Acórdão Nº 0000588-46.2019.8.24.0018 do Quinta Câmara Criminal, 12-03-2020

Número do processo0000588-46.2019.8.24.0018
Data12 Março 2020
Tribunal de OrigemChapecó
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão




Recurso Em Sentido Estrito n. 0000588-46.2019.8.24.0018, de Chapecó

Relatora: Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RÉU DENUNCIADO PELA SUPOSTA PRÁTICA DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO E PELO PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ART. 121, § 2º, I E IV, DO CÓDIGO PENAL E ART. 14, CAPUT, DA LEI N. 10.826/2003. DECISÃO DE PARCIAL ADMISSIBILIDADE DA DENÚNCIA. INSURGÊNCIA DEFENSIVA E DO ÓRGÃO ACUSATÓRIO. I - RECURSO DA DEFESA. 1. PRELIMINARES: 1.1) INCONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIATATE NA FASE DE PRONÚNCIA. JULGADO DO STF ACERCA DA IMPOSSIBILIDADE DO USO DO PRINCÍPIO QUE NÃO OCORREU EM SEDE DE REPERCUSSÃO GERAL. PRECEDENTES EM SENTIDO CONTRÁRIO DO PRÓPRIO STF E DO STJ SOBRE A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA DÚVIDA EM FAVOR DO ESTADO. ADEMAIS, DECISÃO DA SUPREMA CORTE QUE VISA IMPEDIR O ENVIO DE CASOS AO JÚRI SEM O MÍNIMO DE PROVAS, O QUE NÃO É O CASO DOS AUTOS. AFASTAMENTO. 1.2) INÉPCIA DA DENÚNCIA. ALEGAÇÃO DE MÁCULA NA PEÇA INAUGURAL POR NÃO DEMARCAR A PARTICIPAÇÃO DO DENUNCIADO NOS CRIMES QUE LHE SÃO IMPUTADOS. VÍCIO INEXISTENTE. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP PRESENTES. PREFACIAL AFASTADA. 2. MÉRITO. INSURGÊNCIA ACERCA DA PRONÚNCIA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA OU IMPRONÚNCIA POR AUSÊNCIA DE PROVA DA AUTORIA. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE INCONTESTE. PROVAS DOS AUTOS QUE TRAZEM INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA IMPUTADA AO RÉU. FASE PROCESSUAL QUE NÃO PERMITE A ANÁLISE APROFUNDADA DA PROVA. DINÂMICA DOS FATOS E DEPOIMENTOS QUE GUARNECEM A VERSÃO DA DENÚNCIA DE QUE O RÉU AGIU COM ANIMUS NECANDI. DÚVIDA SOBRE A REAL INTENÇÃO DO ACUSADO QUE DEVE SER SUBMETIDA AO CONSELHO DE SENTENÇA. DECISÃO DE PRONÚNCIA MANTIDA. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO DE HOMICÍDIO PARA O DE LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. INVIABILIDADE. ANIMUS NECANDI NÃO AFASTADO PELA PROVA DOS AUTOS. PLEITO DE EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DE RECURSO QUE DIFICULTOU OU TORNOU IMPOSSÍVEL A DEFESA DA VÍTIMA. PROVA DOS AUTOS QUE NÃO É CAPAZ DE EXCLUI-LA DE PLANO. SITUAÇÃO QUE PERMITE A MANUTENÇÃO DA MAJORANTE. ADEMAIS, ANÁLISE VALORATIVA SOBRE A QUALIFICADORA QUE COMPETE AO CONSELHO DE SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. II - RECURSO DO ÓRGÃO ACUSATÓRIO. INSURGÊNCIA COM A SENTENÇA DE PARCIAL ADMISSIBILIDADE. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DA QUALIFICADORA DO MOTIVO TORPE. ART. 121, § 2º, I, DO CP. ACOLHIDA INVIÁVEL. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO NA DENÚNCIA. EXCLUSÃO MANTIDA, SOB PENA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE A DENÚNCIA E SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito n. 0000588-46.2019.8.24.0018, da comarca de Chapecó 1ª Vara Criminal em que são Recorrentes/Recorridos Makoli Gabriel Bitencourt e Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer dos recursos e negar-lhes provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Cesar Schweitzer (Presidente) e o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza.

O conteúdo do presente acórdão, nos termos do § 2º, do artigo 201, do Código de Processo Penal, deverá ser comunicado pelo juízo de origem.

Florianópolis, 12 de março de 2020.

Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

Relatora


RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina e pela defesa de Makoli Gabriel Bitencourt, em face da decisão proferida pelo Juízo da 1º Vara Criminal da Comarca de Chapecó, que julgou parcialmente a denúncia e pronunciou o réu como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, inciso IV do Código Penal e como incurso nas sanções do artigo 14, caput, da Lei n. 10.826/2003, determinando que fosse submetido à julgamento pelo Tribunal do Júri.

