Acórdão Nº 0000318-41.2019.8.24.0141 do Segunda Câmara Criminal, 28-01-2020

Número do processo0000318-41.2019.8.24.0141
Data28 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemPresidente Getúlio
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão




Recurso Em Sentido Estrito n. 0000318-41.2019.8.24.0141, de Presidente Getúlio

Relator: Desembargador Volnei Celso Tomazini

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO (ART. 121, § 2º, INCISOS II E IV, DO CÓDIGO PENAL). DECISÃO DE PRONÚNCIA. RECURSO DA DEFESA.

PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO PARA O CRIME DE LESÃO CORPORAL SEGUIDO DE MORTE. IMPOSSIBILIDADE. RÉ QUE TERIA DESFERIDO FACADA NO PESCOÇO DA VÍTIMA, APÓS ANUNCIAR QUE IRIA MATAR O OFENDIDO. GOLPE DESFERIDO EM ÁREA VITAL. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE INDICA O DOLO HOMICIDA NA CONDUTA DA AGENTE. ANÁLISE APROFUNDADA DA PROVA INVIÁVEL NESTA ETAPA PROCESSUAL. NECESSIDADE DE APRECIAÇÃO DO FEITO PELO TRIBUNAL DO JURI. CLASSIFICAÇÃO MANTIDA.

ALEGAÇÃO DE ROMPIMENTO DE NEXO CAUSAL. NÃO CABIMENTO. CAUSA SUPERVENIENTE RELATIVAMENTE INDEPENDENTE NÃO COMPROVADA. LAUDO PERICIAL QUE COMPROVA QUE A VÍTIMA FOI MORTA PELO GOLPE DE FACA DESFERIDO NO PESCOÇO. PRONÚNCIA MANTIDA.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito n. 0000318-41.2019.8.24.0141, da comarca de Presidente Getúlio Vara Única em que é Recorrente Eronita Paula Bering Bonetti e Recorrido Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso interposto. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargador Volnei Celso Tomazini, Desembargador Norival Acácio Engel e Desembargadora Salete Silva Sommariva.

Presidiu a sessão o Exma. Sra. Desembargadora Salete Silva Sommariva.

Funcionou como Representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. José Eduardo Orofino da Luz Fontes.

Florianópolis, 28 de janeiro de 2020

Desembargador Volnei Celso Tomazini

Relator


RELATÓRIO

No Juízo da Vara Única da comarca de Presidente Getúlio/SC, a ré Eronita Paula Bering Bonetti foi denunciada como incurso na sanção prevista no art. 121, § 2º, incisos II e IV, do Código Penal, pela prática dos fatos assim narrados na exordial acusatória (fls. 57-64):

No dia 17 de março de 2019, por volta das 01h50min, no interior do Clube Recreativo Pinheiro, localizado na Rua Traugot Muller, Bairro Pinheiro, na Cidade de Presidente Getúlio/SC, a denunciada ERONITA PAULA BERING BONETTI, agindo com manifesto animus necandi, por motivo fútil e mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, matou Marcos Schmeider, seu ex-companheiro.

Consta do incluso caderno investigativo que na data do crime, a denunciada ERODITA PAULA BERING BONETTI e a vítima Marcos Schmeider estavam em uma festa no Clube Recreativo Pinheiro, quando a denunciada dirigiu-se à vítima e lhe pediu uma carona.

A vítima, que estava acompanhado, negou o pedido. Assim, a denunciado ERONITA PAULA BERING BONETTI dirigiu-se à mesa em que estava a sua bolsa, pegou uma faca, retornou ao encontro da vítima e golpeou-o no pescoço.

O crime foi cometido por motivo fútil pois a denunciada matou a vítima por ele estava acompanhado de outra pessoa.

Ademais, a denunciada praticou o crime mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, pois a vítima foi tomada de surpresa pela agressão da denunciada que, subitamente, sacou uma faca e desferiu-lhe o golpe no pescoço, região vital do corpo, sem que Marcos sequer tenha conseguido compreender o que estava ocorrendo.

Ato contínuo, a denúncia foi recebida (fls. 85-94) e houve o aditamento da denúncia às fls. 104-107 para inclusão de duas novas testemunhas e, recebido o aditamento, a acusada foi citada (fl. 122).

Concluída a fase do juditium acusationis, o Magistrado julgou a denúncia procedente e pronunciou a ré pelo cometimento, em tese, do crime previsto no art. 121, § 2º, incisos II e IV, do Código Penal (homicídio praticado por motivo fútil e com recurso que dificultou a defesa da vítima) (fls. 348-374).

Inconformada, a ré interpôs recurso em sentido estrito alegando, em síntese, que a decisão merece reforma, de modo que requer a desclassificação para o crime de lesão corporal, em razão da ausência de animus necandi. Subsidiariamente, o reconhecimento do rompimento do nexo causal entre a conduta da acusada e a morte da vítima, haja vista que o óbito da vítima ocorreu horas depois da facada e esta não recebeu atendimento adequado no Hospital Maria Auxiliadora, o qual não possui Unidade de Terapia Intensiva - UTI e nem banco de sangue (fls. 334-347).

