Acórdão Nº 0000417-88.2014.8.24.0075 do Quinta Câmara Criminal, 27-02-2020

Número do processo0000417-88.2014.8.24.0075
Data27 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemTubarão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Criminal n. 0000417-88.2014.8.24.0075, de Tubarão

Relator: Des. Luiz Cesar Schweitzer

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA. INCÊNDIO EM CASA DESTINADA À HABITAÇÃO (CÓDIGO PENAL, ART. 250, § 1º, II, "A"). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGIMENTO DA DEFESA.

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. PLEITO DE CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. BENEFÍCIO DEFERIDO NO PRIMEIRO GRAU. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO.

MÉRITO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. SUSCITADA AUSÊNCIA DE DOLO NA CONDUTA. INVOCADA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. DESCABIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS EVIDENCIADAS. PALAVRAS DAS TESTEMUNHAS FIRMES E HARMÔNICAS EM AMBAS AS ETAPAS PROCEDIMENTAIS, CORROBORADAS PELOS DEMAIS SUBSTRATOS DE CONVICÇÃO CONSTANTES NO FEITO. ELEMENTOS ROBUSTOS O BASTANTE PARA EMBASAR O PRONUNCIAMENTO. PERFEITA SUBSUNÇÃO DA CONDUTA AO TIPO LEGAL. DÚVIDA INEXISTENTE. JUÍZO DE MÉRITO IRRETOCÁVEL.

AVENTADA DESCLASSIFICAÇÃO PARA A FORMA CULPOSA DO INJUSTO. NÃO ACOLHIMENTO. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO EVIDENCIADO.

ARBITRAMENTO, EX OFFICIO, DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSORA NOMEADA EXCLUSIVAMENTE PARA APRESENTAR AS RAZÕES DO RECLAMO. VERBA DEVIDA.

PRONUNCIAMENTO MANTIDO. RECURSO EM PARTE CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000417-88.2014.8.24.0075, da comarca de Tubarão (2ª Vara Criminal), em que é apelante Jaime da Silva e apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer em parte do recurso e negar-lhe provimento, bem assim, de ofício, arbitrar em R$ 270,00 a remuneração devida à defensora nomeada para apresentar as correlatas razões. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 27 de fevereiro de 2020, os Exmos. Srs. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza e Antônio Zoldan da Veiga.

Representou o Ministério Público o Exmo. Sr. Procurador de Justiça Aurino Alves de Souza.

Florianópolis, 2 de março de 2020.

Luiz Cesar Schweitzer

Presidente e RELATOR


RELATÓRIO

O representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com atuação perante o Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de Tubarão ofereceu denúncia em face de Jaime da Silva, dando-o como incurso nas sanções do art. 250, § 1º, II, "a", do Código Penal, pela prática do fato delituoso assim narrado:

Consta no incluso caderno indiciário que, no dia 18 de janeiro de 2014 (sábado), por volta das 3h40min, o denunciado Jaime da Silva causou incêndio na própria residência de madeira que habitava, situada na Rua Pedro Genovez Neto, s/n., Tubarão-SC, em proporção que consumiu totalmente a casa e expôs a perigo a vida e o patrimônio dos extremantes que no momento dormiam em sua residências, sendo que pelo menos uma delas fica situada aproximadamente dois metros da casa incendiada (residência de Sebastião Redivo Mota), e precisou ser "refirgerada" (molhada) para também não se incendiar (sic, fls. 83).

Encerrada a instrução, a Magistrada a quo julgou procedente o pedido formulado na inicial acusatória para condená-lo às penas de quatro anos de reclusão, a ser resgatada em regime inicialmente aberto, porém substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidades e limitação de fim de semana, e pagamento de treze dias-multa, individualmente arbitrados à razão de um trigésimo do salário mínimo vigente à época do fato, por infração ao preceito do art. 250, § 1º, II, "a", da lei de regência.

Inconformado, interpôs o réu recurso de apelação, objetivando sua absolvição ao argumento de que inexistem nos autos substratos de convicção suficientes de que tenha agido com dolo ao incendiar o imóvel ou com a intenção de expor a perigo indeterminado número de pessoas, devendo incidir o princípio do in dubio pro reo na espécie. Subsidiariamente, almeja a desclassificação do injusto para a forma culposa (Decreto-lei 2.848/1940, art. 250, § 2º) e, por fim, a isenção das custas processuais.

Em suas contrarrazões, o Promotor de Justiça oficiante pugna pela preservação da decisão vergastada.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça Rui Arno Richter, opinou pelo parcial conhecimento e desprovimento do reclamo.

