Acórdão nº 0000362-87.2019.8.11.0055 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Segunda Câmara Criminal, 16-08-2023

Data de Julgamento16 Agosto 2023
Case OutcomeProvimento
Classe processualCriminal - APELAÇÃO CRIMINAL - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Número do processo0000362-87.2019.8.11.0055
AssuntoInjúria

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL

NÚMERO ÚNICO: 0000362-87.2019.8.11.0055

CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417)

ASSUNTO: [INJÚRIA]

RELATOR: DES. JOSE ZUQUIM NOGUEIRA

Turma Julgadora: [DES. JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, DES. PEDRO SAKAMOTO, DES. RUI RAMOS RIBEIRO]

Parte(s):

[MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), MARCELO MORAES MIRANDA - CPF: 970.624.641-04 (APELANTE), THIAGO LUIZ FIGUEIREDO BRIDI - CPF: 985.713.541-20 (ADVOGADO), LUIZ MARIANO BRIDI - CPF: 177.961.560-49 (ADVOGADO), FRANCISCO BRITO - CPF: 037.532.341-41 (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des. RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO DOUTO RELATOR, DESEMBARGADOR JOSÉ ZUQUIM NOGUEIRA.EM DISSONÂNCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

E M E N T A

APELAÇÃO CRIMINAL – INJÚRIA RACIAL – PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO – CABIMENTO – PROVA INDICIÁRIA NÃO CONFIRMADA EM JUÍZO – AUSÊNCIA DE PROVAS – IN DUBIO PRO REO - RECURSO PROVIDO.

É imperiosa a absolvição quando as provas produzidas durante a persecução penal não são suficientes para demonstrar a prática do crime de injúria racial pelo réu.

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. JOSÉ ZUQUIM NOGUEIRA (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Trata-se de recurso de apelação criminal tirado de decisão que condenou Marcelo Moraes Miranda como incurso nas sanções art. 140, § 3º, do Código Penal, à pena de 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em regime inicial aberto (Id. 169358214).

Nas razões recursais, o apelante pugna pela sua absolvição por insuficiência probatória, sustentando que a condenação de baseou em provas indiciárias e que não restou comprovado o dolo específico exigido pelo tipo penal.

Subsidiariamente, pleiteia a desclassificação da conduta para a modalidade simples e a concessão do perdão judicial (Id. 169358221).

Em contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo improvimento do recurso (Id. 169358228).

Instada a se manifestar, a douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (Id. 171905196).

É o relatório.

Inclua-se em pauta.

PARECER ORAL

EXMA. SRA. DRA. KÁTIA MARIA AGUILERA RISPOLI (PROCURADORA DE JUSTIÇA):

Ratifico o parecer escrito.

SUSTENTAÇÃO ORAL

USOU A PALAVRA O ADVOGADO LUIZ MARIANO BRIDI, OAB/MT 2619-O.

V O T O

EXMO. SR. DES. JOSÉ ZUQUIM NOGUEIRA (RELATOR):

Egrégia Câmara:

Como asseverado, o inconformismo que rendeu ensanchas ao presente recurso consiste na condenação do acusado, razão pela qual a defesa pugna pela sua absolvição por insuficiência probatória, sob o argumento de que o édito condenatório se baseou em provas indiciárias e de que inexiste comprovação do dolo específico exigido pelo tipo penal. Subsidiariamente, pleiteia a desclassificação da conduta para a modalidade simples e a concessão do perdão judicial.

O recurso não merece provimento.

A inicial acusatória narra que no No dia 27 de maio de 2018, por volta das 08h3Omin., neste município e Comarca de Tangará da Serra, o denunciado MARCELO MORAES MIRANDA, com consciência e vontade, injuriou a vítima Francisco Brito, fazendo referência a elementos de raça e cor. Consta dos autos que na data dos fatos, a vítima presenciou o momento em que o denunciado chegou na residência vizinha e entrou em vias de fato com a moradora. Neste viés, ao se aproximar do denunciado e indagá-lo o porquê das agressões, o implicado disse "saí fora seu nego, preto e sem vergonha", claramente ofendendo a dignidade da vítima fazendo menção à sua raça e cor. (...)” (Id. 169357545 – Pág. 12/14).

Durante a instrução probatória, foram ouvidas duas informantes, Maria Aparecida Ramalho da Silva e Vani de Souza Almeida, bem como interrogado o réu.

Após a persecução penal, foi julgada procedente a pretensão punitiva estatal deduzida na denúncia, para condenar o apelante, nas sanções do art. 140, § 3º do Código Penal, à pena de 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em regime inicial aberto, substituída por 1 (uma) restritiva de direito, consistente na prestação de serviços à comunidade durante o período da pena imposta.

Inobstante os argumentos da defesa, o conjunto probatório carreado aos autos permite concluir que houve ofensa ao bem jurídico tutelado – a honra subjetiva da vítima.

A materialidade delitiva restou comprovada pela Portaria n. 221/2018 (Id. 169357545 - Pág. 17/18), pelo Termo de Representação Criminal (Id. 169357545 - Pág. 21), assim como pela prova oral produzida em ambas as fases da persecução penal.

A autoria, igualmente, é inconteste.

