Acórdão Nº 0000335-88.2016.8.24.0042 do Segunda Câmara Criminal, 10-03-2020

Número do processo0000335-88.2016.8.24.0042
Data10 Março 2020
Tribunal de OrigemMaravilha
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0000335-88.2016.8.24.0042, de Maravilha

Relator: Desembargador Norival Acácio Engel

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. TER EM DEPÓSITO PARA A VENDA PRODUTOS COM CONDIÇÕES IMPRÓPRIAS AO CONSUMO. (ART. 7º, INCISO IX, DA LEI N. 8.137/90). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

APELO DIRIGIDO À PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO DEDUZIDA NA DENÚNCIA. POSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. APELADO QUE TINHA EM DEPÓSITO CERCA DE 50KG (CINQUENTA QUILOGRAMAS) DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL DESTINADOS À VENDA, EM CONDIÇÕES IMPRÓPRIAS PARA CONSUMO, ALÉM DE DIVERSOS PRODUTOS COM OS PRAZOS DE VALIDADE EXPIRADOS, EXPOSTOS À VENDA. CRIME FORMAL E DE PERIGO ABSTRATO. PRESCINDIBILIDADE DE LAUDO TÉCNICO NOS CASOS DO ART. 18, § 6º, INCISOS I E II, PARTE FINAL, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONDENAÇÃO IMPERATIVA.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000335-88.2016.8.24.0042, da comarca de Maravilha 2ª Vara em que é Apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Apelado Sidnei Facco.

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por maioria, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para condenar Sidnei Facco à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de detenção, em regime aberto, substituída por duas restritivas de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade e multa, pela prática do delito tipificado no art. 7º, inciso IX, da Lei n. 8.137/90, vencida a Excelentíssima Desembargadora Salete Silva Sommariva que negava provimento ao recurso. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pela Exma. Sra. Desa. Salete Silva Sommariva, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Sérgio Rizelo. Funcionou como representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Ernani Dutra.

Florianópolis, 10 de março de 2020.

Desembargador Norival Acácio Engel

Relator


RELATÓRIO

Na Comarca de Maravilha, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Sidnei Facco, dando-o como incurso nas sanções do art. 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90, em razão dos fatos assim descritos (fls. 116/117):

[...] No dia 13 de agosto de 2015, no estabelecimento comercial SIDNEI FACCO ME, localizado na Rua C, n. 10, Novo Bairro, SIDNEI FACCO expôs à venda, grande quantidade de mercadoria, em condições impróprias para o consumo, relacionadas na notificação preliminar administrativa de fl. 16/17.

Em vistoria para renovação de Alvará Sanitário junto à empresa, cuja direção é comandada pelo denunciado, a Vigilância Sanitária deparou-se com a prática delitiva, já que o denunciado expôs à venda produtos de origem animal sem rotulagem, inspeção e procedência e produtos com prazo de validade expirados (fl. 12/13).

O denunciado, portanto, expos à venda, mercadorias em condições impróprias ao consumo [...].

Encerrada a instrução, foi julgada improcedente a Exordial para absolver o Apelado Sidnei Facco da prática do delito previsto no art. 7º, inciso IX, da Lei n. 8.137/90, com fundamento no artigo 386, inciso II, do Código Penal (fls. 200/205).

Irresignado com a decisão, o Ministério Público interpôs Recurso de Apelação (fl. 211), em cujas Razões (fls. 212/217) postula a condenação do Recorrido arguindo que as provas são suficientes para sustentar um decreto condenatório pela prática do crime tipificado no art. 7º, inciso IX, da Lei n. 8.137/90, especialmente em razão da prescindibilidade de Laudo Pericial, quando se tratar de produtos alimentícios vencidos.

Apresentadas as Contrarrazões (fls. 230/239), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Ernani Dutra, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do Apelo (fls. 248/252).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.

Pretende o Ministério Público, a condenação do Apelado pela prática do delito previsto no art. 7º, inciso IX, da Lei n. 8.137/90. Razão lhe assiste.

Inicialmente, cumpre destacar que não se desconhece o entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça que entende ser imprescindível a realização de perícia para a verificação da impropriedade dos alimentos apreendidos.

Neste sentido, cita-se os precedentes: RHC 98.395/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 21/06/2018, DJe 28/06/2018; RHC 91.502/SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 12/12/2017, DJe 01/02/2018; e HC 388.374/SC, Rel. Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 21/11/2017, DJe 01/12/2017.

