Acórdão Nº 0000288-59.2015.8.24.0007 do Primeira Câmara Criminal, 13-02-2020

Número do processo0000288-59.2015.8.24.0007
Data13 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemBiguaçu
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apelação Criminal n. 0000288-59.2015.8.24.0007, de Biguaçu


Apelação Criminal n. 0000288-59.2015.8.24.0007, de Biguaçu

Relator: Des. Carlos Alberto Civinski

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA. INCÊNDIO MAJORADO (ART. 250, § 1º, II, "A", DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

PEDIDO DE CONCESSÃO DE JUSTIÇA GRATUITA. NÃO ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS IDÔNEOS A EVIDENCIAR A HIPOSSUFICIÊNCIA DO AGENTE. DEFENSOR CONSTITUÍDO.

- Presente nos autos elementos a afastar a presunção legal de hipossuficiência econômica estabelecida em favor do réu, a ausência de prova da condição econômica autoriza o indeferimento do benefício pleiteado.

MÉRITO. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA NÃO IMPUGNADAS. DISCUSSÃO ACERCA DO DOLO. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL, DEPOIMENTOS DOS AGENTES PÚBLICOS E LAUDO PERICIAL CONVERGENTES. TESES DEFENSIVAS DESTOANTES DO CONJUNTO PROBATÓRIO. DOLO EVIDENCIADO. SENTENÇA MANTIDA.

- O agente que coloca fogo na residência do ex-cônjuge, valendo-se de álcool etílico como combustível, e expõe a incolumidade pública à risco - notadamente as residências vizinhas - , comete o crime de incêndio majorado (art. 250, § 1º, II, "a", do Código Penal).

- Não há falar em incêndio culposo se o laudo pericial conclui pela hipótese de causa criminosa pelo uso de combustível, o que é corroborado pelo encontro de duas garrafas vazias de álcool etílico no local, bem como pelos depoimentos dos policiais militares que atenderam a ocorrência e, sobretudo, pela confissão extrajudicial.

- Recurso conhecido e desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000288-59.2015.8.24.0007, da comarca de Biguaçu (Vara Criminal), em que é apelante Mariceia Machado, e apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Desembargadores Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva e Hildemar Meneguzzi de Carvalho.

Florianópolis, 13 de fevereiro de 2020.

Assinado digitalmente

Carlos Alberto Civinski

PRESIDENTE E relator

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Mariceia Machado, dando-a como incursa nas sanções do art. 250, § 1º, II, "a", do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:

No dia 12 de fevereiro de 2015, por volta das 17h10min, a denunciada MARICEIA MACHADO causou incêndio na residência onde vivia o seu ex-companheiro Sandro Manoel Cavalheiro, situada na Rua Lindolfo Klausen, n. 126, Fazenda da Armação, Governador Celso Ramos/SC, fogo que consumiu toda a moradia, inclusive a motocicleta Biz, placa MEJ-6578.

Com tal conduta, a denunciada MARICEIA MACHADO expôs a perigo a vida, a integridade física e o patrimônio da vítima e dos moradores da localidade (fls. 44/45).

Sentença: o juiz de direito César Augusto Vivan julgou procedente a denúncia para condenar Mariceia Machado pela prática do crime previsto no art. 250, § 1º, inciso II, alínea "a", do Código Penal, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade, e ao pagamento de 13 (treze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos (fls. 161-166).

Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a sentença transitou em julgado para o Ministério Público.

Recurso de apelação de Mariceia Machado: a defesa interpôs recurso de apelação, no qual sustentou que não resultou comprovado a intenção da apelante em atear fogo na sua própria residência, até mesmo porque a destruição da residência e dos móveis e utensílios que a guarnecem lesionaria o seu patrimônio, sendo evidente que o ato foi negligente e imprudente.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, de modo a desclassificar a conduta narrada na denúncia para o crime de incêndio culposo ou, ainda, para o crime de dano. Postulou, ao fim, os benefícios da justiça gratuita (fls. 174-176).

Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que, de acordo com a perícia, havia pelo menos três focos de incêndio (no quarto, na edícula e na motocicleta), bem como foram encontradas garrafas de álcool, circunstâncias que afastam por completo a tese de que o fogo não teria sido intencional. Ademais, a narrativa inicial foi confirmada pelos policiais e, não bastasse, em se tratando de crime que ocorre de maneira clandestina, a autoria só pode ser determinada por meio de circunstâncias, presunções e indícios, consoante jurisprudência desta Corte.

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória (fls. 188-190).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Marcílio de Novaes Costa opinou pelo parcial conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 205-209).

Este é o relatório.

VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Do pedido de Justiça Gratuita

A defesa, em suas razões recursais, formulou pedido de concessão de Justiça Gratuita à recorrente.

Não se desconhece o disposto nos arts. 98 e 99, ambos do Código de Processo Civil, que disciplina os requisitos para a concessão da gratuidade da justiça e, sobretudo, estabelece a presunção de verdade da alegação de hipossuficiência econômica. No entanto, destaque-se que, no caso, nem sequer há declaração de hipossuficiência firmada pela apelante.

Ainda, inegável que, presente nos autos elementos hábeis a colocar em dúvida tal presunção, necessário que a requerente apresente documentação a corroborar o pedido de concessão de justiça gratuita.

Esta Corte, portanto, em inúmeras decisões tem reconhecido que o réu, atendido por advogado constituído, não goza da presunção acima destacada: Apelação Criminal 0003668-41.2017.8.24.0033, Segunda Câmara Criminal, rel. Des. Sérgio Rizelo, j. 12-9-2017; Apelação Criminal 0001579-03.2016.8.24.0026, Segunda Câmara Criminal, rel. Des. Salete Silva Sommariva, j. 04-07-2017; Apelação Criminal 2014.066221-2, Primeira Câmara Criminal, rel. Des. Marli Mosimann Vargas, j. 3-11-2015; Apelação Criminal 2015.056752-0, Terceira Câmara criminal, rel. Des. Ernani Guetten de Almeida, j. 3-11-2015.

Não bastasse, no caso em tela, a recorrente, após ter negado seu pedido em primeiro grau, nem sequer, em sede recursal, nutriu os autos com documentos hábeis a atestar sua incapacidade econômica, o que obsta o acolhimento da benesse como formulado.

Logo, o indeferimento do pedido deve ser mantido.

Do mérito

Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por Mariceia Machado contra sentença que a condenou pela prática do crime previsto no art. 250, § 1º, II, "a", do Código Penal, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime aberto, e 13 dias-multa.

A defesa pretende a desclassificação do crime para o delito de incêndio culposo (art. 250, § 2º, do Código Penal) ou dano (art. 163 do Código Penal), sob o argumento de que não resultou comprovado o dolo da apelante, até mesmo porque os bens atingidos pelo incêndio também lhe pertenciam e, assim, teve prejuízos decorrentes do ato, o que é incompatível com a alegação de incêndio intencional.

A acusação, em sede recursal, reforça a manutenção integral da sentença penal condenatória.

O Magistrado a quo reconheceu a materialidade e a autoria delitivas e condenou a apelante pela prática do crime de incêndio majorado (art. 250, § 1º, II, "a", do Código Penal).

O referido dispositivo estabelece que:

Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:

Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.

Aumento de pena

§ 1º - As penas aumentam-se de um terço:

[...]

II - se o incêndio é:

a) em casa habitada ou destinada a habitação;

De pronto, verifica-se que a materialidade e autoria delitivas não foram impugnadas, restringindo-se a discussão acerca da comprovação do dolo da apelante, de modo que, em atenção ao princípio tantum devolutum quantum appellatum, a apreciação limita-se aos argumentos expostos em sede recursal

Examinando o conjunto probatório, verifica-se que o recurso não comporta provimento.

A defesa pretende a desclassificação para o delito de incêndio culposo (art. 250, § 2º, do Código Penal) ou dano (art. 163 do Código Penal).

Sobre o dolo exigido para configurar a prática do art. 250 do Código Penal, colhe-se da doutrina:

Análise do núcleo do tipo: causar significa provocar, dar origem ou produzir. O objeto da conduta é incêndio. Compõe-se com expor (arriscar), que, em verdade, já contém o fator perigo, podendo-se dizer que "expor alguém" é colocar a pessoa em perigo. Ainda assim, complementa-se o tipo exigindo o perigo à vida, à integridade física ou ao patrimônio de outrem.

Sujeitos ativo e passivo: o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo é a sociedade. Trata-se, pois, de crime vago. É certo que pessoas determinadas podem sofrer diretamente o perigo, embora não seja indispensável identificá-las para que o agente possa ser punido.

Elemento subjetivo do tipo: é o...

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