Acórdão Nº 0000413-19.2018.8.24.0008 do Primeiro Grupo de Direito Criminal, 27-10-2021

Número do processo0000413-19.2018.8.24.0008
Data27 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeiro Grupo de Direito Criminal
Classe processualEmbargos Infringentes e de Nulidade
Tipo de documentoAcórdão
Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 0000413-19.2018.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

EMBARGANTE: TALISSON RODRIGO SANTOS DE LIMA (RÉU) EMBARGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Talisson Rodrigo Santos de Lima interpôs embargos infringentes contra o acórdão proferido pela Terceira Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça (docs. 6-9), que, por maioria, conheceu do recurso do réu e negou-lhe provimento. Vencido o Relator nessa parte, Excelentíssimo Senhor Desembargador Júlio César Machado Ferreira de Melo, que fixava o regime aberto para o resgate da reprimenda imposta ao embargante e substituía a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos (doc. 8). Redigiu o voto divergente vencedor o Excelentíssimo Senhor Desembargador Ernani Guetten de Almeida (doc. 9), que foi acompanhado do Excelentíssimo Senhor Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann.

Foram opostos embargos de declaração em face do acórdão, os quais, por unanimidade, não foram acolhidos, operando-se de ofício a retificação de parte da ementa (docs. 13-15).

O embargante pleiteou, em síntese, pela prevalência do voto vencido no sentido de fixar o regime aberto para o cumprimento inicial da pena e substituir a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos (doc. 17).

Aduziu que o regime semiaberto foi fixado considerando exclusivamente a existência de uma circunstância judicial negativa (antecedentes) e que isto violaria o princípio da individualização da pena e as Súmulas n. 718 e 719 do Supremo Tribunal Federal.

Argumentou que "o § 3.º do art. 33 do CP limita-se a estabelecer como critério subjetivo para estabelecimento do regime inicial da pena as circunstâncias do art. 59 do CP, que, no caso, são em sua esmagadora maioria favoráveis ao Embargante (7 das 8 circunstâncias)" (doc. 17, fl. 6).

Arrazoou, ainda, que "em homenagem à proporcionalidade que deve viger também na fase judicial da aplicação penal, especialmente na etapa de fixação do regime, e, considerando que o Embargante é primário, tem-se que o regime aberto seria a medida necessária/suficiente aos desideratos preventivos da reprimenda" (doc. 17, fl. 6).

No tocante à substituição da pena, também alegou que esta foi denegada somente em razão da constatação de uma única circunstância judicial negativa (antecedentes).

Defendeu, que "o Código Penal não exige que a pena-base seja fixada no mínimo legal. Segundo o teor do art. 44, III do CP, as penas restritivas de direitos substituem as privativas de liberdade quando "a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente" (doc. 17, fls. 9-10).

Requereu, ao final, o provimento do recurso para que seja reformado o acórdão nos termos do voto vencido.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça a Excelentíssima Senhora Doutora Jayne Abdala Bandeira, a qual se manifestou pelo conhecimento e desprovimento dos embargos infringentes (doc. 18).

Este é o relatório.

Documento eletrônico assinado por ANTONIO ZOLDAN DA VEIGA, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1474369v8 e do código CRC 336303df.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANTONIO ZOLDAN DA VEIGAData e Hora: 6/10/2021, às 16:22:58





Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 0000413-19.2018.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

EMBARGANTE: TALISSON RODRIGO SANTOS DE LIMA (RÉU) EMBARGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Consta do voto vencido que deveria ser fixado o regime inicial aberto para o cumprimento da pena, em vez do regime semiaberto, bem como deveria ser substituída a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, nos seguintes termos (doc. 8):

2. Do regime prisional

Pleiteia a defesa pela alteração do regime inicial de resgate da pena do semiaberto para o aberto.

Nesse ponto a pretensão merece acolhida.

O apelante, que é réu primário, foi condenado por delito praticado sem violência ou grave ameaça, fato tentado que não gerou qualquer prejuízo, à pena privativa de liberdade bastante inferior a um ano.

Em sendo esses os contornos da condenação, entendo que o regime mais adequado ao caso é, com efeito, o regime aberto, conclusão que não se altera pelo simples fato de o agente ostentar antecedentes (revelando-se insuficiente, inclusive, a fundamentação jurídica que apenas faz menção a essa circunstância negativada sem nada mais expor acerca desse histórico para justificar a necessidade de regime prisional mais gravoso).

Tenho manifestado, há muito, meu inconformismo com o fato de o furto ainda se inserir nos crimes de ação penal pública, quando na verdade deveria ser condicionado à representação.

Como sabido, após fixar o quantum da pena, deve o juiz estabelecer o regime a ser cumprido, devendo observar para tanto critérios objetivos e subjetivos.

O art. 33 do Código Penal preconiza, em seu parágrafo segundo, alínea "c", que "o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto"; em seguida, no parágrafo terceiro, estabelece que "a determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código". Há, portanto, espaço na lei tanto para o entendimento defendido neste voto, como para aquele preconizado na sentença (não obstante a ausência de fundamentação idônea, ao meu ver).

Acredito, contudo, que, ao enfrentarmos questões como a presente, como julgadores, não podemos perder de vista que a reposta penal traz em si consequências drásticas (por isso a intervenção mínima e a utilização do direito penal como ultima ratio). E especificamente no caso brasileiro, a submissão do indivíduo a um sistema prisional degradado, sem nenhuma política de efetiva reintegração social, na maioria das vezes, surte efeito contrário, sendo elevadíssimo o nosso índice de reincidência dos egressos do sistema correicional. Ainda assim, os nossos Poderes Legislativo e Judiciário prendem cada vez mais e prendem mal, sendo nítida a criminalização da pobreza.

Exatamente por esse necessário diálogo entre a dogmática penal e a política criminal é que andou muito bem a Suprema Corte, por seu Tribunal Pleno, quando, no julgamento conjunto dos HC n.º 123.108/MG, HC n.º 123.533/SP e HC n.º 123.734/MG, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, ocorrido em 3-8-2015, em que se revisitou com profundidade a matéria da insignificância penal, preconizou o desencarceramento nos casos de pequenos furtos, assentando que, "na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade". Exatamente o caso dos autos.

Oportuna a transcrição da ementa desse importante julgado:

PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA.1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo ("conglobante"), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados.2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: (i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade.3. No caso concreto, a maioria entendeu por não aplicar o princípio da insignificância, reconhecendo, porém, a necessidade de abrandar o regime inicial de cumprimento da pena.4. Ordem concedida de ofício, para alterar de semiaberto para aberto o regime inicial de cumprimento da pena imposta ao paciente.(HC 123108, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016)

Nessa mesma linha tem seguido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.MULTIRREINCIDÊNCIA. PRECEDENTES. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA. REGIME INICIAL. ABRANDAMENTO DO REGIME INICIAL DE...

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