Acórdão Nº 0000455-44.2016.8.24.0071 do Quarta Câmara Criminal, 20-02-2020

Número do processo0000455-44.2016.8.24.0071
Data20 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemTangará
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0000455-44.2016.8.24.0071

Relator: Desembargador Sidney Eloy Dalabrida

APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE DE ARMAS DE FOGO, ACESSÓRIOS E MUNIÇÕES DE USOS PERMITIDO E RESTRITO E PRODUÇÃO E/OU RECARGA DE MUNIÇÕES E GUARDA E DEPÓSITO DE ESPÉCIES DA FAUNA SILVESTRE (ARTS. 12, 16, CAPUT, E PARÁGRAFO ÚNICO, VI, AMBOS DA LEI N. 10.826/03 E 29, § 1º, III, DA LEI N. 9.605/98). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO.

CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. AUSÊNCIA DE OFERECIMENTO DE TRANSAÇÃO PENAL. CONCURSO DE CRIMES. SOMA DE PENAS QUE ULTRAPASSA A PREVISÃO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. PLEITO DE AFASTAMENTO DO INCISO I DO § 4º DO ART. 29 DA LEI N. 9.608/98. INVIABILIDADE. LAUDO PERICIAL ATESTANDO A EXTINÇÃO DAS ESPÉCIE. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO. CARÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. PROVIDÊNCIA JÁ ADOTADA NA SENTENÇA. NÃO CONHECIMENTO, NO PONTO.

ESTATUTO DO DESARMAMENTO. POSSE DE ARMAS DE FOGO DE USO RESTRITO E PERMITIDO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO. IMPROCEDÊNCIA. VIOLAÇÃO DE BENS JURÍDICOS DISTINTOS. CONCURSO FORMAL MANTIDO, NOS MOLDES DA SENTENÇA.

PLEITOS DE MINORAÇÃO DAS REPRIMENDAS, ABRANDAMENTO DE REGIME INICIAL E SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. NÃO CONHECIMENTO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. VIABILIDADE, AINDA QUE NA FORMA QUALIFICADA, HAJA VISTA QUE UTILIZADA NA SENTENÇA. SÚMULA 545 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO EXPRESSA ACERCA DE TODOS OS DISPOSITIVOS INVOCADOS. TESES DEVIDAMENTE APRECIADAS NO JULGADO.

APELO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000455-44.2016.8.24.0071, da comarca de Tangará Vara Única em que é Apelante Rafael Aldemir Pelicioli e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e dar-lhe parcial provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado na data de 20 de fevereiro de 2020, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador José Everaldo Silva, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Desembargador Zanini Fornerolli. Funcionou como representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Francisco Bissoli Filho.

Florianópolis, 26 de fevereiro de 2020.

Desembargador Sidney Eloy Dalabrida

Relator


RELATÓRIO

Na comarca de Tangará, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Rafael Aldemir Pelicioli, imputando-lhe a prática dos delitos capitulados nos arts. 12 (na forma do art. 71 do CP), 16, caput, e parágrafo único, VI (na forma do art. 71 do CP), todos da Lei n. 10.826/03, e no art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, por 76 vezes, na forma do art. 71 do CP, em concurso material, pois, segundo consta na inicial:

No dia 23 de junho de 2016, por volta das 16h, na Rua Pedro José Rabuske, n. 743, Centro, Pinheiro Preto/SC, o denunciado RAFAEL ALDEMIR PELICIOLI, de forma consciente e voluntária, mantinha em sua residência armas de fogo, acessórios e munições de uso permitido consistentes em: 2 (duas) espingardas, marca não informada, capacidade para um tiro; 1 (uma) espingarda, marca Boito, com capacidade para dois tiros; 1 (um) rifle, marca CBC, com capacidade para onze tiros; 1 (um) revolver, marca Taurus, com capacidade para seis tiros; 1 (uma) pistola de marca Browning, com capacidade para seis tiros; além de 539 (quinhentos e trinta e nove) munições calibre. 22, marca CBC intactas; 1 (uma) munição calibre .44 intacta; 5 (cinco) munições calibre .32 intactas; 16 (dezesseis) munições calibre .38 0intactas; 1 (uma) munição .40 intacta; 2 (duas) munições calibre .25 intactas ; 4(quatro) munições potes com chumbo para recarga de cartuchos; 1 (uma) balança para pesagem de pólvora e chumbo; 1 (um) carregador de rifle; 2 (duas) cartucheiras de cor preta; 1 (uma) cartucheira de cor marrom , contendo 16 (dezesseis) munições intactas de calibre .36; 3 (três) coldres de cor preta; 1 (uma) caixa de munição com 250 (duzentas e cinquenta) munições calibre .12, intactas em uma caixa lacrada; 3 (três) caixas de munição contendo 75 (setenta e cinco) munições de calibre .12, intactas; 1 (um) saco de cor preta contendo cartuchos deflagrados; sem marca; 1 (uma) luneta marca Tasco Pronghorn; 1 (uma) luneta 4X32 EG sem marca, todos em desacordo com disposição regulamentar.

Na residência também foi localizado 1 (um) silenciador de polímero utilizado em arma de fogo, acessório de uso restrito, também em desacordo com disposição regulamentar.

Nas mesmas condições de tempo e local, o denunciado RAFAEL ALDEMIR PELICIOLI produziu, recarregou e adulterou, de qualquer forma, munição, uma vez que em sua residência foram localizados: 1 (um) saco na cor preta contendo buchas para recarga de cartuchos; 2 (dois) potes contendo pólvora marca CBC; 1 (um) pote contendo chumbo para recarga de cartuchos; 3 (três) munições com embalagens contendo espoletas, 1 (uma) máquina de carregamento de cartuchos marca D Alva Ltda série MC1, todas sem numeração, utilizadas para recarga de cartuchos.

Insta consignar que o denunciado não possuía autorização (porte/registro) da Polícia Federal, assim estando em desacordo com a determinação legal do art. 5º, § 1º, da Lei n. 10.826/06 (Estatuto do Desarmamento) e do Decreto n. 5.123/2004 (Regulamento do Estatuto do Desarmamento).

Ademais, nas mesmas condições dos delitos anteriores, ou seja, no dia 23 de junho de 2016, por volta das 16h, na Rua Pedro José Rabuske, n. 743, Centro, Pinheiro Preto/SC, o denunciado RAFAEL ALDEMIR PELICIOLI guardou, em depósito, 76 espécimes da fauna silvestre, já abatidas, congeladas e prontas para o consumo, totalizando aproximadamente 40 quilos de carne, com sinais de terem sido abatidas por meio de armas de fogo, nos termos do laudo pericial de fls. 51/59 (fls. 80-84).

Finalizada a instrução, o Magistrado a quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado na denúncia, para condenar o réu ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 7 (sete) anos e 1 (um) mês de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 1 (um) ano de detenção, em regime inicial aberto, além do pagamento de 38 (trinta e oito) dias-multa, fixados no mínimo legal, por infração ao disposto nos arts. 12, 16, caput, e parágrafo único, VI, ambos da Lei n. 10.826/03 e 29, § 1º, III, da Lei n. 9.608/98 (fls. 187-215).

Inconformado com a prestação jurisdicional, o réu interpôs apelação criminal, mediante a qual requereu, quanto ao crime do art. 29 da Lei n. 9.605/08, a concessão dos benefícios da Lei n. 9.099/95, ou, subsidiariamente, o afastamento da causa de aumento, sustentando a inexistência de laudo pericial para confirmar "a existência de carcaça de cateto" (fl. 236) e, ainda, o reconhecimento de crime único.

Em relação aos delitos da Lei n. 10.826/03, pleiteou, também, o reconhecimento de crime único e, mantida a condenação, que o aumento da pena referente à quantidade de armas/munições apreendidas seja no mínimo legal. No mais, pugnou pela aplicação da atenuante da confissão espontânea, com a consequente fixação da reprimenda, de todos os delitos, no mínimo legal. Ao final, almejou o regime aberto para o início do resgate da pena, a substituição por medidas restritivas de direitos e o prequestionamento "dos dispositivos federais debatidos no presente feito" (fls. 230-244).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 248-263), a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Exmo. Dr. Marcílio de Novaes Costa, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do reclamo (fls. 299-305).

VOTO

Cuida-se de apelação criminal à sentença que condenou Rafael Ademir Pelicioli à pena de 7 (sete) anos e 1 (um) mês de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 1 (um) ano de detenção, em regime inicial aberto, além do pagamento de 38 (trinta e oito) dias-multa, fixados no mínimo legal, por infração ao disposto nos arts. 12, 16, caput, e parágrafo único, VI, ambos da Lei n. 10.826/03 e 29, § 1º, III, da Lei n. 9.608/98.

1 Do delito ambiental

1.1 Pretende a defesa a concessão dos benefícios da Lei n. 9.099/95, pois "tal circunstância deve ser analisada especificamente com relação ao tipo penal considerado de menor potencial ofensivo violado e não em conjunto com os demais tipos penais de competência do juízo comum" (fl. 232).

Inicialmente, registre-se que constitui requisito objetivo para oferecimento da transação penal, pelo Ministério Público, que o crime ou contravenção cuja autoria recaia sobre o agente possua pena máxima não superior a 2 (dois) anos, da mesma forma que, para a concessão do benefício da suspensão condicional do processo, o ilícito tenha pena mínima cominada não superior a 1 (um) ano.

Contudo, conforme bem anotado pelo douto Procurador de Justiça (fl. 300), "a aplicação dos benefícios legais elencados deve observância aos institutos do concurso formal, do concurso material e da continuidade delitiva, sendo inviável a aplicação dos institutos quando a pena mínima ou máxima, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapasse os limites fixados para a concessão dos benefícios da Lei n. 9.099/95".

Quanto à inviabilidade de separação da conduta de menor potencial ofensivo dos demais delitos cometidos em concurso formal ou material para fins de aplicação das benesses contidas na Lei n. 9.099/95, o enunciado sumular n. 243 do Superior Tribunal de Justiça é claro: "o benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de 1 (um) ano".

Nesse sentido:

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