Acórdão Nº 0000529-45.2019.8.24.0087 do Primeira Câmara Criminal, 22-09-2022

Número do processo0000529-45.2019.8.24.0087
Data22 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0000529-45.2019.8.24.0087/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

APELANTE: EZEQUIEL LAUREANO MORAIS (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público da comarca de Lauro Müller ofereceu denúncia em face de Ezequiel Laureano Morais, dando-o como incurso nas sanções dos arts. 15 e 12, ambos da Lei 10.826/2003, c/c art. 69 do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:

Fato I

Em data e hora a ser melhor apurado na instrução processual, mas no mês de outubro de 2018, na Rua José Francisco Luiz, Bairro Guatá, neste Município, o denunciado EZEQUIEL LAUREANO MORAIS disparou arma de fogo, por mais de uma vez, nas adjacências de sua residência, local habitado.

Fato II

No dia 7 de novembro de 2018, por volta das 14 horas, o denunciado EZEQUIEL LAUREANO MORAIS possuía e mantinha sob sua guarda, no interior da residência localizada na Rua José Francisco Luiz, s/n, Bairro Guatá, nesta Cidade, 14 (quatorze) munições calibre .20, marca CBC, intactas, 6 (seis) munições calibre .20, marca CBC, deflagradas, 2 (duas) munições calibre .32, marca Aguila, deflagradas, e 1 (uma) munição calibre .22, marca CBC, deflagrada, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar (auto de exibição e apreensão da fl. 15 e laudo pericial das fls. 25-27) (evento 8, eproc1G, em 24-7-2019)

Sentença: a juíza de direito Maria Augusta Tonioli julgou parcialmente procedente a denúncia para a) absolver Ezequiel Laureano Morais do crime previsto no art. 15 da Lei 10.826/2003 (fato 1 da denúncia), com fulcro no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal; b) condenar Ezequiel Laureano Morais, por infração ao disposto no art. 12 da Lei 10.826/2003, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 1 (um) ano de detenção, no regime inicial aberto, substituída por uma restritiva de direitos (CP, art. 44, § 2º), consistente no pagamento de prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos; além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade. Fixou a remuneração do defensor nomeado, o advogado Leandro Luis Rosso (OAB/SC 55.980) em R$ 806,30 (oitocentos e seis reais e trinta centavos) (evento 111, eproc1G, em 19-10-2021).

Trânsito em julgado: foi certificado o trânsito em julgado da sentença para o Ministério Público (evento 121, eproc1G).

Recurso de apelação de Ezequiel Laureano Morais: a defesa interpôs recurso de apelação (evento 120, eproc1G, em 22-3-2022), sustentando, em síntese, que o recorrente deve ser absolvido por ausência de provas da autoria e atipicidade da conduta, uma vez que não resultou demonstrado que a conduta do agente gerou efetivo e sensível perigo de dano ao bem jurídico tutelado.

Requereu o conhecimento e o provimento do recurso para reformar a sentença, de modo a absolvê-lo da conduta narrada na denúncia. Postulou a majoração dos honorários advocatícios e a fixação de honorários recursais (evento 126, eproc1G, em 10-8-2022).

Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que as provas produzidas não deixam dúvida quanto à autoria do apelante. Ademais, no que se refere à atipicidade, o crime em questão é de perigo abstrato e de mera conduta, não exigindo resultado nocivo para a sua configuração, já que, por sua natureza, a arma de fogo, acessório ou munição são instrumentos hábeis para a produção de eventos danosos à sociedade em geral.

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença (evento 16, eproc2G, em 31-8-2022).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Henrique Limongi opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 19, eproc2G, em 2-9-2022).

Este é o relatório.

VOTO

Do juízo de admissibilidade

Preambularmente, faz-se mister consignar que este relator entende que não seria o caso de conhecimento da insurgência, por não preencher os requisitos de admissibilidade, diante da manifesta ofensa ao princípio da dialética recursal.

Porém, como se verá adiante, deve ser conhecido em sintonia com os precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

Isso porque ao pugnar pela absolvição do apelante por insuficiência de provas acerca da autoria, bem como em relação à atipicidade da conduta, a defesa reproduziu literalmente os fundamentos constantes das alegações finais, de modo que não houve insurgência aos fundamentos expostos na sentença condenatória.