É o relatório.

VOTO

A irresignação preenche apenas em parte os respectivos requisitos de admissibilidade, de maneira que deve ser conhecida unicamente na correlata extensão.

Inicialmente, cumpre registrar que carece de interesse recursal o pleito que visa a concessão da gratuidade da justiça, uma vez que o insurgente já foi agraciado com a benesse na origem por ocasião da sentença condenatória (fls. 184).

A propósito, julgados deste Sodalício:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. RECEPTAÇÃO SIMPLES (CP, ART. 180, CAPUT). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO.

[...]

PRETENDIDA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. BENESSE JÁ CONCEDIDA NA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECURSO NÃO CONHECIDO NO PONTO. [...] (Apelação Criminal n. 0006237-08.2019.8.24.0045, de Palhoça, rel. Des. Ernani Guetten de Almeida, j. 28-1-2020).

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO (ART. 150, CAPUT, DO CP) E DESOBEDIÊNCIA (ART. 330 DO CP). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

[...]

POSTULADA CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. BENESSE CONCEDIDA PELO JUÍZO A QUO QUE SE ESTENDE A ESTA INSTÂNCIA RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO, NO PONTO. [...] (Apelação Criminal n. 0000677-72.2016.8.24.0051, de Ponte Serrada, rel. Des. Volnei Celso Tomazini, j. 21-1-2020).

Logo, não se pode conhecer do insurgimento neste particular.

De resto, nada obstante as ponderações constantes das razões recursais, a pretensão absolutória não merece prosperar.

A infração penal que lhe foi irrogada e pela qual o apelante restou condenado está assim descrita do Código Penal:

Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:

Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.

§ 1º - As penas aumentam-se de um terço:

[...]

II - se o incêndio é:

a) em casa habitada ou destinada a habitação;

[...]

Estabelecendo relação entre a norma referida e a conduta praticada, tem-se que a materialidade do ilícito restou devidamente comprovada por meio do auto de prisão em flagrante n. 471.14.00008, fotografias (fls. 35-37), boletim de ocorrência (fls. 44-45), laudo pericial n. 9116.14.00132 (fls. 66-77) e pelas narrativas acostadas aos autos.

A autoria exsurge evidente.

Ouvido pela autoridade policial, o acusado Jaime da Silva negou ter agido com dolo, alegando que na data do fato revoltou-se com o fato de os bombeiros terem recusado o seu pedido de atendimento em razão das fortes dores que sentia nos braços e resolveu acender uma vela para se acalmar. Posteriormente, decidiu preparar um churrasco na parte externa do imóvel e quando percebeu este já estava em chamas (fls. 31).

Sob o crivo do contraditório, sustentou que na verdade teve um desentendimento com a ex-companheira, motivo pelo qual ingeriu bebida alcoólica e fez uso de medicamentos controlados que trazia consigo. Ao chegar em casa, decidiu assar um pedaço de carne na churrasqueira e acendeu duas velas para Nossa Senhora Aparecida. Na sequência, dirigiu-se até uma lanchonete próxima para comprar cervejas e, ao retornar, constatou que seu imóvel estava "pegando fogo", sendo certo que tentou apagá-lo, mas não obteve êxito.

Confirmou que em oportunidade pretérita quase incendiou o caminhão de um indivíduo com o qual havia discutido, mas também estava sob efeitos da referida medicação (fls. 127).

Por outro lado, sua tia e vizinha Celenir Teixeira da Silva afirmou em ambas as etapas procedimentais que o acusado bateu na janela do seu quarto pedindo que chamasse o SAMU porque estava com fortes dores nos braços. Efetuou ligação telefônica e foi informada de que os profissionais não se deslocariam até lá porque Jaime da Silva já havia recebido atendimento médico no hospital, ressaltando que deveria orientá-lo a fazer o uso dos medicamentos prescritos e retornar no dia seguinte.

Após repassar tais informações ao sobrinho, deitou-se novamente e depois de algum tempo ouviu "estalos" de fogo. Constatou que o réu havia acendido a churrasqueira e acabou voltando para a cama, mas depois de algum tempo os barulhos ficaram mais frequentes e sentiu um forte cheiro de fumaça. Levantou-se e viu que a casa de Jaime da Silva estava queimando.

Ao perguntar se havia deixado algum objeto ligado, o apelante, que estava embriagado, respondeu que sua ação foi proposital e ameaçou atear fogo no seu imóvel também (fls. 28-29 e 126).

No mesmo sentido, Rodrigo Clara asseverou judicialmente que o...

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