Vertidas as contrarrazões (fls. 403-412), mantida a decisão, ascenderam os autos a esta egrégia Corte para julgamento.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Francisco Bissoli Filho, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 426-432).

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pela ré Eronita Paula Bering Bonetti contra a decisão que a pronunciou pelo cometimento, em tese, do crime de homicídio qualificado pelo motivo fútil e por ter sido praticado com o emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal).

De acordo com o que alega no recurso defensivo, a conduta da ré deve ser desclassificada, em razão de não existirem nos autos provas da presença do dolo ou nexo causal na sua conduta delitiva.

Inicialmente, ressalta-se ser cediço que em crimes da competência do Tribunal do Júri, como na hipótese, o Magistrado somente está autorizado a reconhecer provas da materialidade do crime e indícios de sua autoria, relegando a apreciação do meritum causae ao Conselho de Sentença.

Assim, nessa fase, é defeso ao Magistrado uma profunda valoração da malha probatória amealhada ao processado, cabendo-lhe apenas o exame da viabilidade da acusação.

Pois bem.

Consta dos autos que, no dia 17 de março de 2019, por volta das 01h50min, na comarca de Presidente Getúlio/SC, a ré Eronita Paula Bering Bonetti, teria se dirigido à mesa em que estava a sua bolsa, pegou uma faca, retornou ao encontro da vítima Marcos Schmeider e, imbuída de animus necandi, teria golpeado-o o pescoço do ofendido, sem que ele sequer tenha conseguido compreender o que estava ocorrendo, causando-lhe lesões que foram a causa de sua morte.

Ressalta-se que o crime teria sido praticado pelo simples fato de a ré acreditar que a vítima, ou melhor, seu ex-companheiro estava acompanhado no baile em que estavam, motivação esta fútil.

Diante dos fatos expostos, a recorrente foi denunciada e pronunciada pela prática do crime de homicídio duplamente qualificado pelo motivo fútil e pelo meio que dificultou a defesa da vítima, previsto no art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal, in verbis:

Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

§ 2° Se o homicídio é cometido: [...]

II - por motivo futil; [...]

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido;

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

A materialidade do crime pode ser verificada por meio do boletim de ocorrência (fl. 13-15), da declaração de óbito (fl. 17), do levantamento fotográfico (fls. 18-25), do termo de exibição e apreensão (fl. 26) e do laudo pericial cadavérico que atestou morte por "Choque hipovolêmico - Traumatismo de Vasos Sanguíneos Cervicais - Lesão por arma branca" (fls. 130-133), bem como das declarações prestadas durante as fases policial e judicial.

Os indícios suficientes de autoria, de igual modo, estão presentes nos autos, por meio dos elementos probatórios amealhados, e sequer são motivo de insurgência por parte da ré.

Primeiramente, cumpre esclarecer, em virtude da oitiva das testemunhas de acusação e do termo de interrogatório da ré terem ocorrido por meio de sistema audiovisual, adotar-se-á a narrativa efetuada pelo magistrado singular, uma vez que fiel ao que consta nos depoimentos gravados.

A recorrente ao ser ouvida perante autoridade policial, embora inicialmente tenha manifestado o seu desejo de permanecer em silêncio, acabou por, em seguida, relatar os fatos, nos seguintes termos (fl. 44):

Que vai falar em Juízo; que não tem muito a falar; que o fato aconteceu; que não tinha promessa ou vingança; que não tinha nada; que simplesmente foi um minuto de "bobeira"; que a vítima era seu ex-companheiro; que viveram três anos juntos.

Em Juízo, relatou que o fato teria ocorrido simplesmente por um minuto de "bobeira" e que teria feito só para assustar a vítima, pois um dia antes também havia sido ameaçada por ele. Por fim, negou ter dito à sua irmã, alguns dias antes dos fatos, que pretendia matar a vítima caso a visse com outra pessoa, ao contrário do informado por aquela perante a autoridade policial e em juízo, in verbis (fls. 291-292):

Que em relação a denúncia não está mais lembrando de nada; que não fez isso; que fez isso para assustar; que ao chegar "no salão" a vítima falou para ela "te cuida, pra você está guardado"; que a vítima abaixou o boné para que ninguém visse que falava com eça; que um dia antes também havia sido ameaçada; que ficou ruim no "salão" e pediu para Julimar chamar um táxi para levá-la até na casa do seu filho; que na casa do seu filho, se passasse mal, ele a levaria ao hospital; que Julimar ligou para vários táxis mas não conseguiu nenhum; que havia um homem no local que se prontificou levá-la de moto; que não havia nenhum carro; que havia carro mas estava todo mundo dançando; que ligou para seu filho; que seu filho é segurança em Ibirama; que se filho não pôde a buscar porque estava trabalhando; que então "esse cara" a levou até a casa de seu filho de moto; que isso ocorreu duas semanas antes; que a vítima sempre usou boné; que no dia dos fatos ele abaixou o boné e a ameaçou mas não deu bola; que tomou sua cerveja e fumou cigarro do lado de fora; que não prestou mais atenção onde a vítima estava; que entrou no "salão" e ele...

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