Ainda que uma ou outra tese apresentada anteriormente à sentença de mérito possa ser eventualmente reiterada em sede de apelação, é imprescindível que a parte recorrente exponha os motivos do seu inconformismo, discutindo as conclusões adotadas pelo magistrado, rebatendo cada um dos argumentos lá apresentados.

A simples reiteração, em sede recursal, dos argumentos invocados nas alegações finais, sem especificamente contrastar os fundamentos da sentença, ofende diretamente o princípio da dialeticidade recursal.

Eventual entendimento em sentido contrário importaria mero reexame necessário da decisão judicial, tornando irrelevante ou, no mínimo, de somenos importância a atuação do causídico em segundo grau.

O art. 1.010, II, do Novo Código de Processo Civil, ao reprisar o art. 514, II, do Código de 1973 estabelece que a apelação deverá conter a "exposição do fato e do direito." Consequentemente, a insurgência deve demonstrar o claro embate com o pronunciamento contra o qual se insurge, ou seja, os motivos pelos quais as provas e fundamentos produzidos pela acusação e defesa, desenvolvido durante toda a instrução, não foram, na visão do recorrente, interpretados de forma adequada pela decisão de primeiro grau.

A respeito, colhe-se da doutrina de Daniel Amorim Assumpção Neves:

Costuma-se afirmar que o recurso é composto por dois elementos: o volitivo (referente à vontade da parte em recorrer) e o descritivo (consubstanciado nos fundamentos e pedido constantes do recurso). O princípio da dialeticidade diz respeito ao segundo elemento, exigindo do recorrente a exposição da fundamentação recursal (causa de pedir: error in judicando e error in procedendo) e do pedido (que poderá ser a anulação, reforma, esclarecimento ou integração). Tal necessidade se ampara em duas motivações: permitir ao recorrido a elaboração das contrarrazões e fixar os limites de atuação do Tribunal no julgamento do recurso. O princípio do contraditório exige do recorrente a exposição de seus fundamentos recursais, indicando precisamente qual a injustiça ou ilegalidade da decisão impugnada. Essa exigência permite que o recurso tenha efetivamente uma característica dialética, porque somente diante dos argumentos do recorrente o recorrido poderá rebatê-los, o que fará nas contrarrazões recursais. É de fato impossível ao recorrido rebater alegações que não existam, ainda que sabidamente as contrarrazões se prestem a defender a legalidade e a justiça da decisão impugnada (Manual de direito processual civil. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 599/600)

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, em recente decisão monocrática, proferida no Habeas Corpus 205.448/SC, da lavra do ministro Roberto Barroso, seguindo entendimento pacificado naquela Corte (RE 681888-AgR, Rel. Luiz Fux) reconheceu o acerto de decisão que não conheceu de recurso que deixou de atacar os fundamentos inseridos na sentença, limitando-se a reprisar o conteúdo das alegações finais, de onde se colaciona excerto:

As instâncias de origem estão alinhadas com a orientação deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que o "princípio da dialeticidade recursal impõe ao recorrente o ônus de evidenciar os motivos de fato e de direito suficientes à reforma da decisão objurgada, trazendo à baila novas argumentações capazes de infirmar todos os fundamentos do decisum que se pretende modificar, sob pena de vê-lo mantido por seus próprios fundamentos" (ARE 681888-AgR, Rel. Luiz Fux) (STF, decisão monocrática proferida 24-9-2021)

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, muito embora tenha inúmeras decisões reconhecendo a impossibilidade de conhecimento da pretensão recursal por ofensa, firmou posição em sentindo contrário.

Nesse sentido, traz-se os precedentes da referida Corte:

HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. RESSALVA DO ENTENDIMENTO PESSOAL DA RELATORA. CRIME DE LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. NEGATIVA DE AUTORIA. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO LEVE. REVOLVIMENTO DA MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INADMISSIBILIDADE. INSURGÊNCIA CONTRA A EXACERBAÇÃO DA PENA-BASE E PLEITO DE CONSIDERAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO. MATÉRIAS NÃO SUBMETIDAS À APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM, POR OCASIÃO DA APELAÇÃO DEFENSIVA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA. [...] 5. Esta Corte Superior de Justiça firmou entendimento no sentido de que "o efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito processual penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte que defende os interesses adversos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT