deve ser absolvido. De modo subsidiário, busca o afastamento da causa de aumento de pena e, por fim, a fixação dos honorários ao defensor.
Apresentadas as contrarrazões (evento 69 da ação penal), os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Marcílio de Novaes Costa, manifestando-se pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, ,reformando-se a sentença para efeito exclusivo de arbitramento de honorários recursais ao defensor, mantendo-se incólumes os demais termos da condenação (evento 13)

VOTO


Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
Como sumariado, trata-se de recurso de apelação criminal interposto pelo réu Jadir Serafim Lessa, o qual busca a reforma da sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara da comarca de Jaquaruna que condenou-o ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 2 (dois) ano de reclusão, em regime inicialmente aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao art. 155, §4, I, do Código Penal.
O apelante sustenta que as provas produzidas no inquérito policial não foram confirmadas em juízo. Deste modo, pela aplicação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo deve ser absolvido.
Adianto, razão não lhe assiste.
A materialidade delitiva está estampada no inquérito policial n. 201.17.00028 (evento 2, inq1, da ação penal), no boletim de ocorrência n. 00201-2017-0000217 (evento 3, regop3-4, da ação penal), no termo de apreensão (evento 7, apreensao9, da ação penal), no termo de reconhecimento e entrega (evento 8, termo10, da ação penal), no auto de avaliação indireta (evento 11, auto14, da ação penal), no levantamento fotográfico e conclusão (evento 15, anexo 22-25, da ação penal), bem como pela prova oral colhida em ambas as etapas procedimentais.
A autoria, embora negada pelo apelante, também está demonstrada no acervo probatório colhido no presente caderno processual.
De se registrar, de início, que no direito processual penal brasileiro vive o princípio da persuasão racional, também chamado de convencimento racional, livre convencimento motivado, apreciação fundamentada ou prova fundamentada.
Tanto é assim que o art. 155 do Código de Processo Penal prevê que "o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas".
A regra processual, no entanto, não exclui a utilização dos elementos de prova colhidos na etapa extrajudicial, apenas veda fundamentação da decisão com base exclusiva naqueles indícios.
Tanto é assim que o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou acerca da possibilidade da utilização das provas extraídas na etapa administrativa na prolação da sentença, in verbis:
[...] TESE DE CONDENAÇÃO BASEADA APENAS EM PROVAS PRODUZIDAS NA FASE INQUISITORIAL. NÃO OCORRÊNCIA. [...] 3. O art. 155 do Código de Processo Penal preconiza estar vedada a condenação do réu fundada exclusivamente em elementos de informação colhidos durante o inquérito e não submetidos ao crivo do contraditório e da ampla defesa, ressalvadas as provas cautelares e não repetíveis. Entretanto, segundo reiterada jurisprudência desta Corte, em atendimento ao princípio da livre persuasão motivada, tais provas, desde que corroboradas por elementos de convicção produzidos na fase judicial, podem ser valoradas na formação do juízo condenatório, como ocorreu no caso concreto. [...] (AgRg nos EDcl no REsp 1537863/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 27/08/2019, DJe 02/09/2019).
[...] CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE EM PROVAS PRODUZIDAS NA FASE INQUISITORIAL. ÉDITO REPRESSIVO QUE EXPRESSAMENTE FAZ MENÇÃO AOS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO COLHIDOS JUDICIALMENTE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO DISPOSTO NO ARTIGO 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 156 DO CPP. INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES A AMPARAR A CONDENAÇÃO. 1. É entendimento consolidado nesta Corte Superior que a condenação pode ser fundamentada em elementos colhidos no inquérito, desde que submetidos ao crivo do contraditório. 2. No caso dos autos, não havendo o Togado sentenciante e a Corte Estadual se fundado apenas em elementos de convicção reunidos no inquérito para motivar a condenação, não há que se falar em utilização de prova não sujeita ao crivo do contraditório e, pois, em violação ao art. 155 do CPP. 3. Inexiste inversão do ônus da prova quando a acusação produz arcabouço probatório suficiente à formação da certeza necessária ao juízo condenatório. [...] 5. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 381.524/CE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 25/04/2018).
[...] INEXISTÊNCIA DE CONDENAÇÃO LASTREADA EXCLUSIVAMENTE EM PROVA INQUISITORIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284 DO STF. ABSOLVIÇÃO. [...] AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O art. 155 do CPP veda a condenação lastreada exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial. O agravante não expôs como o acórdão recorrido - fundado em provas produzidas sob o crivo do contraditório - teria contrariado o dispositivo legal em apreço, o que atrai a incidência da Súmula n. 284 do STF. [...] (AgRg no AREsp 809.958/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe 04/12/2017).
Considerando, pois, que a condenação foi baseada nas declarações colhidas sob o crivo do contraditório de suas testemunhas (evento 54 da ação penal), as quais corroboraram os indícios colhidos na fase do inquérito, não há o que se falar em ofensa ao art. 155 do Código de Processo Penal.
Conforme depoimento da vítima Jairo Machado Coelho colhido na fase administrativa ela reside em Palhoça e possui residência da cidade de Sangão e ao chegar neste local no dia 31/03/2017 encontrou a casa arrombada e de seu interior vários pertences foram subtraídos, por ele avaliados em cerca de R$ 10.000,00 (dez mil reais), sem contar o valor sentimental dos objetos que são herança de seus pais e hoje em dia não são mais encontrados. Declarou que antes de chegar na Delegacia para registrar ocorrência passou numa loja de móveis rústicos e nela encontrou um de seus armários. Efetuada a comunicação do crime à autoridade policial acompanhou o policial civil Luciano à loja mencionada e lá conversaram com o proprietário, o qual indicou ter comprado o bem por R$ 100,00 (cem reais) de um homem conhecido pelo apelido de "Banana". Se dirigiram, então, ao endereço deste "Banana" e lá encontraram os...

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