Acórdão Nº 0000440-68.2019.8.24.0104 do Segunda Câmara Criminal, 10-03-2020

Número do processo0000440-68.2019.8.24.0104
Data10 Março 2020
Tribunal de OrigemAscurra
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0000440-68.2019.8.24.0104, de Ascurra

Relator: Des. Sérgio Rizelo

APELAÇÃO CRIMINAL. AMEAÇA (CP, ART. 147). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO.

1. DIALETICIDADE. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. 2. PRELIMINAR. INÉPCIA DA DENÚNCIA. REQUISITOS (CPP, ART. 41). 3. PROVAS DA OCORRÊNCIA E DA AUTORIA. PALAVRAS DA VÍTIMA. DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS. RELATOS DOS POLICIAIS. CONFISSÃO QUALIFICADA. APREENSÃO DA FACA. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS. 4. PENA-BASE. AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. SÚMULA 231 DO STJ. MAUS ANTECEDENTES. 5.1. REGIME. SEMIABERTO. REINCIDÊNCIA. 5.2. SUBSTITUIÇÃO. AMEAÇA. REINCIDÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. 5.3. SURSIS. REINCIDÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. 6. REMUNERAÇÃO DE DEFENSOR NOMEADO. ATUAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA. PARÂMETROS DE FIXAÇÃO (RESOLUÇÃO 5/19-CM/TJSC).

1. Não há ofensa à dialeticidade recursal se o acusado, nas razões recursais, apresenta pedido genérico de revisão da condenação, porque a Constituição Federal e o Pacto de San José da Costa Rica garantem a aplicação da justa pena ao condenado e a possibilidade de revisão, a qualquer tempo, de manifesta injustiça ou erro técnico em seu prejuízo.

2. Não é inepta a exordial acusatória que qualifica o agente; descreve que ele prometeu causar mal injusto e grave à vítima apontando-lhe uma faca, dizendo que a encheria de "furos" e que a mataria; imputa-lhe, ante tal agir, a prática do crime previsto no art. 147 do Código Penal; e traz o rol de testemunhas.

3. São provas da ocorrência e da autoria do crime de ameaça as palavras firmes e coerentes da vítima, no sentido de que o acusado prometeu matá-la enquanto apontava-lhe uma faca, o que a amedrontou; corroboradas pelas palavras de seu esposo; dos policiais militares que atenderam a ocorrência e encontraram a arma branca junto às posses do acusado; do próprio agente, que reconheceu ter assustado a ofendida falando "bobagens"; e as circunstâncias do delito, que fizeram a ofendida fugir de casa até a residência dos vizinhos, de onde chamou os agentes públicos.

4. A pena-base não pode ser fixada aquém do mínimo legal, devendo, pelo contrário, ser mantida a sua exasperação se o acusado conta com maus antecedentes.

5.1. Em regra, deve ser fixado o regime inicialmente semiaberto ao agente reincidente condenado à pena de detenção inferior a 4 anos.

5.2. É inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos se o crime foi cometido com ameaça à pessoa, o acusado é reincidente e possui maus antecedentes.

5.3. É descabida a suspensão da pena ao acusado reincidente e que conta com maus antecedentes.

6. O defensor nomeado para atuar em favor do acusado em ação penal, que apresenta recurso de apelação, faz jus à remuneração arbitrada conforme a tabela anexa à Resolução 5/19-CM/TJSC pelo trabalho desempenhado perante a Segunda Instância.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO PARA FIXAR HONORÁRIOS AO DEFENSOR NOMEADO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000440-68.2019.8.24.0104, da Comarca de Ascurra (Vara Única), em que é Apelante Cristiano Castelani e Apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, apenas para fixar honorários recursais ao Defensor nomeado, no valor de R$ 180,00. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 10 de março de 2020, os Excelentíssimos Desembargadores Salete Silva Sommariva (Presidente) e Norival Acácio Engel.

Florianópolis, 11 de março de 2020.

Sérgio Rizelo

relator


RELATÓRIO

Na Comarca de Ascurra, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Cristiano Castelani, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 147 e 155, § 4º, II, do Código Penal, nos seguintes termos:

Fato 1 - furto

No dia 28 de abril de 2019, por volta das 21h, no interior da residência situada na Vila Franzoi, s/n, Bairro Subida, Apiúna/SC, o denunciado Cristiano Castelani, consciente e voluntariamente, subtraiu para si 1 (um) aparelho celular, marca LG, conforme auto de exibição e apreensão de fl. 11 e termo de entrega de fl. 16, bem móvel de propriedade da vítima Jussiara Pereira Marçal.

