Acórdão Nº 0000446-44.2018.8.24.0061 do Segunda Câmara Criminal, 31-08-2021

Número do processo0000446-44.2018.8.24.0061
Data31 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0000446-44.2018.8.24.0061/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

APELANTE: KEROLAYNE CRISTINA MATIAS (RÉU) ADVOGADO: JOAO LUIZ VIEIRA FILHO (OAB SC047923) APELANTE: YASMIN CORREA DOMINONI GOMES (RÉU) ADVOGADO: ANA CRISTINA RIBEIRO DA SILVA (OAB SC048502) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de São Francisco do Sul, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Kerolayne Cristina Matias e Yasmin Correa Dominoni Gomes, imputando-lhes a prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/06, nos seguintes termos:

No dia 21 de fevereiro de 2018, por volta das 17h30min., na Rua Engenheiro Leite Ribeiro, proximidades do trilho do trem, na área conhecida como "rabo azedo", no centro desta cidade de São Francisco do Sul/SC, as denunciadas Kerolayne Cristina Matias e Yasmin Correa Dominoni Gomes transportavam, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, no veículo Renault/Clio, placas MOS-5200, de propriedade de Yasmin (fl. 11), 1 (um) torrão de maconha pesando aproximadamente 434g (fls. 22, 24 e fotografia de fl. 25).

Por ocasião dos fatos, Policiais Militares realizavam blitz de rotina em referido logradouro, quando verificaram que o automóvel conduzido pela denunciada Yasmin e, tendo como caroneira Kerolayne, se aproximava, constatando-se que aquela arremessou para fora do carro, pela janela da motorista, uma mochila escura.

O veículo foi parado pela guarnição, enquanto um dos policiais foi até o local em que jogada a mochila, verificando que nela acondicionado o torrão de maconha acima especificado (Evento 20).

Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito julgou procedente a exordial acusatória e condenou, pelo cometimento do delito previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/06:

a) Kerolayne Cristina Matias à pena de 5 anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente semiaberto, e 500 dias-multa; e

b) Yasmin Correa Dominoni Gomes à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente semiaberto, e 583 dias-multa (Evento 315, doc36654).

Insatisfeitas, Kerolayne Cristina Matias e Yasmin Correa Dominoni Gomes deflagraram recursos de apelação.

Nas suas razões de insurgência, Kerolayne Cristina Matias alega, preliminarmente, a ilicitude da prova pericial, "porque o conteúdo dos aparelhos telefônicos foi devassado pela autoridade policial, sem a devida autorização judicial. Não obstante, é latente a ocorrência de quebra da cadeia de custódia, pois os equipamentos teriam sido analisados por policiais, antes mesmo de serem encaminhados à perícia".

De forma subsidiária, requer sua absolvição com fundamento no princípio in dubio pro reo, sustentando a ausência de prova acerca da destinação do entorpecente apreendido.

Ainda, pugna pelo reconhecimento da modalidade privilegiada do delito, o consequente abrandamento do regime prisional e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (Evento 375).

A seu turno, Yasmin Correa Dominoni Gomes suscita a proclamação da ilicitude da prova consistente na extração de dados dos aparelhos celulares apreendidos.

Aduz, alternativamente, a ocorrência de vício extra petita, argumentando que o Magistrado sentenciante utilizou conversas ocorridas em datas distintas daquela apontada na denúncia para afirmar que ela participava do comércio de entorpecentes.

Pugna pela decretação da sua absolvição diante do suposto quadro de anemia probatória "acerca de sua autoria e ilicitude, respeitando-se a máxima in dubio pro reo".

Pleiteia a redução da sua pena, na forma do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06, assim como o estabelecimento do regime aberto ao seu resgate.

Por fim, requer a restituição do veículo apreendido (Evento 14).

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento dos reclamos (Eventos 380 e 18).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Carlos Henrique Fernandes, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento dos apelos (Evento 24).

VOTO

Os recursos preenchem os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual devem ser conhecidos.

1. As Apelantes Kerolayne Cristina Matias e Yasmin Correa Dominoni Gomes almejam o reconhecimento da ilicitude do exame pericial de extração de dados de aparelhos celulares (Eventos 128-192), argumentando que não houve autorização judicial para a devassa do conteúdo dos telefones apreendidos.

Com razão.

