Acórdão Nº 0000553-44.2017.8.24.0087 do Primeira Câmara Criminal, 11-03-2021

Número do processo0000553-44.2017.8.24.0087
Data11 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 0000553-44.2017.8.24.0087/SC

RELATOR: Desembargador PAULO ROBERTO SARTORATO

RECORRENTE: JOAO MANOEL DA SILVA NETO (ACUSADO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público, com base no incluso Inquérito Policial, ofereceu denúncia contra João Manoel da Silva Neto, devidamente qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, § 2°, inciso II, c/c o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, pelos fatos assim narrados na preambular acusatória, in verbis (Evento 54 dos autos da ação penal):

No dia 8 de julho de 2017, por volta das 15 horas, em frente ao estabelecimento comercial Camilo Chapeações e Pinturas, localizado na Rua Manoel João Nazário, bairro Sumaré, em Lauro Müller/SC, o denunciado JOÃO MANOEL DA SILVA NETO, com consciência e vontade, portanto, dolosamente, com manifesto animus necandi, tentou matar Valdir de Oliveira, deferindo três golpes de faca contra a vítima, causando-lhe corte com 5 (cinco) centímetros em região inferior ao apêndice xifóide do osso esterno, à esquerda (com evisceração de alça intestinal e perfuração de peritônio); em região cranial do ombro direito e em região occiptal do couro cabeludo, os quais ocasionaram incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias e perigo de vida ao ofendido, porquanto teve perfuração do peritônio (conforme laudos periciais das fls. 29 e 69).

Em razão de um desacerto comercial, Valdir de Oliveira e e Valmir da Silva (pai do ora Denunciado) entraram em discussão e passaram a se agredir fisicamente, ocasião em que "DJANGO" tentou intervir na briga, sendo empurrado por Valdir, que disse "não é contigo".

Assim, o denunciado foi até a cozinha da oficina e retornou com uma faca. Ao ver JOÃO MANOEL na posse de um faca, Valdir saiu correndo, tropeçando e caindo ao chão, momento em que o Denunciado desferiu três facadas no ofendido, acertando-o no abdômen e na cabeça, evadindo-se do local na sequência.

O resultado morte somente não foi alcançado por circunstâncias alheias à vontade do Denunciado, porquanto a vítima foi logo socorrida pelos familiares e outras pessoas que estavam no local e encaminhada, inicialmente, ao Hospital Municipal Henrique Lage, nesta cidade, e depois para o Hospital São José, em Criciúma/SC.

Por fim, merece ser frisado que o ato delituoso foi perpetrado por motivo fútil, em razão da mencionada discussão decorrente do desacerto comercial entre a vítima e o pai do Denunciado.

Ao receber a denúncia, o Magistrado a quo, acolhendo requerimento ministerial, decretou a prisão preventiva do acusado (Evento 57 dos autos da ação penal).

Após a oitiva da vítima em Juízo, o Togado a quo revogou a prisão preventiva do réu, concedendo-lhe liberdade provisória, mediante a imposição de medidas cautelares (Evento 164 dos autos da ação penal).

Encerrada a primeira etapa da instrução processual, o MM. Juiz a quo, convencido da existência de prova da materialidade e de indícios suficientes da autoria em relação ao crime contra a vida, pronunciou o acusado, para que seja submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, inciso II, c/c o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade (Evento 187 dos autos da ação penal).

Contra referida decisão, o acusado interpôs recurso em sentido estrito, por termo nos autos (Evento 195 dos autos da ação penal). Em suas razões recursais, apresentadas por intermédio de sua defensora dativa, requereu a absolvição sumária, impronúncia ou a desclassificação do crime para o de lesões corporais de natureza grave, sob o argumento de que não há indícios suficientes da prática delitiva narrada na denúncia, pelo que deveria ser aplicado o princípio do in dubio pro reo. Subsidiariamente, pleiteou o afastamento da qualificadora do motivo fútil, afirmando que sua ação fora voltada, apenas, para defender a vida do seu genitor. Por fim, pugnou pela fixação de honorários advocatícios, por conta de sua atuação na esfera recursal, bem como pela reconsideração dos valores fixados na decisão recorrida (Evento 209 dos autos da ação penal).

Em contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do recurso defensivo (Evento 214 dos autos da ação penal).

Mantida a decisão recorrida (Evento 217 dos autos da ação penal), os autos ascenderam a esta Superior Instância, tendo a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Dr. Francisco Bissoli Filho, opinado pelo conhecimento parcial do recurso e, na parte conhecida, pelo seu não provimento (Evento 16).

Este é o relatório.

VOTO

Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto por João Manoel da Silva Neto, inconformado com a sua pronúncia pela prática, em tese, do delito tipificado no art. 121, § 2°, inciso II, c/c o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal (homicídio tentado qualificado pelo motivo fútil).

O recurso deve ser conhecido, porquanto presentes os seus pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

I - Dos pedidos de absolvição sumária, impronúncia, desclassificação e exclusão da qualificadora

O recorrente almeja, primeiramente, a absolvição sumária, a impronúncia ou a desclassificação do crime para o de lesões corporais de natureza grave. Para tanto, argumenta que não há elementos de prova capazes de embasar os fatos descritos na denúncia, em especial no que se refere à presença do dolo.

Nos termos do art. 413 do Código de Processo Penal, tratando-se de procedimento criminal de competência do Tribunal do Júri, necessário, para proceder-se à pronúncia, apenas a prova da materialidade do delito e indícios de autoria. É cediço, afinal, que na fase da pronúncia vigora um juízo sumário de conhecimento, no qual cabe ao juiz singular admitir a denúncia, sem realizar exame aprofundado sobre o mérito, cuja incumbência é dos jurados, julgadores de fato.

A respeito do tema, cita-se entendimento doutrinário:

Para que o juiz pronuncie o acusado, basta que se convença da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes da autoria, ou da participação.

Um dos requisitos legais para que o juiz pronuncie o imputado é a constatação da materialidade do crime. Isso implica afirmar que a prova dos autos deve demonstrar o corpus delicti, que se eleva à categoria de prova ou de convicção quanto à existência do crime. [...]

Outro permissivo processual que permite ao magistrado determinar que o imputado seja submetido a julgamento pelo colegiado popular diz respeito aos indícios da autoria.

Como se observa, não há necessidade para efeito da pronúncia, que se tenha certeza da autoria, basta que haja pegadas, vestígios, que haja, enfim, a possibilidade ou probabilidade de a pessoa apontada ser a autora do crime doloso contra a vida, o que se constata do cotejo analítico das provas arrostadas aos autos por ocasião da instrução própria.

Conforme magistério provindo de Bento de Faria, por "indício se entenda toda e qualquer circunstância que tenha conexão com o fato mais ou menos incerto, de que se procura a prova; se ele pode resultar de um processo lógico de raciocínio, e que resultar evidenciado por esse processo, ainda que remoto, sendo suscetível de constituir motivo de suspeita, autoriza a pronúncia" (MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri: crimes e processo. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 271).

Válida, ainda, a transcrição da lição de Guilherme de Souza Nucci:

Somente deve seguir a julgamento pelo Tribunal Popular o caso que comporte, de algum modo, conforme a valoração subjetiva das provas, um decreto condenatório. O raciocínio é simples: o juiz da pronúncia remete a julgamento em plenário o processo que ele, em tese, poderia condenar, se fosse o competente. Não é questão de se demandar certeza de...

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