Acórdão Nº 0000364-44.2019.8.24.0104 do Quinta Câmara Criminal, 13-02-2020
Número do processo | 0000364-44.2019.8.24.0104 |
Data | 13 Fevereiro 2020 |
Tribunal de Origem | Ascurra |
Órgão | Quinta Câmara Criminal |
Classe processual | Recurso em Sentido Estrito |
Tipo de documento | Acórdão |
ESTADO DE SANTA CATARINA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recurso em Sentido Estrito n. 0000364-44.2019.8.24.0104, de Ascurra
Relator: Des. Luiz Cesar Schweitzer
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME CONTRA A VIDA. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELA FUTILIDADE DO MOTIVO E EMPREGO DE ASFIXIA (CÓDIGO PENAL, ART. 121, § 2º, II E III). DECISÃO DE PRONÚNCIA. INSURGIMENTO DA DEFESA.
ALMEJADA IMPRONÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. SUBSTRATOS DE CONVICÇÃO APTOS A INDICAR A VINCULAÇÃO DO ACUSADO AO ILÍCITO. TESTEMUNHAS QUE REVELARAM A POSSÍVEL DINÂMICA DO FATO. VERSÃO CONVERGENTE COM O CONJUNTO PROBATÓRIO COLIGIDO AOS AUTOS. MATÉRIA A SER APRECIADA PELO TRIBUNAL DO JÚRI.
PRETENSO AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS. INVIABILIDADE. ELEMENTOS QUE APONTAM A PRÁTICA DELITIVA EM RAZÃO DA RECUSA DA VÍTIMA DE ENTREGAR AO RÉU CINQUENTA REAIS, TENDO SIDO CONSUMADA POR ASFIXIA MEDIANTE AFOGAMENTO. QUESTÃO A SER TAMBÉM DIRIMIDA PELOS JURADOS, COMPETENTES PARA A ANÁLISE VALORATIVA DAS PROVAS.
ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSOR NOMEADO. ATUAÇÃO NESTE GRAU DE JURISDIÇÃO. VERBA DEVIDA.
PRONUNCIAMENTO CONSERVADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito n. 0000364-44.2019.8.24.0104, da Unidade de Divisão Judiciária da comarca de Ascurra, em que é recorrente Arley Jaci Vasconcelos e recorrido o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:
A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, bem assim arbitrar em R$ 90,00 a remuneração devida ao defensor nomeado ao apelante, devendo a Divisão de Cumprimento de Acórdão e Processamento de Incidentes da Corte adotar as devidas providências para o respectivo pagamento. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado no dia 13 de fevereiro de 2020, os Exmos. Srs. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza e Antônio Zoldan da Veiga.
Representou o Ministério Público o Exmo. Sr. Procurador de Justiça Genivaldo da Silva.
Florianópolis, 17 de fevereiro de 2020.
Luiz Cesar Schweitzer
Presidente e RELATOR
RELATÓRIO
A representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com atuação perante o Juízo de Direito da Unidade de Divisão Judiciária da Comarca de Ascurra ofereceu denúncia em face de Arley Jacir Vasconcelos, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, II e III, do Código Penal, combinado com art. 1º, I, da Lei 8.072/1990, pela prática do fato delituoso assim narrado:
Noticiam referidos autos que no dia 16 de fevereiro de 2007 a vítima Dirceu Renildo Meira encontrava-se no bar do "Zeca Pitoco", em Apiúna, ingerindo bebidas alcoólicas. No local também se encontravam A. S. J. (17 anos) com alguns amigos, também fazendo uso de álcool, bem como o ora denunciado, alcunhado de MANCHA e o adolescente C. C.
Em razão de uma discussão havida dentro do referido bar entre MANCHA e A., este foi convidado a se retirar. No caminho para sua residência, A. foi seguido por MANCHA e por C., àquele armado de uma faca, quando, nas proximidades do portão que dá acesso à empresa Camargo Correa, começaram a brigar.
Os seguranças da Usina intercederam e fizeram cessar a contenda, tendo A. seguido para sua residência e C. e MANCHA retornaram ao bar do "Zeca Pitoco", local onde ainda estava a vítima.
No local, MANCHA, C. e a vítima passaram a brigar em razão de R$ 50,00. Por volta das 3h30 da madrugada, com o bar já fechado, a vítima seguiu o rumo da ponte e MANCHA a seguiu, tendo C. ficado na cabeceira da ponte.
E foi assim que, em razão da briga havida anteriormente, já no meio da ponte, MANCHA empurrou Dirceu, ainda vivo, de cima da ponte para dentro do Rio Itajaí-Açu.
No dia 19 de fevereiro de 2007 Dirceu Renildo Meira foi encontrado sem vida nas águas do Rio, tendo a morte sido causada por asfixia mecânica por afogamento.
Ao que se vê, o crime foi praticado por motivo fútil, ou seja, de pequena importância, eis que o denunciado resolveu matar a vítima em razão de uma briga envolvendo R$ 50,00 (cinqüenta reais).
