Acórdão Nº 0000534-66.2018.8.24.0034 do Primeira Câmara Criminal, 05-03-2020

Número do processo0000534-66.2018.8.24.0034
Data05 Março 2020
Tribunal de OrigemItapiranga
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0000534-66.2018.8.24.0034, de Itapiranga

Relator: Desembargador Paulo Roberto Sartorato

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE POSSE E DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ARTS. 12 E 14, CAPUT, AMBOS DA LEI N. 10.826/03. RECURSO DA DEFESA. REQUERIDA A ABSOLVIÇÃO SOB A ALEGAÇÃO DE ERRO DE PROIBIÇÃO (ART. 21 DO CÓDIGO PENAL). INSUBSISTÊNCIA. CONDUTAS DELITUOSAS PREVISTAS NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO AMPLAMENTE DIVULGADAS NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. RÉU QUE POSSUÍA A POTENCIAL CONSCIÊNCIA SOBRE A ILICITUDE DOS FATOS. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. PLEITO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO PARA QUE SEJA CONSIDERADA A CONDUTA DE POSSUIR ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E PORTE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO, COMO CRIME ÚNICO. INEXISTÊNCIA DE ELO DE INTERDEPENDÊNCIA ENTRE AS CONDUTAS DELITUOSAS. ACUSADO QUE POSSUÍA O ARTEFATO EM CONTEXTOS DIVERSOS DO DELITO DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. MOMENTOS CONSUMATIVOS DISTINTOS. DELITOS AUTÔNOMOS CARACTERIZADOS. TESE ARREDADA. PLEITO DE AFASTAMENTO DA REGRA DO CONCURSO MATERIAL ENTRE OS CRIMES. REQUERIDA A APLICAÇÃO DO CONCURSO FORMAL OU DA CONTINUIDADE DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS DO ARTIGO 69 DO CÓDIGO PENAL PLENAMENTE PRESENTES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. Não havendo a comprovação de qualquer circunstância que dê margem ao alegado desconhecimento da ilicitude das condutas, restando evidenciada a consciência do agente sobre o caráter criminoso dos fatos, descabe o reconhecimento do erro de proibição (art. 21 do Código Penal).

2. Não se deve reconhecer o elo de interdependência entre diferentes figuras delitivas, com a aplicação do princípio da consunção, quando as condutas foram praticadas em contextos diversos, com desígnios autônomos e se consumaram em momentos diferentes, mostrando-se independentes uma da outra.

3. Ocorre concurso material de crimes (art. 69 do Código Penal) quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais delitos, idênticos ou não.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000534-66.2018.8.24.0034, da comarca de Itapiranga Vara Única em que é Apelante Jonathan Mayer Kramer e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Des. Carlos Alberto Civinski, com voto, e dele participou o Exmo. Des. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva.

Funcionou na sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Dr. Gilberto Callado de Oliveira.

Florianópolis, 05 de março de 2020.

Assinado digitalmente

Desembargador Paulo Roberto Sartorato

Relator


RELATÓRIO

A representante do Ministério Público, com base no Auto de Prisão em Flagrante, ofereceu denúncia contra Jonathan Mayer Kramer, devidamente qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei n. 10.826/03, por duas vezes, na forma do art. 69 do Código Penal, pelos fatos assim narrados na peça exordial acusatória, in verbis (fls. 134/136):

Ato 1 - Artigo 16, parágrafo único, inciso IV, Lei n. 10.826/03

No dia 8 de junho de 2018, por volta das 12h45min, na Linha Cordilheira, zona rural do Município de Itapiranga, Jonathan Mayer Kramer, de forma livre e consciente da reprovabilidade de sua conduta, possuía 1 (uma) espingarda de pressão com percutor adaptado para calibre .22 LR, sem identificação do fabricante, conforme descrito no Laudo Pericial à fl. 74, sem autorização e em desacordo com as determinações da Lei n. 10.826/03 e do Decreto n. 5.123/04.

Na ocasião, a Polícia Civil cumpriu mandado de busca e apreensão na residência do denunciado, ocasião em que, enquanto eram realizadas buscas em um dos cômodos do imóvel, o imputado rapidamente adentrou em outro quarto, pegou a arma de fogo e evadiu-se do local pela janela do recinto. O imputado foi perseguido pelo Policial Civil Fábio Rafael Hahn e preso em flagrante, bem como foi apreendido o artefato bélico.

Ato 2 - Artigo 16, parágrafo único, inciso IV, Lei n. 10.826/03

Nas mesmas circunstâncias de data e local, porém em momentos consumativos distintos, Jonathan Mayer Kramer, de forma livre e consciente da reprovabilidade de sua conduta, portou 1 (uma) espingarda de pressão com percutor adaptado para calibre .22 LR, com a marca (identificação do fabricante) suprimida, conforme descrito no Laudo Pericial à fl. 74, sem autorização e em desacordo com as determinações da Lei n. 10.826/03 e do Decreto n. 5.123/04.