Pugna o Ministério Público, que a denúncia seja julgada totalmente procedente, visto que há provas suficientes para que a qualificadora do motivo torpe, conforme fatos narrados na peça inicial (fls. 359/665).

A defesa, aduz, em suma, inépcia da denúncia sob argumento de não descrever detalhadamente a conduta do réu no fato delituoso narrado. De forma subsidiária, pugna pela absolvição sumária ou impronúncia, pois sustenta insuficiência probatória e inconstitucionalidade do princípio in dubio pro societate. Alternativamente requer o afastamento da qualificadora de recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima. Por fim, requer a desclassificação da conduta para a o delito de lesão corporal seguida de morte.

Foram apresentadas as contrarrazões (fls. 390/393 e 396/421) em seguida o togado singular manteve a decisão por seus próprios e jurídicos fundamentos (fl. 423), ascenderam os autos a este egrégio Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, manifestando-se pelo conhecimento de ambos recursos e provimento apenas ao recurso interposto pelo Ministério Público (fls. 437/451).

Este é o relatório.


VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade os recursos devem ser conhecidos.

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina e pela defesa de Makoli Gabriel Bitencourt, em face da decisão proferida pelo Juízo da 1º Vara Criminal da Comarca de Chapecó, que julgou parcialmente a denúncia e pronunciou o réu como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, inciso IV do Código Penal e como incurso nas sanções do artigo 14, caput, da Lei n. 10.826/2003, determinando que fosse submetido à julgamento pelo Tribunal do Júri.

I - Recurso do réu Makoli Gabriel Bitencourt

1 - Preliminarmente

1.1 - Inconstitucionalidade da aplicação do princípio in dubio pro societate

Ab initio, defende a defesa a inconstitucionalidade do princípio do in dubio pro societate, utilizado pelo magistrado para fundamentar a decisão.

Adianto, razão não lhe assiste.

Segundo dispõe o art. 413 do Código de Processo Penal "o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação".

O texto legal permite concluir, portanto, que o juiz pronunciará o réu sempre que convencido da existência de um crime doloso contra a vida, bem assim, se presente a possibilidade de ser o acusado o autor ou partícipe do delito. Em outras palavras, somente há um juízo de admissibilidade, sem necessidade de certeza quanto à autoria do crime, porquanto tal análise é de competência exclusiva do Conselho de Sentença.

Não se desconhece do julgado da 2ª Turma do STF (ARE 1067392/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 26.3.2019), que questionou a constitucionalidade da aplicação do princípio do in dubio pro societate, contudo impende observar que o julgado não ocorreu em sede de Repercussão Geral.

De outro lado, em julgado posterior a primeira turma da Suprema Corte decidiu que a aplicação do princípio do in dubio pro societate na fase de pronúncia não confronta com o princípio da presunção da inocência:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. ARTIGO 121, § 2º, II, III E IV, E § 4º, PARTE FINAL, DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ARTIGO 5º, LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA AMPLA DEFESA. OFENSA REFLEXA AO TEXTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 5º, XXXVIII, D, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MATÉRIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 105, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. DECISÃO DE PRONÚNCIA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (ARE 1220865 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 27/09/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-220 DIVULG 09-10-2019 PUBLIC 10-10-2019).

Cumpre salientar, no que tange ao princípio do in dubio pro societate, que a decisão de pronúncia não é um juízo de mérito e sim de admissibilidade, conforme ensina Guilherme de Souza Nucci:

[...] não constitui um princípio do processo penal, ao contrário, o autêntico princípio calca-se na prevalência do interesse do acusado (in dubio pro reo). Mas tem o sentido eficiente de indicar ao juiz que a decisão de pronúncia não é juízo de mérito, porém de admissibilidade. Por isso, se houver dúvida razoável, em lugar de absolver, como faria em um feito comum, deve remeter o caso à apreciação do juiz natural, constitucionalmente recomendado, ou seja, o Tribunal do Júri. (Código de Processo Penal Comentado. 12 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 814-815).

Ademais, segundo a ratio decidendi contida na decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, o que se busca é impedir o envio de casos ao júri sem um mínimo de provas da acusação, o que não é o caso dos autos, conforme se verá na análise do mérito recursal.

Sobre a questão já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. INDÍCIOS DE AUTORIA. PROVAS DOS AUTOS. VIOLAÇÃO DO ART. 155 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, satisfazendo-se, tão somente, pelo exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria. A pronúncia não demanda juízo de certeza necessário à sentença condenatória, uma vez que as eventuais dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se em favor da sociedade - in dubio pro societate. 2. Impossibilidade de se admitir a pronúncia de acusado com base em indícios derivados do inquérito policial. Precedentes. 3. Por outro lado, na hipótese dos autos, a sentença de pronúncia foi calcada tanto em provas...

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