Extrai-se dos autos que os Policiais Militares Élbio Luiz Neumann e Guilherme Teixeira realizavam abordagem de rotina no bairro Bela Vista, em São Francisco do Sul, quando o último avistou o momento em que uma bolsa foi arremessada pela janela dianteira esquerda (lado do motorista) do Renault/Clio, placas MOS-5200, que era conduzido por Yasmin Correa Dominoni Gomes e ocupado também por Kerolayne Cristina Matias. Após a abordagem e recuperação da bolsa defenestrada, os Agentes Estatais encontraram, no interior dela, um torrão de erva popularmente conhecida como maconha, pesando aproximadamente 425g (Evento 87, doc36690 e Evento 162, doc36685).

Até esse momento não houve ilegalidade na abordagem ou na consequente apreensão dos bens possivelmente relacionados ao fato (CPP, art. 6º, II), caso de aparelhos telefônicos, cuja utilização no comércio de entorpecentes é corriqueira. Destaca-se, inclusive, a inexistência de indícios de que os Policiais Militares atuantes na prisão em flagrante tenham irregularmente acessado o conteúdo dos telefones, sendo descabida a alegação de quebra da cadeia de custódia.

Ocorre que, depois disso, a Autoridade Policial determinou a elaboração de exame pericial para extração de dados dos celulares das Recorrentes (Evento 2, doc26), sem a autorização das proprietárias dos bens ou do Juízo competente.

É cediço que o Delegado de Polícia pode e deve "colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias", assim como "determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias" (CPP, art. 6º, III e VII). Nada obstante, deve observar as matérias sujeitas à reserva de jurisdição, caso da quebra do sigilo de dados e das comunicações telefônicas (CF, art. 5º, XII) e da violação das comunicações privadas armazenadas (Lei 12.965, art. 7º, III).

Embora existam precedentes antigos do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o acesso a mensagens de celular "não caracteriza interceptação telefônica, sendo despicienda a prévia autorização judicial" (HC 210.746, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 26.6.12), é seguro afirmar que o posicionamento mais recente da referida Corte orienta que qualquer das mencionadas práticas viola a Constituição Federal.

A propósito, citam-se decisões proferidas em casos semelhantes:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE PROCESSUAL. PROVAS OBTIDAS POR MEIO DE TELEFONE CELULAR APREENDIDO. MENSAGENS DE WHATSAPP. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. NULIDADE CONSTATADA. PROVAS INADMISSÍVEIS. DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO. 1. Esta Corte Superior de Justiça considera ilícita o acesso aos dados do celular e das conversas de whatsapp extraídas do aparelho celular apreendido em flagrante, quando ausente de ordem judicial para tanto, ao entendimento de que, no acesso aos dados do aparelho, se tem a devassa de dados particulares, com violação à intimidade do agente. Precedentes: RHC 89.981/MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 13/12/2017; RHC 51.531/RO, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 09/05/2016. No caso, a obtenção dos dados telefônicos do recorrente se deu em violação de normas constitucionais e legais, a revelar a inadmissibilidade da prova, nos termos do art. 157, caput, do Código de Processo Penal, de forma que, devem ser desentranhadas dos autos, bem como aquelas derivadas, devendo o Magistrado de origem analisar o nexo de causalidade e eventual existência de fonte independente, nos termos do art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal. Recurso ordinário em habeas corpus provido para reconhecer a ilicitude da colheita de dados dos aparelhos telefônicos (conversas de whatsapp), sem autorização judicial, devendo mencionadas provas, bem como as derivadas, serem desentranhadas dos autos, competindo ao Magistrado de origem analisar o nexo de causalidade e eventual existência de fonte independente, nos termos do art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal (RHC 73.998, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 19.2.18).

Ainda:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ACESSO DE MENSAGENS DE TEXTO VIA WHATSAPP. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. ART. 5º, X E XII, DA CF. ART. 7º DA LEI N. 12.965/2014. NULIDADE. OCORRÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO. 1. A Constituição Federal de 1988 prevê como garantias ao cidadão a inviolabilidade da intimidade, do sigilo de correspondência, dados e comunicações telefônicas, salvo ordem judicial. 2. A Lei n. 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, em seu art. 7º, assegura aos usuários os direitos para o uso da internet no Brasil, entre eles, o da inviolabilidade da intimidade e da vida privada, do sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, bem como de suas comunicações privadas armazenadas. 3. A quebra do sigilo do correio eletrônico somente pode ser decretada, elidindo a proteção ao direito, diante dos requisitos próprios de cautelaridade que a justifiquem idoneamente, desaguando em um quadro de imprescindibilidade da providência (HC 315.220/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 15/09/2015, DJe 09/10/2015). 4. Com o avanço tecnológico, o aparelho celular deixou de ser apenas um instrumento de comunicação interpessoal. Hoje, é possível ter acesso a diversas...

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