Além disso, foi o crime cometido de forma cruel, pois para a consumação o denunciado jogou a vítima viva de cima da ponte do Rio Itajaí-Açu, fazendo-a sofrer até o momento final de sua morte por asfixia (afogamento) (sic, fls. 3-4 dos autos principais).
Encerrada a instrução preliminar, sobreveio decisão de pronúncia, determinando a sua submissão a julgamento perante o Tribunal do Júri, pela prática, em princípio, do crime descrito no art. 121, § 2º, II e III, do Estatuto Repressivo.
Inconformado, interpôs o réu recurso em sentido estrito, almejando a impronúncia, ao argumento de que inexistem nos autos indícios suficientes da autoria e da existência do crime. Subsidiariamente, postula o afastamento das qualificadoras, uma vez que não restaram configuradas.
Em suas contrarrazões, o Promotor de Justiça oficiante pugna pela preservação do pronunciamento vergastado.
Realizado o juízo de retratação, a decisão restou mantida.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça Raul Schaefer Filho, opinou pelo conhecimento e desprovimento do reclamo.
É o relatório.
VOTO
Presentes os respectivos pressupostos de admissibilidade, conhece-se da irresignação e passa-se à análise do seu objeto.
Nada obstante as ponderações constantes das razões recursais, o pleito de impronúncia não merece prosperar.
Consoante o disposto no caput do art. 413 da Norma Adjetiva Penal, ao se tratar de procedimento da competência do Tribunal do Júri, o "juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação".
É cediço que na presente etapa do procedimento de apuração dos crimes dolosos contra a vida vigora juízo perfunctório de conhecimento, de maneira que somente cabe a apreciação da admissibilidade da denúncia, sem que se realize exame vertical sobre o mérito da causa, incumbência privativa do Conselho de Sentença.
Nesse diapasão, não é dado ao Togado qualificar provas, porquanto a finalidade do indigitado interlocutório misto consiste em delimitar os termos da acusação e declarar a competência popular para apreciá-la, de modo que, caso esteja convencido do preenchimento dos requisitos insculpidos no referido dispositivo, deve encaminhar o agente a julgamento perante o Tribunal Popular, em atenção ao princípio do in dubio pro societate.
Conforme leciona Edilson Mougenot Bonfim:
O juiz pronunciará o réu caso se convença da existência do crime e de indícios suficientes de autoria, dando os motivos de seu convencimento. Até 1941 - ano da promulgação do CPP - as legislações anteriores cobravam para a pronúncia, a par da prova da materialidade delitiva, a presença de "indícios veementes" de autoria, expressão que, a partir de então, substituiu-se por "indícios suficientes", fórmula agora mantida na edição da nova lei. A "suficiência dos indícios" é, pois, menos do que a "veemência indiciária" - que pode haver, evidentemente, mas não é conditio sine qua non para a pronúncia -, mas, inquestionavelmente, é mais que um simples ou "mero indício". [...] Cobrou, pois, a lei, no que se refere à pronúncia, um majus em relação à presença de um simples indício, e um minus em relação à veemência desses. Por isso mesmo, à evidência, não exigiu certeza nesta fase. Donde concluir que a pronúncia não deve conter uma análise profunda do meritum causae. Assim, nessa decisão "apenas se reconhece a existência de um crime e a presença de suficientes indícios da responsabilidade do réu, apontando-se a direção a ser seguida pela ação penal". Na dúvida, cabe ao juiz pronunciar-se, encaminhando o feito ao Tribunal do Júri, órgão competente para o julgamento da causa. Nessa fase vigora a máxima in dubio pro societate (Código de processo penal anotado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 800).
A propósito, colhe-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
[...] 1. A decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, satisfazendo-se, tão somente, pelo exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria. A pronúncia não demanda juízo de certeza necessário à sentença condenatória, uma vez que as eventuais dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se em favor da sociedade - in dubio pro societate. (Agravo Regimental em Recurso Especial 1.363.973/MT, rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 23-4-2019).
O entendimento desta Corte não destoa:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO E ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE AGENTES. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. IRRESIGNAÇÃO DOS ACUSADOS. [...]
1. Consoante enunciado do artigo 413 do Código Processual Penal, há de ocorrer a pronúncia quando, convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, identifique elementos mínimos para potencial e futura condenação, cabendo a apreciação e resolução de eventuais controvérsias ao juízo natural constitucionalmente instituído. A existência do fato restou demonstrada e há suficientes indícios de autoria. Nesta primeira fase processual indaga-se da viabilidade acusatória, a sinalizar que a decisão de pronúncia não é juízo de mérito, mas de admissibilidade.
[...] (Recurso em Sentido Estrito n. 0002673-91.2018.8.24.0033, de Itajaí, rel. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza, j. 15-8-2019).
Na hipótese vertente, analisando o caderno principal, tem-se que a materialidade do crime contra a vida encontra respaldo em boletim de ocorrência (fls. 8), laudo necroscópico 45/2007 (fls. 9-11) e reconstituição do crime (fls. 65-70), além das narrativas acostadas ao feito, as quais pressagiam, outrossim, a sua autoria.
Com efeito, os relatos de A. S. J. foram uníssonos em todas as oportunidades em que inquirido (fls. 12, 14 e...
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