Acórdão Nº 0000538-42.2018.8.24.0022 do Quinta Câmara Criminal, 30-03-2023

Número do processo0000538-42.2018.8.24.0022
Data30 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0000538-42.2018.8.24.0022/SC



RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER


APELANTE: JORGE CARLOS FERNANDES (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofertou denúncia em face de Jorge Carlos Fernandes, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 171, caput, do Código Penal, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (evento 33 da ação penal):
No mês de julho de 2017, nesta cidade de Curitibanos o denunciado Jorge Carlos Fernandes, mediante fraude, obteve vantagem ilícita em prejuízo a vítima Pedro Lopes porque adquiriu o veículo Fiat/Uno, placas MCW-0925 dando como pagamento um cheque no valor de R$ 13.600,00 (treze mil e seiscentos reais) que sabia que não seria compensado por divergência de assinatura (alínea 22).
A denúncia foi recebida (evento 37 da ação penal), o réu foi citado (evento 45 da ação penal) e apresentou defesa (evento 51 da ação penal).
Inacolhidas as teses defensivas e, não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (evento 62 da ação penal).
Na instrução teve inquirição da testemunha Pedro Lopes, enquanto o interrogatório do réu ficou prejudicado pelo decreto de sua revelia (evento 117 da ação penal).
Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais (eventos 125 e 132 da ação penal), sobreveio a sentença (evento 136 da ação penal) com o seguinte dispositivo:
Do exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão acusatória, para condenar o acusado, JORGE CARLOS FERNANDES, já qualificado, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 01 (um) ano, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, assim como ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente, pela prática do pela prática do crime previsto no art. 171, caput, do Código Penal, em regime inicial fechado, sendo incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, bem como a concessão de sursis, na forma da fundamentação.
Inconformado o réu interpôs recurso de apelação (evento 142 da ação penal). Em suas razões (evento 150 da ação penal) alega, em preliminar, nulidade do processo, a partir da decisão que deixou de intimar a vítima para que se manifestasse a respeito do interesse na representação contra o acusado, bem como, nulidade do reconhecimento fotográfico produzido sem a observância dos ditames legais. No mérito, requer sua absolvição por ausência de provas acerca da elementar "induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento".
Apresentadas as contrarrazões (evento 157 da ação penal), os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Jayne Abdala Bandeira manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 8)

