Acórdão Nº 0000343-91.2017.8.24.0216 do Quarta Câmara Criminal, 13-02-2020

Número do processo0000343-91.2017.8.24.0216
Data13 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemCampo Belo do Sul
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Criminal n. 0000343-91.2017.8.24.0216, de Campo Belo do Sul

Relator: Desembargador José Everaldo Silva

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE DESACATO (ART. 331 DO CP). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO APENADO.

PRELIMINAR. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ART. 107, IV, DO CP. LAPSO PRESCRICIONAL NÃO ULTRAPASSADO. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE. PRELIMINAR AFASTADA.

CRIME DE DESACATO.

ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA NO PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA. AFRONTA À CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. INOCORRÊNCIA. CONDUTA TÍPICA QUE NÃO INVESTE CONTRA O DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL QUE NÃO É ABSOLUTA. MATÉRIA ENFRENTADA PELO STJ (INFORMATIVO 607, DE 16-08-2017) E STF. CRIMINALIZAÇÃO DA CONDUTA MANTIDA. TESE REJEITADA.

Embora a liberdade de expressão seja um direito fundamental, este não é absoluto e, por conseguinte, não harmoniza com o abuso, tampouco admite palavras ou atos que produzam desrespeito, menoscabo ou humilhação ao funcionário público, que se diga, é o próprio Estado.

A criminalização da conduta tida como desacato, como ultima ratio, não viola o disposto no art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mas sim, assegura o bom desempenho daqueles que exercem funções públicas, coibindo os excessos travestidos de liberdades individuais.

PLEITO ABSOLUTÓRIO. TESE DA DEFESA. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE DA AUTORIA DELITIVA. REVELIA DO RÉU. DECLARAÇÕES DO AGENTE PRESTADAS NA FASE POLICIAL SOLITÁRIAS NO PROCESSO. PRETENSÃO AFASTADA. SUFICIÊNCIA DO CADERNO PROBATÓRIO CARREADO AO FEITO PELA ACUSAÇÃO. PALAVRAS DA VÍTIMA, POLICIAL MILITAR. TEOR UNÍSSONO E HARMÔNICO COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA. REQUERIMENTO NEGADO.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000343-91.2017.8.24.0216, da comarca de Campo Belo do Sul Vara Única em que é Apelante Claudemir de Moraes e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por meio eletrônico, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Sidney Eloy Dalabrida e o Exmo. Sr. Des. Altamiro de Oliveira.

Funcionou como membro do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Procurador de Justiça Paulo Roberto de Carvalho Roberge.

Florianópolis, 13 de fevereiro de 2020.

[assinado digitalmente]

Desembargador José Everaldo Silva

Presidente e Relator

RELATÓRIO

Na comarca de Campo Belo do Sul, Vara Única, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Claudemir de Moraes, dando-o como incurso nas sanções do art. 331 do CP, porque, segundo narra a exordial acusatória:

No dia 15 de julho de 2017, por volta das 22:00 horas, na Rua Nereu Ramos, Centro, nesta cidade e comarca de Campo Belo do Sul/SC, o denunciado CLAUDEMIR DE MORAES, com consciência e vontade, desacatou funcionário público no exercício da função.

Consta do incluso caderno indiciário que, na data e hora supra, a guarnição da polícia militar, durante o atendimento de uma ocorrência no Restaurante Água na Boca, localizado no endereço supra, ordenou que o denunciado entregasse seu filho, que no momento estava em sua companhia, para a mãe da criança, porém, inconformado com a ordem policial, o denunciado desacatou o funcionário público no exercício de sua função, esbravejando as frases "Policial filha da puta" e "Policial cagão" (fls. 1-2)

Acolhida integralmente a denúncia, Claudemir de Moraes restou condenado à pena de 6 (seis) meses de detenção, no regime inicial aberto, por infração ao disposto no art. 331 do CP. A pena corporal foi substituída por um pena restritiva de direito, consistente na prestação de serviços à comunidade (fls. 156-160).

O réu apelou (fl. 168).

Nas razões de recurso (fls. 223-227), a defesa roga, preliminarmente, pelo reconhecimento da extinção da punibilidade do apelante (art. 107, IV, do CP).

No mérito, clama pela absolvição. Para tanto, afirma, em síntese, que o arcabouço probatório carreado ao feito é insuficiente para fundamentar o decreto condenatório proferido.

Oferecidas as contrarrazões (fls. 235-240), os autos ascenderam a esta superior instância, opinando a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador Dr. Paulo de Tarso Brandão, pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, a fim de que seja decretada a absolvição do apelante (fls. 247-256).

Este é o relatório.


VOTO

Acerca da preliminar suscitada, a defesa alega ter ocorrido a extinção da punibilidade do agente pela prescrição (art. 107, IV, do CP).

