Acórdão Nº 0000492-77.2011.8.24.0061 do Segunda Câmara de Direito Civil, 23-01-2020

Número do processo0000492-77.2011.8.24.0061
Data23 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemSão Francisco do Sul
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão






Apelação Cível n. 0000492-77.2011.8.24.0061, de São Francisco do Sul

Relator: Desembargador Rubens Schulz

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL. VAZAMENTO DE ÓLEO E PRODUTOS QUÍMICOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR E DAS RÉS.

PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA E INÉPCIA DA INICIAL. PREFACIAIS FUNDADAS NA FALTA DA QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DO DEMANDANTE. INSUBSISTÊNCIA. ELEMENTOS PROCESSUAIS QUE DEMONSTRAM A CONDIÇÃO DE MARICULTOR DO REQUERENTE. TESE RECHAÇADA.

ILEGITIMIDADE PASSIVA DA EMPRESA ARCELORMITTAL. ARGUIDA FALTA DE VINCULAÇÃO DESTA COM OS FATOS NARRADOS NA PEÇA INICIAL. NEXO CAUSAL EVIDENCIADO. NAUFRÁGIO DE EMBARCAÇÃO A SERVIÇO DA REFERIDA PESSOA JURÍDICA. PRECEDENTES. LEGITIMIDADE EVIDENCIADA.

Em razão dos princípios ambientais da solidariedade intergeracional e do poluidor-pagador, observa-se que houve a contribuição (mesmo que indireta) da Arcelormittal para que houvesse o infeliz episódio do derramamento de óleo causador da poluição narrada nestes autos

PREJUDICIAL DE CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. ARCABOUÇO PROBATÓRIO SUFICIENTE À FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO DO JULGADOR. POSSIBILIDADE DE JULGAR ANTECIPADAMENTE.

"Não atenta contra a Constituição Federal nem contra o Código de Processo Civil o magistrado, por cerceamento de defesa, quando antecipa o julgamento da lide e põe de lado o desejo da parte de realizar outras provas, se entender que os litigantes puseram-lhe à vista documentos bastantes à formação de sua convicção, que o torna apto a chegar ao desenlace da questão" (TJSC, Apelação Cível n. 2010.062332-8, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben).

MÉRITO. NAVIO DE PROPRIEDADE DA COMPANHIA NORSUL QUE, TRANSPORTANDO BOBINAS DA ARCELORMITTAL, NAUFRAGA NA BAÍA DA BABITONGA. GRANDE DERRAMAMENTO DE ÓLEO. MORTANDADE DA FAUNA MARINHA DA LOCALIDADE. ATO DE POLUIÇÃO EVIDENCIADO. RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL QUE DECORRE DAQUELA DE NATUREZA AMBIENTAL. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA DO POLUIDOR. CONCEITO DE POLUIDOR PAGADOR. POLUIÇÃO QUE ATINGE DIRETAMENTE A ATIVIDADE DE MARICULTURA DESEMPENHADA PELO AUTOR NAQUELAS ÁGUAS.

PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. ACERTO REALIZADO EM PRÉVIA AÇÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO AMBIENTAL PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL. QUITAÇÃO DOS PREJUÍZOS DE ORDEM MATERIAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE OUTRAS PERDAS OU DANOS DECORRENTES DOS FATOS.

DANO MORAL. GRAVES INCÔMODOS DECORRENTES DOS FATOS NARRADOS NA VESTIBULAR. PERTURBAÇÃO QUE NÃO PODE SER CONFUNDIDA COM MERO DISSABOR. INTERRUPÇÃO DA ATIVIDADE DE MARICULTURA QUE GARANTIA O SUSTENTO DO AUTOR E DE SUA FAMÍLIA.

Com efeito, existiu a poluição e esta foi capaz de causar grande prejuízo à fauna marinha, com impacto direto sobre a atividade econômica exercida por pescadores e maricultores que ali atuavam.

MONTANTE DE INDENIZAÇÃO EXTRAPATRIMONIAL. VALORAÇÃO SEM CRITÉRIOS LEGALMENTE POSTOS NO ORDENAMENTO. ARBITRAMENTO QUE CABE AO MAGISTRADO. MONTANTE FIXADO ADEQUADO RAZOAVELMENTE PELA SENTENÇA. MANUTENÇÃO.

RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0000492-77.2011.8.24.0061, da comarca de São Francisco do Sul (2ª Vara Cível), em que são Apelantes e Apelados Companhia de Navegação Norsul, Declair Martins Araújo e Arcelormittal Brasil S/A.

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer dos recursos e negar-lhes provimento. Fixa-se honorários recursais na monta de 20% (vinte por cento) do valor a esse título arbitrado na sentença para cada um dos litigantes a pagar à parte ex adversa, o que se justifica não somente por atender as disposições da nova legislação processual civil, mas, principalmente, pela insubsistência dos argumentos recursais. A verba sucumbencial que couber ao autor tem a sua exigibilidade suspensa em razão da gratuidade que se lhe fora deferida (fl. 16). Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Jorge Luis Costa Beber, presidente com voto, o Exmo. Sr. Des. Rubens Schulz e a Exma. Sra. Desa. Rosane Portella Wolff.

Florianópolis, 23 de janeiro de 2020.