Na oportunidade, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão em sua residência pela Polícia Civil, o denunciado evadiu-se do imóvel e percorreu cerca de 2 (dois) quilômetros portando o artefato bélico, quando, então, foi capturado pelo policial civil que o perseguiu.

Menciona-se que, embora a arma de fogo de calibre .22 LR seja de uso permitido, consoante o artigo 17, inciso I, do Decreto n. 3.655/2000, a marca (fabricante) do artefato foi suprimida, conforme apontou o Laudo Pericial à fl. 74. (Grifo no original).

Encerrada a instrução processual, o MM. Juiz a quo, julgou parcialmente procedente a denúncia, para desclassificar as condutas do art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei n. 10.826/03 para aquelas previstas nos arts. 12, caput, e 14, caput, ambas da Lei n. 10.826/03, na forma do art. 69 do Código Penal, condenando o acusado à pena de 01 (um) ano de detenção e 02 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, substituindo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de R$ 998,00 (fls. 188/200).

Irresignada, a defesa do acusado interpôs recurso de apelação (fl. 207). Em suas razões recursais, argumentou que o acusado agiu sob erro de proibição. Subsidiariamente, almejou a absorção do delito previsto no art. 12 da Lei n. 10.826/03 por aquele descrito no art. 14, caput, do mesmo diploma legal. Clamou, ainda, pelo afastamento do concurso material e aplicação do concurso formal ou, ainda, da continuidade delitiva. Por fim, pretendeu o prequestionamento da matéria ventilada (fls. 211/217).

Apresentadas as contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do recurso defensivo (fls. 225/232).

Após, os autos ascenderam a esta Superior Instância, tendo a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Dr. Paulo Roberto Speck, opinado pelo parcial conhecimento e, na parte conhecida, pelo desprovimento do recurso (fls. 238/241).

Este é o relatório.

VOTO

O presente recurso de apelação volta-se contra a sentença que, ao julgar parcialmente procedente a denúncia, condenou o acusado por infração aos arts. 12, caput, e 14, caput, ambos da Lei n. 10.826/03, em concurso material.

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, o reclamo deve ser conhecido, motivo pelo qual passa-se à análise do seu objeto.

I - Do alegado erro de proibição (art. 21 do Código Penal)

A defesa do réu/apelante pugnou por sua absolvição, afirmando que desconhecia o caráter ilícito de sua conduta.

O pleito não merece prosperar.

Em análise acurada da prova constante nos autos, verifica-se que a prática do delito restou plenamente evidenciada, estando a materialidade e autoria delitivas, sem qualquer dúvida, comprovadas no caderno processual sob análise, especialmente por meio do Auto de Prisão em Flagrante (fls. 01/42), dos Boletins de Ocorrência (fls. 06/08 e 26/27), do Auto de Apreensão (fl. 23), do Relatório de Diligências e Investigação (fl. 28/32) e da prova oral colhida no decorrer da instrução processual.

O conjunto probatório que ensejou a condenação do acusado, foi detidamente examinado pelo Magistrado sentenciante (fls. 190/192), motivo pelo qual se invoca parte da referida argumentação como fundamentação do presente acórdão, realizadas as adequações necessárias, a fim de se evitar a indesejada tautologia.

Frisa-se que tal procedimento possui legitimidade jurídico-constitucional há muito reconhecido pelas Cortes Superiores, quando a transcrição ocorre em complementação às próprias razões de decidir:

"[...] O acusado, tanto na fase policial (fl. 19) quanto na judicial (fl. 178), permaneceu em silêncio. Todavia, corroborando as alegações iniciais, a integralidade da prova demonstra que o mesmo, manteve sob sua guarda, bem como portou, um rifle de ar comprimido, calibre 5.5, modificado para utilização de munição real calibre .22 LR, sem autorização e em desacordo com determinação legal.

A informante Danilei Christ, companheira do acusado, relatou que estava em casa no dia dos fatos, sendo que permaneceu do lado de fora da residência, junto da delegada, enquanto os demais policiais, acompanhados do acusado, cumpriam a diligência.

Disse recordar da apreensão de uma arma de fogo. Ao ser questionada, relatou que seu companheiro, em momento posterior, informou que possuía consigo a arma apreendida há dois dias. [mídia digital de fl. 178].

A testemunha Fábio Rafael Hahn, Policial Civil, informou que se dirigiram à residência do acusado para cumprir mandado de busca e apreensão que tinha por objetivo localizar armas que estariam sendo colocadas a venda por determinado perfil na rede social facebook.

Relatou que enquanto aguardava do lado de fora da residência, juntamente da delegada, seus colegas realizavam as...

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