VOTO


Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
Como sumariado, trata-se de recurso de apelação criminal interposto pelo réu Jorge Carlos Fernandes, o qual busca a reforma da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Curitibanos, que condenou-o ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, assim como ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente, pela prática do pela prática do crime previsto no art. 171, caput, do Código Penal.
1 - Preliminares
1.1 - Nulidade pela ausência de representação da vítima
Aduz o apelante que há nulidade do processo, a partir da decisão que deixou de intimar a vítima para que se manifestasse a respeito do interesse na representação contra o acusado.
Isto porque, "Em recente decisão, a 2ª turma do Supremo Tribunal Federal consagrou entendimento segundo o qual a previsão contida no denominado 'Pacote Anticrime' - Lei Nº 13.964/2019, que inseriu o §5º do art. 171 do Código Penal e passou a exigir a manifestação da vítima para a propositura de ação penal por estelionato, deve retroagir em benefício do réu mesmo nos casos em que a denúncia foi oferecida antes da vigência da norma" (evento 150 da ação penal).
Aduz ainda que, "Embora o acórdão não tenha sido publicado, a decisão é notória e foi noticiada, inclusive, no site oficial do Supremo Tribunal Federal na internet", bem como que o entendimento consagrado pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a partir de agora, junta-se àquele já consolidado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.
Em que pese a menção do apelo sobre decisão do Supremo Tribunal Federal não ter sido publicada, verifico constar na jurisprudência daquela Corte como julgada em 22/06/2021, cuja ementa tem o seguinte teor:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO. INÉPCIA DA DENÚNCIA E AUSÊNCIA DE JUSTIÇA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL NÃO CONFIGURADAS. FATOS E PROVAS. LEI 13.964/2019. ART. 171, § 5º, CP. NOVA HIPÓTESE DE EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE. NORMA DE CONTEÚDO MISTO. RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA. ART. 5º, XL, CF. REPRESENTAÇÃO. DISPENSA DE MAIOR FORMALIDADE. FALTA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. RENÚNCIA TÁCITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. A rejeição da denúncia é providência excepcional, viável somente quando estiverem comprovadas, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a evidente ausência de justa causa para ação penal, aspectos não compreendidos no caso sob análise. Precedentes. 2. A expressão "lei penal" contida no art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal é de ser interpretada como gênero, de maneira a abranger tanto leis penais em sentido estrito quanto leis penais processuais que disciplinam o exercício da pretensão punitiva do Estado ou que interferem diretamente no status libertatis do indivíduo. 3. O § 5º do art. 171 do Código Penal, acrescido pela Lei 13.964/2019, ao alterar a natureza da ação penal do crime de estelionato de pública incondicionada para pública condicionada à representação como regra, é norma de conteúdo processual-penal ou híbrido, porque, ao mesmo tempo em que cria condição de procedibilidade para ação penal, modifica o exercício do direito de punir do Estado ao introduzir hipótese de extinção de punibilidade, a saber, a decadência (art. 107, inciso IV, do CP). 4. Essa inovação legislativa, ao obstar a aplicação da sanção penal, é norma penal de caráter mais favorável ao réu e, nos termos do art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal, deve ser aplicada de forma retroativa a atingir tanto investigações criminais quanto ações penais em curso até o trânsito em julgado. Precedentes do STF. 5. A incidência do art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal, como norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata, não está condicionada à atuação do legislador ordinário. 6. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que a representação da vítima, em crimes de ação penal pública condicionada, dispensa maiores formalidades. Contudo, quando não houver inequívoca manifestação de vontade da vítima no sentido do interesse na persecução criminal, cumpre intimar a pessoa ofendida para oferecer representação, nos moldes do previsto no art. 91 da Lei 9.099/95, aplicado por analogia ao procedimento comum ordinário consoante o art. 3º do Código de Processo Penal. 7. No caso concreto, o paciente e a vítima celebraram termo de quitação no qual consta que o ofendido "dá ampla, geral e irrestrita quitação" ao paciente e que aquele obriga-se a aditar a ocorrência policial para informar esse fato à autoridade policial. Essa circunstância traduz renúncia tácita ao direito de representação por se tratar de ato incompatível com a vontade de exercê-lo. 8. Agravo regimental desprovido. Ordem concedida de ofício para determinar o trancamento da ação penal por falta de condição de procedibilidade. (HC 180421 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 22/06/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 03-12-2021 PUBLIC 06-12-2021).
É cedido que a ação penal de estelionato, atualmente é ação pública condicionada à representação, nos termos do § 5º do art. 171 do Código Penal, acrescido pela Lei 13.964/2019.
Compulsando os autos em análise, verifica-se que o crime de estelionato supostamente foi praticado pelo apelante Jorge Carlos Fernandes no mês de julho de 2017, enquanto o ofendido Pedro Lopes manifestou seu desejo de instauração da ação penal em 19/08/2017 quando efetuou o registro do boletim de ocorrência n. 00331.2017.0003695, apresentou à autoridade policial o contrato de compra e venda celabrado com o apelante e cheque no valor de R$ 13.600,00 (treze mil e seiscentos reais) não compensado por divergência de assinatura (alínea 22), conforme consta do inquérito policial (evento 1, INQ4, INQ5 e INQ6, da ação penal).
Em 12/01/2017 a vítima reafirmou seu desejo de apuração dos fatos quando prestou depoimento na Delegacia de Polícia e descreveu detalhadamente a dinâmica fática do ilícito mencionado no boletim de ocorrência anteriormente por ela registrado (evento 1, INQ39- INQ40, da ação penal).
A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público em 28/02/2019 (evento 33 da ação penal), ou seja, muito antes da entrada em vigor do "Pacote Anticrime - Lei n. 13.964/2019" que ocorreu em 23/01/2020.
A doutrina e a jurisprudência têm entendimento consolidado de que a representação para fins criminais não exige formalidades específicas, sendo suficiente a demonstração inequívoca do interesse na persecução penal.
Em casos análogos, decidiu o Supremo Tribunal Federal:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO. REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 13.964/2019. AUSÊNCIA DE DECADÊNCIA. REPRESENTAÇÃO QUE...

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