Acórdão Nº 0000397-11.2019.8.24.0144 do Segunda Câmara Criminal, 14-04-2020

Número do processo0000397-11.2019.8.24.0144
Data14 Abril 2020
Tribunal de OrigemRio do Oeste
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0000397-11.2019.8.24.0144, de Rio do Oeste

Relator: Des. Sérgio Rizelo

APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE PESSOAS (CP, ART. 155, § 4º, IV), FURTO SIMPLES (CP, ART. 155, CAPUT), FURTO NOTURNO (CP, ART. 155, § 1º) E FURTO QUALIFICADO PELA FRAUDE (CP, ART. 155, § 4º, II). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO.

1. CRIME CONTINUADO. LAPSO. MODUS OPERANDI. 2. TIPIFICAÇÃO. FRAUDE. ENTREGA VOLUNTÁRIA. 3. DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE. FRAÇÃO DE AUMENTO. 1/6. 4. JUSTIÇA GRATUITA. HIPOSSUFICIÊNCIA. 5. REMUNERAÇÃO DE DEFENSOR NOMEADO. ATUAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA. PARÂMETROS DE FIXAÇÃO (RESOLUÇÃO 5/19-CM/TJSC).

1. Não há se falar na ocorrência de continuidade delitiva se os crimes patrimoniais foram cometidos em interregno maior do que 30 dias entre si, e se praticados de maneiras diversas, contra diferentes pessoas, visando a alcançar bens distintos e sem união de desígnios.

2. Comete o crime de estelionato contra idoso, e não de furto qualificado pela fraude, o agente que engana pessoa idosa, fazendo-a pensar que seu filho emprestou-lhe sua roçadeira, para que ela voluntariamente entregue o bem.

3. O cálculo do acréscimo da pena-base deve iniciar pela pena mínima prevista no tipo penal e, sobre esse montante, incidir o patamar de aumento de 1/6 para cada circunstância judicial considerada negativa, salvo se estiver justificada a adoção de patamar diferente.

4. Comprovada a hipossuficiência econômica do acusado, deve ser deferido o benefício da justiça gratuita, sobretudo porque foi assistido por defensor dativo durante o processo.

5. A defensora nomeada para atuar em favor do acusado em ação penal, que apresenta recurso de apelação, faz jus à remuneração arbitrada conforme a tabela anexa à Resolução 5/19-CM/TJSC pelo trabalho desempenhado perante a Segunda Instância.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. DE OFÍCIO, CORRIGIDA A CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DE UM DOS DELITOS, READEQUADA A DOSIMETRIA DA PENA DO FURTO NOTURNO E FIXADOS HONORÁRIOS RECURSAIS À DEFENSORA NOMEADA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000397-11.2019.8.24.0144, da Comarca de Rio do Oeste (Vara Única), em que é Apelante Fernando Valler e Apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso; negar-lhe provimento; e, de ofício, corrigir a classificação jurídica de um dos delitos, readequar a dosimetria da pena do furto noturno, restando a reprimenda definitiva fixada em 6 anos, 5 meses e 3 dias de reclusão e 43 dias-multa e fixar honorários recursais à defensora dativa, no valor de R$ 351,00. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 14 de abril de 2020, os Excelentíssimos Desembargadores Salete Silva Sommariva (Presidente) e Norival Acácio Engel.

Florianópolis, 20 de abril de 2020.






Sérgio Rizelo

relator


RELATÓRIO

Na Comarca de Rio do Oeste, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Fernando Valler, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 155, § 4º, IV; 155, caput; 155, § 1º, e 155, § 4º, II, na forma do art. 69, todos do Código Penal; e em desfavor de Jean Stoll, atribuindo-lhe o cometimento do delito positivado no art. 180, caput, do Código Penal, nos seguintes termos:

Fato 1

No dia 18 de março de 2019, entre 16h e 17h, em residência situada na Localidade Ribeirão Borboleta, em frente à Igreja São Pedro e São Paulo, na cidade de Rio do Oeste/SC, em comunhão de esforços e união de desígnios com terceiro não identificado, o denunciado Fernando Valler subtraiu, para si, coisas alheias móveis consistentes em 1 (uma) roçadeira da marca Still 220, 1 (um) motor serra da Marca Still 08 e 1 (um) motor serra da marca Still 38, as quais foram avaliadas em R$ 6.905,99 (seis mil, novecentos e cinco reais e noventa e nove centavos) e pertenciam à vítima Salvelino Vargas, tio do denunciado.

Fato 2

No dia 08 de maio de 2019, em horário incerto, na Rua José Becker, 519, na cidade de Laurentino/SC, o denunciado Fernando Valler subtraiu, para si, coisa alheia móvel consistente em 1 (uma) bateria automotiva de 100 amperes, avaliada em R$ 600,00 (seiscentos) reais, pertencente à vítima Pedro Martins de Andrade.

Fato 3

No dia 10 de julho de 2019, em horário incerto, mas certamente durante o repouso noturno, na Rua Arcangelo Avi, 1817, Vila Nova, na cidade de Laurentino/SC, o denunciado Fernando Valler subtraiu, para si, coisas alheias móveis, consistente em 2 (dois) botijões de gás, avaliados em R$ 420,00 (quatrocentos e vinte reais), cada um pertencente às vítimas Natani Piccolin Trentini e Maria Piccolin.

Fato 4

No dia 17 de julho de 2019, por volta das 17h, na Rua Prefeito Armelindo Rosa, 1198, Fruteira, na cidade de Laurentino/SC, o denunciado Fernando Valler, mediante fraude, subtraiu, para si, coisa alheia móvel consistente em 1 (uma) roçadeira à gasolina da marca Stihl FS 220, avaliada em R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais), pertencente à vítima Vanderlei Campestrini.

Apurou-se que o denunciado Fernando Valler dirigiu-se até a residência da ofendida Lúcia Campestrini, situada no endereço supracitado, oportunidade em que afirmou mentirosamente que o filho dela, Vanderlei Campestrini (o qual não estava presente naquele momento) havia lhe emprestado a roçadeira supracitada, o que a induziu em erro e a fez entregar espontaneamente a res furtiva ao denunciado.

Fato 5

No dia 17 de julho de 2019, por volta das 21h, na Localidade Serra Laurentino, na cidade de Laurentino/SC, o denunciado Maicon Jean Stoll adquiriu, para si, coisa que sabia ser produto de crime, consistente em 1 (uma) roçadeira à gasolina da marca Stihl FS 220, pertencente à vítima Vanderlei Campestrini, por R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais).

Apurou-se que a res, avaliada em R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais), havia sido furtada por Fernando Valler no dia 17 de julho de 2019, conforme descrito no Fato 4 (fls. 183-185).

No curso do feito a denúncia foi aditada para incluir, como Denunciado, Edgar Zeferino, como coautor do "Fato 1", pelo que lhe foi imputada a prática do delito previsto no art. 155, § 4º, IV, do Código Penal, mantendo-se hígidos os demais termos da peça processual (fls. 298-302).

Em seguida, foi determinada a cisão do processo, tendo os presentes autos seguimento apenas no tocante a Fernando Valler, pois se encontrava segregado, sendo concluída a instrução do feito relativamente aos fatos a ele imputados.

Feito isso, a Doutora Juíza de Direito julgou procedente a exordial acusatória e condenou Fernando Valler à pena de 6 anos, 7 meses e 22 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente semiaberto, e 44 dias-multa, arbitrados individualmente no mínimo legal, pelo cometimento dos delitos previstos nos arts. 155, § 4º, IV; 155, caput; 155, § 1º, e 155, § 4º, II, na forma do art. 69, todos do Código Penal (fls. 409-437).

Insatisfeito, Fernando Valler deflagrou recurso de apelação (fl. 447).

Em suas razões, postulou o reconhecimento da ocorrência de crime continuado em relação a todos os fatos que lhe foram imputados.

No mais, pediu a concessão do benefício da gratuidade da justiça (fls. 448-455).

O Ministério Público ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (fls. 469-480).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Marcílio de Novaes Costa, posicionou-se pelo conhecimento e parcial provimento do apelo, apenas no tocante à fixação de honorários recursais à Excelentíssima Defensora nomeada que atuou em prol do Acusado (fls. 512-515).

Este é o relatório.


VOTO

Constata-se que foram narrados como "Fato 3" na denúncia furtos perpetrados contra duas Vítimas (Natani Piccolin Trentini e Maria Piccolin), atingindo patrimônios distintos, embora ocorridos no mesmo contexto. Assim sendo, estar-se-ia diante da ocorrência de dois delitos em continuidade (CP, art. 71, caput).

Não obstante, a Acusação classificou os fatos sem considerar a pluralidade de patrimônios e, assim, efetuou pedido de condenação por apenas um furto consumado, o que foi acatado na sentença resistida.

Considerando ser inviável a mutatio libelli nesta fase processual (STF, Súmula 453), bem como ter sido interposto apenas recurso defensivo, não se pode reconhecer, eventualmente, a ocorrência do segundo crime, de maneira que este voto se reporta apenas a um delito ao tratar do "Fato 3" da denúncia, respeitados os limites estabelecidos pelo Juízo de Primeiro Grau.

Superado isso, o recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

No mérito, não lhe cabe provimento.

Embora o Apelante Fernando Valler argumente que todos os crimes por si cometidos ocorreram em continuidade, isso não corresponde à realidade observada a partir das provas produzidas no contraditório.

É que, para que o instituto previsto no art. 71 do Código Penal seja reconhecido, é necessário que exista identidade de circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução dos delitos, a ponto de se poder concluir que os subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro.

Aferindo o critério temporal, assim, já há empecilho ao reconhecimento da continuidade entre os três primeiros delitos cometidos pelo Recorrente (datados de 18.3.19, 8.5.19 e 10.7.19), haja vista que se passou, entre cada um deles, interregno superior do que aquele considerado caracterizador da identidade de tempo, de acordo com a jurisprudência pacificada do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO...

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