Desembargador Rubens Schulz

RELATOR

Documento assinado digitalmente

Lei n. 11.419/2006





RELATÓRIO

Declair Martins Araújo ajuizou "ação de indenização por danos morais e materiais" contra Companhia Navegação Norsul e Arcelormittal Brasil S.A., argumentando que em 30-1-2008, por volta das 22 horas, houve o naufrágio de barcaça e empurrador pertencente à primeira ré em serviço da segunda, o que causou o vazamento de substâncias tóxicas poluentes na Baía da Babitonga. Disse que, em razão da atividade econômica que exerce como maricultor naquela baía, o vazamento prejudicou-lhe imensamente, tendo suportado prejuízos de ordem material e moral. Diante desse quadro, requereu a condenação da rés pelos prejuízos suportados, pugnando pela inversão do ônus da prova.

Citadas, as rés contestaram.

A Companhia de Navegação Norsul, em preliminar, arguiu a prescrição. No mérito afirmou que a paralisação da atividade pesqueira não restou comprovada, o mesmo quanto ao dano ambiental (fl. 22-42).

Já a ré Arcerlomittal Brasil S/A., preliminarmente, alegou prescrição, inépcia da inicial, ilegitimidade ativa e ilegitimidade passiva. No mérito, sustentou que a responsabilidade pelo evento danoso, eventualmente, caberá exclusivamente a primeira ré (fls. 169-189).

Após a impugnação às respostas, sobreveio sentença em que o MM. Juiz julgou parcialmente procedentes os pleitos iniciais, condenando as rés solidariamente ao pagamento de R$ 4.560,00 (quatro mil quinhentos e sessenta reais) a título de lucros cessantes e de R$ 6.540,00 (seis mil quinhentos e quarenta reais) pelos danos morais causados (fls. 253-259).

Inconformada, a ré Companhia Norsul interpôs o apelo de fls. 263-303, arguindo a ocorrência de cerceamento de defesa, pois o julgamento antecipado indeferiu a produção de provas importantes; no mérito, disse que a sentença tratou o requerente como pescador, quando na verdade ele é maricultor, sendo nesta condição já indenizado na totalidade de seus prejuízos. Arguiu ainda que a imagem da qualidade da água do mar local, assim como dos moluscos, sempre esteve associada à intensa atividade naval e influência de dejetos domésticos e industriais de Joinville/SC. Argumentou que o dano moral é indevido no caso e, em tendo ocorrido a reparação pré processual de todos os prejuízos, a condenação na indenização extrapatrimonial configuraria duplicidade.

A requerida Arcelormittal também recorreu (apelação de fls. 305-327) alegando preliminares de inépcia da inicial, ilegitimidade passiva, ilegitimidade ativa e cerceamento de defesa. No mérito sustentou que o autor não suportou outros prejuízos e que o caso não configurou dano moral indenizável.

Opostos pelo autor os Embargos de Declaração de fls. 330-332, com manifestação da parte contrária, adveio decisão que acolheu os aclaratórios e atribuiu efeito modificativo, reformando parcialmente a sentença e conferindo-lhe o seguinte dispositivo: "Por tais razões, JULGO PROCEDENTE, em parte, o pedido formulado nesta AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E LUCROS CESSANTES C/C DANOS MORAIS proposta por DECLAIR MARTINS ARAÚJO contra COMPANHIA DE NAVEGAÇÃO NORSUL e ARCELORMITTAL BRASIL S/A, para condenar as rés, solidariamente no pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 6.500,00 em favor da parte autora, cujo quantum deverá ser corrigidio desde a data desta sentença (STJ – Súmula nº 362), bem como acrescido de juros de mora a partir da data do evento (30.01.2008), deduzindo-se os valores percebidos pela parte autora na Ação Civil Pública nº 2008.72.01.000630-2" (fls. 347-353).

Ciente da modificação do julgado, com a devolução do prazo recursal, a ré Companhia Norsul reiterou o apelo antes interposto (fl. 355).

Insatisfeito, o autor interpôs recurso de apelação, argumentando que lida com o cultivo de mexilhões e que o acidente com a embarcação narrado na peça inicial causou danos ambientais que foram capazes de causar prejuízo na atividade que o apelante desenvolve. Disse que teve prejuízos materiais com a mortandande da fauna e cujas mortes decorreram do acidente. (fls. 360-369).

Com contrarrazões das rés e do autor (fls. 373-383 e 388-403), vieram os autos conclusos.

Este é o relatório.



VOTO

Presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conhece-se do recurso e passa-se ao exame do seu objeto à luz das disposições do Código de Processo Civil de 2015, tendo em vista que a sentença recorrida foi publicada já na sua vigência (27-10-2016 – fl. 353).

Muito bem.

O apelante/autor postula indenização por dano material e moral causados por vazamento de grande quantidade óleo na Baía da Babitonga, local onde o demandante exerce atividade, provocado por naufrágio de barcaça e empurrador pertencente à primeira ré em serviço da segunda, ocorrido em 30-1-2008, o que teria ensejado a paralisação temporária do exercício da pesca artesanal, bem assim em razão da diminuição e desvalorização do pescado, decorrente do receio de consumidores na utilização dos produtos colhidos na área afetada.

1 ILEGITIMIDADE ATIVA E INÉPCIA DA INICIAL

Fundada na inexistência da demonstração da condição de "pescador" da parte autora, disse a requerida Arcelormittal que o feito contém questões preliminares cujos fatos jurídicos são impeditivos de que se conheça...

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