Acórdão Nº 0000592-76.2019.8.24.0085 do Primeira Câmara Criminal, 22-09-2022

Número do processo0000592-76.2019.8.24.0085
Data22 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0000592-76.2019.8.24.0085/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: CLEBER STRAPAZZON (ACUSADO) ADVOGADO: Rafael Gasparini (OAB SC032798)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia perante o juízo da comarca de CORONEL FREITAS em face de Cleber Strapazzon, dando-o como incurso nas sanções do art. 38-A, caput, da Lei 9.605/1998, em razão dos seguintes fatos:

No dia 31 de maio de 2019, por volta das 15h, agentes militares do Batalhão da Polícia Militar Ambiental de Chapecó/SC dirigiram-se até a Linha Abelardo Luz, interior deste Município e Comarca de Coronel Freitas/SC, coordenadas 22J 326760 E 7021182 S, oportunidade em que constataram que o denunciado Cleber Strapazzon, em dia e horário que serão melhor apurados durante a instrução processual, destruiu e danificou, por meio de corte raso e destoque, vegetação secundária em estágio médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, em área de floresta de aproximadamente 3,1 ha (fls. 2-8).

Cumpre observar que a vegetação degradada/danificada enquadra-se como objeto de especial preservação pertencente ao Bioma Mata Atlântica, conforme dispõe o art. 2º da Lei 11.428/06. (evento 7, eproc1G, em 2-7-2022).

Decisão interlocutória: foi concedida a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/1995, em 23-7-2019 (evento 19, eproc1G); e revogada em 22-6-2022 (evento 82, eproc1G).

Sentença: o juiz substituto Claudio Rego Pantoja julgou improcedente a denúncia para absolver Cleber Strapazzon da imputação pela prática do crime previsto no art. 38-A, caput, da Lei 9.601/1998 (evento 187, eproc1G, em 20-6-2022).

Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a sentença transitou em julgado para a defesa.

Recurso de apelação do Ministério Público: a acusação interpôs recurso de apelação, no qual sustentou:

a) a condenação do apelado pela conduta prevista no art. 38-A, caput, da Lei de Crimes Ambientais, porquanto a.1) "a materialidade do crime repousa nos autos nos elementos angariados no transcorrer da persecução penal constantes nos autos do Termo Circunstanciado do evento 1, notadamente pela Notícia de Infração Penal Ambiental n. 28447-2.2220/2019 (TC 2-8), pelo Auto de Infração Ambiental e Termo de Embargo (TC 9 a 10), documento de compra e venda (TC 16 a 18), levantamento fotográfico do local da infração (TC 20 a 26), e, sobretudo, pelos depoimentos colhidos ao longo da persecução penal"; a.2) "a autoria é incontestável, sobretudo diante do depoimento das testemunhas, as quais prestaram declarações firmes, coerentes e harmônicas"; a.3) "o acusado confirmou em Juízo ter sido o responsável pelo destoque do local, visto que precisava de mais espaço para criação de gado de leite, inclusive contratando uma empresa particular, com maquinário especializado, para extração da vegetação"; a.4) "muito embora os policiais militares ambientais não tenham sido ouvidos em Juízo, de modo a corroborar seus depoimentos prestados na etapa administrativa, tem-se que, para além da própria confissão do acusado, a prova documental amealhada dá conta de apontar, com a convicção necessária, que houve a destruição da vegetação na propriedade do acusado, o que foi devidamente firmado e assinado pelas autoridades competentes, que contam com a presunção de legitimidade e veracidade";

b) adiantando possível alegação de erro de proibição ou desconhecimento da lei, inviável o seu acolhimento, "seja porque comprou a área já com a intenção de trabalhar com pecuária, tratando-se de produtor rural, devendo, por si só, informar-se quanto à terra adquirida e possibilidade de intervenção ou seja porque o próprio réu mencionou que sabia que "poderia acontecer alguma coisa", e, ainda assim, optou por não buscar informações, de maneira a agir ao arrepio da legislação vigente".

Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, de modo a condenar Cleber Strapazzon pela prática da conduta narrada na denúncia (evento 192, eproc1G, em 4-7-2022).

