Acórdão Nº 0000304-89.2016.8.24.0035 do Segunda Câmara Criminal, 08-06-2021

Número do processo0000304-89.2016.8.24.0035
Data08 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0000304-89.2016.8.24.0035/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

APELANTE: JOAO PEDRO LAURINDO (RÉU) ADVOGADO: SÉRGIO LUIZ COELHO (OAB SC025383) ADVOGADO: MAURO JOSÉ DESCHAMPS (OAB SC013238) ADVOGADO: PAULO CESAR ROCHA DE CARVALHO (OAB SC039920) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Ituporanga, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra João Pedro Laurindo, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 302, § 1º, I e III, e 306, ambos da Lei 9.503/97, nos seguintes termos:

No dia 13 de novembro de 2015, por volta das 23h30min., na estrada da localidade Rio das Pedras, Município de Leoberto Leal, nesta Comarca de Ituporanga, o denunciado João Pedro Laurindo conduzia o veículo VW/Saveiro, de placas MBB-7743, de forma imprudente, pois dirigia sob influência de álcool, sem Carteira Nacional de Habilitação e com os pneus do veículo em estado precário, ocasião em que praticou homicídio culposo na direção de veículo automotor, ao perder o controle do automóvel, sair da pista e cair em um rio próximo à via pública, o que causou traumatismo craniano na vítima R. W. P., a qual estava no banco do carona, resultando na morte do passageiro, conforme Laudo de Exame Cadavérico de fls. 8-10.

Após ter causado o acidente e as lesões que culminaram na morte de R. W. P., o denunciado João Pedro Laurindo deixou de prestar socorro à vítima do acidente, mesmo sendo possível fazê-lo sem risco pessoal, uma vez que evadiu-se do local enquanto terceiros procuravam pelo ofendido no rio e em suas proximidades (Evento 29).

Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito julgou parcialmente procedente a exordial acusatória e condenou João Pedro Laurindo à pena de 2 anos e 8 meses de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, e 2 meses e 20 dias de suspensão do direito de dirigir veículo automotor, substituída a privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de valor equivalente a dois salários mínimos, e limitação de final de semana, proibido de frequentar bares, boates e estabelecimentos similares pelo período da condenação, pelo cometimento do delito previsto no art. 302, § 1º, I, do Código de Trânsito Brasileiro, absolvendo-o da imputação da prática do crime previsto no seu art. 306, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal (Evento 159).

Insatisfeito, João Pedro Laurindo deflagrou recurso de apelação (Evento 180).

Em suas razões, argumenta que os fatos de não possuir carteira de motorista e de transitar com os pneus do veículo em estado impróprio para uso não fazem prova de que o acidente que vitimou R. W. P. foi causado por imprudência, negligência ou imperícia, motivo pelo qual requer a proclamação da sua absolvição.

Subsidiariamente, argumenta que a Vítima colocou-se em risco ao solicitar carona, por estar embriagada e saber que acidentes de trânsito são possíveis, o que exclui sua responsabilidade pelo resultado danoso (Evento 188).

Por fim, também de forma subsidiária, suplica pela concessão do perdão judicial, devido a possuir vínculo afetivo com a Vítima (Evento 188).

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 193).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Marcílio de Novaes Costa, posicionou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (Evento 7).

VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

No mérito, todavia, não cabe dar-lhe provimento.

A materialidade e a autoria dos fatos narrados na incoativa não estão em questão, porquanto não impugnadas pelo Apelante, estando positivadas no boletim de ocorrência do Evento 1, doc3; nos laudos periciais do Evento 1, docs5-13 e do Evento 25; e na prova oral, colhida judicial e extrajudicialmente, incluindo a confissão de João Pedro Laurindo, no sentido de que conduzia o veículo VW/Saveiro, placas MBB-7743, quando se acidentou e causou a morte do Adolescente R. W. P., que se encontrava no banco do carona do mesmo automóvel.

1. O Recorrente cinge-se às alegações de que, ao conduzir o veículo, agiu tomando todos os cuidados de si esperados, não havendo, assim, prova de que teve culpa na causação do acidente, que, por sua vez, teria sido gerado por fato exclusivo do Ofendido, ou ao menos por ele aceito, tendo em vista o seu estado de embriaguez e a previsibilidade da ocorrência de acidentes de trânsito.

No entanto, a prova dos autos indica que houve ação culposa do Apelante (que não agiu com o cuidado necessário e legalmente exigível de si), sem a qual não se daria o óbito prematuro da Vítima; tampouco é ela insuficiente para respaldar a condenação, pelo contrário, confere a certeza necessária para tanto.

Ora, o próprio Recorrente João Pedro Laurindo, quando interrogado em Juízo, confirmou, por primeiro, que conduzia veículo automotor sem ter habilitação para tanto, a fim de participar de uma festa; não tinha, nem sequer, autorização para usar o automóvel, que era de propriedade de seu genitor; e tampouco tinha hábito de dirigir. Somou que, em razão disso, na noite dos fatos conduzia "bem devagar" e que, ao chegar a uma curva, acidentou-se, sem saber explicar como e porque isso aconteceu (Evento 98, doc201).

É sabido, então, que João Pedro Laurindo, que não era oficialmente habilitado para tanto e que tampouco tinha experiência prática relevante (como ele mesmo referiu), ou seja, não tinha perícia, ofereceu carona a R. W. P., no automotor de seu pai (que não era autorizado a usar), com o qual acidentou-se em uma curva, sem que houvesse razão externa que causasse tal resultado (ou ao menos razão alguma foi por ele referida).

Com efeito, o genitor dele, Pedro José Laurindo, confirmou que ao filho não era permitido usar a caminhonete (Evento 1, doc16); aliás, isso é mesmo vedado pela legislação nacional, dada a inabilitação do Apelante para conduzi-la, dado o risco que se impõe à vida de terceiros se assim se faz (CTB, art. 310).

É também proibida, notoriamente, a condução sem habilitação (CTB, arts. 159, § 1º, e 309), o que denota, por parte do Recorrente, a falta com um dever de cuidado que lhe era exigível. A lei não criminaliza ações que não tenham o condão de ao menos expor a perigo bens juridicamente protegidos; daí porque, por princípio, é possível presumir que aquela ação é, no mínimo, imprudente.

Pouco importa que Testemunhas, tal qual Maxwell Bauer Clasen, mencionem que ocasionalmente viam o Apelante conduzir veículo automotor, também sem a autorização para tanto (Evento 98, doc204), porque isso certamente não demonstra sua aptidão como motorista (especialmente diante da constatação de que a própria autodefesa revelou que João Pedro Laurindo não se sentia de todo confortável na condução de automóveis), senão sua reiterada imprudência.

A habilitação oficial não é mera formalidade; ela é necessária porque comprova que o condutor tem os conhecimentos teóricos e práticos da direção segura, incluindo os cuidados com o automóvel, com a pista, com as condições de direção defensiva e com situações de risco, o que o Recorrente não possuía. Nada há nos autos que indique o...

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