Por outro lado, cumpre anotar que esta Câmara, nos autos n. 0900204-05.2016.8.24.0005, com voto da Relatoria do Desembargador Sérgio Rizelo, que embora vencido no ponto, consignou ser dispensável a realização de perícia técnica para atestar a impropriedade dos alimentos, quando estes estiverem em desacordo com os preceitos das normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação (art. 18, § 6º, incisos I e II, parte final, do Código de Defesa do Consumidor).

Extrai-se do inteiro teor:

[...] Com relação ao primeiro fato (expor à venda produtos de origem animal mantidos em temperatura inadequada), a Segunda Câmara Criminal, por maioria, decidiu desprover o recurso, porque não foi confeccionado laudo atestando a materialidade do fato.

Este Relator, porém, diverge, e inclina-se favorável ao provimento do recurso, pelas seguintes razões:

Nestor Luiz Silveira negou manter alimentos fora dos padrões estabelecidos pelo fornecedor (audiovisual da fl. 163).

Essa versão, porém, está isolada nos autos.

Isso porque tal condição foi atestada no "Relatório de Ação Conjunta do POÁ" por Fiscais de diversos órgãos, como Vigilância Sanitária Estadual, Ministério da Agricultura, Cidasc e Polícia Militar (fls. 38-39).

Ademais, a Fiscal da Vigilância Sanitária Valéria Silva Nicolau Penteado, embora não tenha recordado da operação, confirmou o teor do seu relatório, no qual consta a existência de "produtos de origem animal mantidos em temperatura inadequada" no estabelecimento pertencente ao Apelado (audiovisual da fl. 163).

É preciso destacar que não é pacífica na doutrina e jurisprudência a questão acerca da necessidade de produção de laudo pericial para aferição da impropriedade das condições de mercadoria a fim de que se ateste a materialidade do crime contra as relações de consumo, previsto no art. 7º, IX, da Lei 8.137/90.

Da leitura do tipo penal verifica-se que se está diante de uma norma penal em branco, preceito legal de caráter genérico, o qual demanda integração conceitual por outra fonte normativa, ou seja, "não há a possibilidade de aferirmos, sem o necessário complemento, pela subsunção da conduta do agente" (GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 14. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. v. 1, p. 167).

O complemento para estabelecer o alcance da impropriedade do produto é dado pela Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), em seu art. 18, § 6º:

§ 6° São impróprios ao uso e consumo:

I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;

II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;

III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

Respeitado o posicionamento diverso, entende-se que, da norma reproduzida, quatro categorias de impropriedades para consumo são inferidas: a) uma inserta no I (validade expirada); b) outra no III (impropriedade genérica); c) outras duas dispostas no II, a primeira referente aos produtos "deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos"; e d) a segunda em relação àqueles que estejam em desacordo com "as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação".

Não se pode tratar todas da mesma forma.

O presente feito versa sobre a modalidade descrita no art. 18, § 6º, II, segunda parte, uma vez que os alimentos não estavam de acordo com o que preceituam "as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação".

Nessa hipótese, trata-se de crime formal e de perigo abstrato ou presumido, que prescinde, para sua comprovação, de laudo técnico. Basta, para a sua configuração, que os produtos estejam expostos à venda em desacordo com determinadas normas para que sejam considerados impróprios ao uso e consumo humano, como foi atestado pelos Fiscais no presente caso.

A caracterização da existência do crime consiste em simples constatação técnica feita no momento da inspeção. Detectando-se violação à norma sanitária, em razão da exposição para venda de mercadoria em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação, o produto é considerado impróprio para consumo e não há necessidade de produção de prova pericial.

Antônio Cezar Lima da Fonseca ensina:

Não se exige prova pericial, porque o crime é de perigo abstrato, aperfeiçoando-se com a mera transgressão da norma incriminadora. [...] Da mesma forma, o crime será facilmente caracterizado, quando as condições impróprias ao consumo forem facilmente verificáveis por comprovação visual até de leigos no assunto ou prova testemunhal (Direito penal do consumidor: Código de Defesa do Consumidor e Lei n. 8.137/1990. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 274).

Não se olvida que a posição atual do Superior Tribunal do Justiça é de que, para a comprovação da materialidade do crime do art. 7º, IX, da Lei 8.137/90, é imprescindível a realização de exame técnico (cf. os precedentes mencionados pelo Impetrante na exordial e na petição das fls. 190-198).

Ao fundamentar esse entendimento, referem-se os julgados a um...

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