Para tanto, com fulcro no art. 110, caput e § 1º, do CP, afirma que o prazo prescricional "regula-se pela pena aplicada" (fl. 226). E pleiteia nos seguintes termos:

Diante do exposto, requer-se, desde já, que seja declarada extinta a punibilidade do Apelante CLAUDEMIR DE MORAES, pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, na forma retroativa, sem apreciação do mérito dos apelos interpostos, vez que a pena condenatória foi de 6 meses, prazo este já transcorrido, e muito, entre os fatos supostamente ocorridos (15/07/2017) e a sentença (27/05/2019), como também da sentença até o transito em julgado do acórdão, in abstrato, vez que já transcorrido 5 meses e a pena condenatória, como já mencionado, são 6 meses (fl. 226).

Razão não assiste ao apelante.

De acordo com o estabelecido no Digesto Penal, o cálculo da prescrição regula-se, de fato, pela pena aplicada em concreto após o trânsito em julgado da sentença para a acusação ou depois de improvido seu recurso (art. 110, caput, e § 1º, do CP), contudo, o prazo prescricional a ser respeito não é o equivalente à pena aplicada, conforme exegese realizada no apelo, mas os lapsos temporais estabelecidos no art. 109 do CP, os quais devem ser eleitos de acordo com a pena arbitrada.

Desse modo, tendo sido o crime cometido após a vigência da Lei n. 12.234/2010 e aplicada pena de 6 (seis) meses, o prazo prescricional respectivo é de 3 (três) anos (art. 109, VI, do CP).

Ademais disso, registra-se que com o advento de referida norma, cujo teor alterou não só o inciso VI do art. 109 do CP, como também o § 1º do art. 110 do CP, deixou-se de "ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa".

Assim, por força da prescrição retroativa, recebida a denúncia em 11-9-2017 (fls. 48-49), o termo final do prazo prescricional seria 10-9-2020; contudo, como houve a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95), pelo período de 6 (seis) meses e 7 (sete) dias (fls. 58-59, 60 e 87), agrega-se referido lapso temporal ao cálculo do prazo derradeiro.

Nesse compasso, tendo sido a decisão condenatória publicada em 27-5-2019 (fl. 161), constata-se que o prazo prescricional não foi ultrapassado, razão pela qual afasta-se a preliminar suscitada.

Passa-se ao mérito.

Inicialmente, observa-se que o douto Procurador de Justiça Dr. Paulo de Tarso Brandão, manifestou-se no parecer pelo reconhecimento da atipicidade do ato praticado pelo agente, sob a alegação de que o tipo penal é compatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos - CADH.

Sobre a questão, impende consignar que a conduta tipificada como crime de desacato, estampada no art. 331 do Código Penal, não possui qualquer incompatibilidade com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, não havendo falar em cerceamento à liberdade de pensamento e expressão dos cidadãos.

A propósito, sem mais delongas, a questão já fora submetida ao Superior Tribunal de Justiça e, posteriormente, ao Supremo Tribunal Federal, os quais afastaram a alegada incompatibilidade e decidiram pela tipicidade da conduta, mantendo a criminalização do delito de desacato, senão vejamos:

Tema: Manutenção da tipificação do crime de desacato no ordenamento jurídico. Direitos humanos. Pacto de São José da Costa Rica (PSJCR). Direito à liberdade de expressão que não se revela absoluto. Controle de convencionalidade. Inexistência de decisão proferida pela corte (IDH). Ausência de força vinculante. Preenchimento das condições antevistas no art. 13.2 do PSJCR. Incolumidade do crime de desacato pelo ordenamento jurídico pátrio, nos termos em que disposto no art. 331 do Código Penal.

Destaque: Não há incompatibilidade do crime de desacato (art. 331 do CP) com as normativas internacionais previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).

A questão posta gira em torno de eventual afastamento, em controle de convencionalidade, do crime de desacato(art. 331 do CP) do ordenamento jurídico brasileiro em razão de recomendação expedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), para fins de incidência, ou não, do princípio da consunção na hipótese examinada. Inicialmente, importa destacar, quanto à faceta estruturante do Sistema Interamericano, que são competentes para conhecer das matérias concernentes na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH): a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH). De acordo com o art. 41 da referida Convenção (Pacto de São José da Costa Rica) - da qual o Brasil é signatário - a CIDH possui a função primordial de promover a observância e a defesa dos direitos humanos. Porém, da leitura do dispositivo, é possível deduzir que os verbos relacionados às suas funções não ostentam caráter decisório, mas tão somente instrutório ou cooperativo. Prima facie, depreende-se que a referida comissão não possui função jurisdicional. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, possuindo função jurisdicional e consultiva, de acordo com o art. 2º do seu respectivo Estatuto....

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