Registre-se que o fato criminoso se deu mediante abuso de confiança, já que a ofendida, na condição de sobrinha do denunciado, deu-lhe abrigo em sua residência pois ele não tinha onde ficar, permitindo que ficasse com ela residindo para evitar situação de rua, ocasião em que, aproveitando-se dessa condição de confiança, o denunciado Cristiano Castelani subtraiu em proveito próprio o bem móvel acima mencionado.

Fato 2 - ameaça

Não satisfeito, nas mesmas circunstâncias de local e horário já transcritas, o denunciado Cristiano Castelani consciente e voluntariamente, após ser questionado pela ofendida acerca do desaparecimento do aparelho celular, prometeu causar mal injusto e grave à vítima Jussiara Pereira Marçal, sua sobrinha, mediante o porte ostensivo de uma faca, dizendo-lhe que iria enchê-la de furos, que iria matá-la (fls. 39-40).

Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito Josmael Rodrigo Camargo julgou parcialmente procedente a exordial acusatória e absolveu Cristiano Castelani da imputação referente ao crime previsto no art. 155, § 4º, II, do Código Penal, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal, condenando-o à pena de 1 mês e 5 dias de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente semiaberto, pelo cometimento do delito previsto no art. 147 do Código Penal (fls. 136-154).

Insatisfeito, Cristiano Castelani deflagrou recurso de apelação (fl. 168).

Em suas razões, sustentou a inépcia da denúncia, por não indicar o rito a ser seguido no processo, nem elucidar pormenorizadamente, a seu ver, as circunstâncias do delito.

Requereu, ainda, a proclamação da sua absolvição por insuficiência probatória.

Subsidiariamente, pleiteou a redução da pena-base aquém do mínimo legal; a adoção do regime inicial de resgate da reprimenda mais leniente; e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, o reconhecimento de eventual prescrição ou de outros benefícios que, de ofício, esta Corte entenda cabíveis.

Finalmente, pugnou pela fixação de honorários recursais ao Excelentíssimo Defensor nomeado para atuar em sua defesa (fls. 180-185).

O Ministério Público ofereceu contrarrazões pelo parcial conhecimento e desprovimento do reclamo, por entender que os pedidos genéricos de diminuição da pena ofendem a dialeticidade recursal (fls. 192-201).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça José Eduardo Orofino da Luz Fontes, posicionou-se pelo parcial conhecimento e desprovimento do apelo, acrescentando que os honorários do Excelentíssimo Defensor Dativo, na origem, foram fixados no máximo previsto na Resolução CM 5/2019, sendo impossível sua majoração (fls. 208-215).

Este é o relatório.


VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

1. Afasta-se a preliminar arguida pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, que pretende que o apelo deflagrado por Cristiano Castelani não seja inteiramente conhecido, sob o argumento de que os pedidos de redução e substituição da pena são genéricos, o que, no seu entender, ocasiona ofensa ao princípio da dialeticidade.

Não se desconhece que uma parcela da jurisprudência partilha o entendimento segundo o qual "o efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito processual penal pátrio" (STJ, HC 300.161, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 6.11.14).

Todavia, ousa-se divergir, respeitosamente.

O paradigma constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da individualização da pena (art. 5º, XLVI) culmina na inafastável conclusão de que o princípio da dialeticidade recursal não se aplica ao acusado no âmbito do processo penal, exceto no que diz respeito aos recursos dirigidos aos Tribunais de Superposição.

Tal convicção é reforçada pela possibilidade de se instrumentalizar, a qualquer tempo, revisão criminal (CPP, art. 622) e garantir-se, enquanto direito fundamental, que "o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença" (CF, art. 5º, LXXV).

Nesse contexto, por exemplo, o apenamento injusto e incorreto, mesmo que a diferença seja de apenas um dia, configura encarceramento arbitrário, a ofender, inclusive, o art. 7º, 3, da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário e cujo texto já se encontra incorporado ao ordenamento pátrio, por força do Decreto 678/92.

Bem por isso que a revisão da condenação, com a irresignação, e do apenamento, em sede recursal, pode dar-se até mesmo de ofício, quando houver manifesta injustiça ou impropriedade técnica, consoante reiterados precedentes desta Corte de Justiça (desta Segunda Câmara, verbi gratia, citam-se: Apelações Criminais 2014.065697-2, Rel. Des. Getúlio Corrêa, j. 21.10.14; 2014.016950-3, Relª. Desª. Salete Silva Sommariva, j. 14.10.14; e 2014.024047-0, Rel. Des. Volnei Celso Tomazini, j. 2.9.14).

Assim, o pleito defensivo, ainda que dotado de certa generalidade, visa a garantir a plenitude da defesa ao jurisdicionado e deve ser integralmente conhecido.

Afasta-se, pois, a preliminar deduzida pelo Excelentíssimo membro do Parquet.

2. Ainda em sede...

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