Com efeito, em sede policial, a vítima prestou as seguintes declarações:

“QUE é inquilino de MARIA APARECIDA e reside ao lado da casa da mesma; QUE no dia dos fatos, narra que presenciou a situação que MARIA chegou, vinda da residência de ANTONIO, após ter ocorrido os fatos entre VANI e MARIA, diz: "ela chegou e me disse que VANI tinha batido nela". Perguntado se avistou hematomas em MARIA, responde: "tinha, na cabeça um caroços"; QUE conversou um pouco com MARIA e então adentrou para sua residência; QUE passado algum tempo, diz: "por volta de umas oito horas, eu escutei um carro parando na frente e então abri a cortina para ver e vi que VANI que estava no carro, nisso um homem gritou por MARIA dizendo CIDA, porque o nome dela é Maria Aparecida e pulou a mureta da grade e já foi entrando. Eu vi que ele deu uns dois ou três murros no rosto de Maria e disse que era para ela aprender a nunca mais dar uma facada na mãe dela. Onde já se viu que a Maria dar uma facada para a mãe dela que tem 86 anos. Eu falei para ele (Marcelo) porque você fez isso com ela, ele me respondeu, saí fora seu nego, preto e sem vergonha"; QUE na sequência o depoente diz que ficou sem ação e não pensou em acionar a Policia, diz: "nós fomos de a pé até o CISC” (Id. 169357545 - Pág. 19/20).

A informante Maria Aparecida Ramalho da Silva declarou em juízo que o réu, após pular o muro da sua casa sem permissão, começou a lhe agredir fisicamente pelo fato dela ter brigado com a irmã e sogra do acusado, Vani de Souza Almeida, ocasião em que a vítima, que era seu vizinho, veio ao seu encontro para lhe defender, tendo o apelante pronunciado contra o ofendido Francisco Brito as expressões injuriosas “sai fora nego, sem vergonha, preto, safado”.

Em juízo, a informante Vani de Souza Almeida, sogra do apelante, disse não ter visto a vítima na casa da irmã Maria Aparecida Ramalho da Silva, todavia, afirmou que permaneceu no carro enquanto o apelante entrou na casa da irmã, antes de se deslocarem até o hospital para receber atendimento médico por conta das lesões da briga anterior.

O apelante, nas duas ocasiões em que foi ouvido, negou as acusações que lhe são imputadas, todavia, o crime de injúria racial foi comprovado pelas declarações do ofendido em sede extrajudicial, corroborado pelo depoimento da informante Maria Aparecida Ramalho da Silva em juízo, que confirmou que o acusado ofendeu a honra subjetiva da vítima Francisco Brito, fazendo uso de elementos próprios à sua raça e cor ao chamá-lo de “nego, sem vergonha, preto, safado”.

Sabe-se que a vontade livre e consciente de macular a honra subjetiva da vítima, empregando, para tanto, elementos relativos à raça, à cor e etnia, ou à condição de pessoa portadora de deficiência, caracteriza a denominada injúria qualificada, prevista no art. 140, §3º, do Código Penal.

Ademais, como já decidiu esta Câmara, O nervosismo e o estado de embriaguez voluntária do agente não excluem o dolo de injuriar alguém, tampouco o de lhe ameaçar de causar mal injusto e grave, razão pela qual os depoimentos firmes e coerentes prestados pelas vítimas, atestando a ocorrência de ofensas relacionadas à cor e à origem dos ofendidos, bem como a seriedade das ameaças proferidas pelo acusado, são aptas a sustentar a condenação do réu pelos crimes tipificados nos artigos 140, § 3º, e 147, caput, do Código Penal.” (N.U 1005854-09.2020.8.11.0055, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 18/10/2022, Publicado no DJE 26/10/2022) (destaquei)

Acerca do assunto, trago à colação o entendimento da jurisprudência pátria e desta Corte de Justiça:

APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL. INJÚRIA RACIAL. DOLO ESPECÍFICO. CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Comete o crime de injúria racial aquele que, imbuído do ânimo de ofender a honra subjetiva de determinada pessoa, insulta-a com palavras preconceituosas relacionadas à sua cor, raça, etnia ou origem. 1.1. Para a caracterização desse crime, deve estar presente o elemento subjetivo do tipo penal (dolo), ou seja, o animus injuriandi, que consiste na intenção do agente de atingir a honra subjetiva da vítima, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. 1.2. No presente caso, restou demonstrado que o réu agiu de forma livre e consciente com a vontade de ofender a vítima em virtude de sua cor/raça, movido por sentimento racista. Assim, estando presente o dolo específico de aviltar a honra subjetiva da vítima, deve o ofensor responder pelo crime tipificado no art. 140, § 3º, do CP. 2. Recurso conhecido e desprovido.” (TJ-DF 07016440920218070008 1691615, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, Data de Julgamento: 27/04/2023, 3ª Turma Criminal, Data de Publicação: 02/05/2023)

APELAÇÃO CRIMINAL. INVASÃO DE DOMICÍLIO QUALIFICADA. INJÚRIA RACIAL. DOLO ESPECÍFICO CARACTERIZADO. Mantém-se a condenação do crime de injúria qualificada quando a prova demonstra que foi ultrajada a dignidade da vítima, mediante palavras de conteúdo racial, referentes à cor da pele, em atitude autenticamente preconceituosa e discriminatória, ofendendo-lhe a...

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