Contrarrazões de Cleber Strapazzon: a defesa impugnou as razões recursais, ao argumento de que:

a) "o único fundamento da acusação são os elementos produzidos na fase policial, de forma unilateral pela fiscalização, insuficientes para justificar a acusação lançada ao réu", conforme disciplina o art. 155 do Código de Processo Penal; ademais, diante da ausência de perícia técnica, "não é possível afirmar, acima de dúvida razoável, se efetivamente ocorreu supressão de vegetação secundária em estágio médio de regeneração ou se a limpeza realmente se limitou a retirada do material rasteiro do local";

b) a pequena área em análise e os rendimentos do seu manejo são a única fonte de sustento da família do apelante, que é agricultor, de modo que a própria Lei 9.605/1998, "em seu art. 50-A, §1º, descriminaliza a conduta do desmate quando necessária à subsistência do agente e de sua família", assim como a Lei 11.428/2006, "em seu art. 3º qualifica os agentes que se configuram em pequenos produtores rurais, assegurando, no art. 23, III, o direito destes promoverem a exploração de vegetação secundária em estágio médio de regeneração".

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença absolutória (evento 206, eproc1G, em 22-7-2022).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: a procuradora de justiça Jayne Abdala Bandeira opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (evento 8, eproc2G, em 1-8-2022).

Este é o relatório.

VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Do mérito

A acusação sustenta que o Cleber Strapazzon praticou o crime previsto no art. 38-A, caput, da Lei 9.605/1998, porquanto, em síntese, apesar da não oitiva dos policiais militares ambiental sob o crivo do contraditório, há elementos suficientes nos autos capazes de comprovar a materialidade delitiva, além da autoria.

A defesa, em sede recursal, reforça a manutenção integral da sentença penal absolutória.

O Magistrado a quo absolveu o apelado quanto à imputação da prática do delito descrito na denúncia, com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. Na sentença, consignou que "não há provas produzidas que foram submetidas ao contraditório aptas a conferir um juízo de certeza que justifique uma sentença condenatória".

Imputou-se ao apelado a prática do crime previsto no art. 38-A, caput, da Lei 9.605/1998, o qual dispõe:

Art. 38-A. Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Acerca do delito em destaque, retira-se da doutrina de Guilherme de Souza Nucci:

O objeto protegido é a vegetação, primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica (é o conjunto de vegetação predominante na Mata Atlântica). Para efeito de destruição ou dano não se envolve o estágio inicial de regeneração da vegetação [...] O tipo penal difere do anterior (art. 38), pois cuida não somente da floresta, mas da vegetação em geral existente na Mata Atlântica. Logo, não deixa de ser um tipo especial em relação ao anterior. (Leis penais e processuais penais comentadas. 6. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 568). (grifou-se)

Como se vê, para a configuração do crime ambiental em tela, é necessário que a degradação ambiental ocorra em espécies vegetais pertencentes ao Bioma Mata Atlântica, assim como que a vegetação seja considerada primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração.

Ainda, o § 1º do art. 14 da Lei do Bioma Mata Atlântica determina que a supressão de vegetação primária ou secundária em estágio médio de regeneração dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente. No Estado de Santa Catarina, o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina - IMA.

A Lei 11.428/2006, que dispõe sobre o Bioma Mata Atlântica, estabelece em seu art. 4° que "[a] definição de vegetação primária e de vegetação secundária nos estágios avançado, médio e inicial de regeneração do Bioma Mata Atlântica, nas hipóteses de vegetação nativa localizada, será de iniciativa do Conselho Nacional do Meio Ambiente".

Com efeito, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), editou a Resolução 4, de 4 de maio de 1994, para definir as vegetações primária e secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica.

Foi esse parâmetro técnico-legal que a guarnição da polícia militar ambiental utilizou para atestar o dano ambiental praticado em vegetação secundária em estágio médio de regeneração do Bioma Mata Atlântica. A descrição apresentada nos documentos lavrados corresponde, inclusive, em sua maior parte, ao previsto no art. 3°, III, da Resolução CONAMA 4/1994.

Ou seja, observando a vegetação remanescente, tendo por base a Resolução CONAMA 04 de 04 de maio de 1994, a polícia militar especializada verificou que se trata de vegetação secundária em estágio médio de regeneração do Bioma Mata Atlântica, conforme demonstram a Notícia de Infração Penal Ambiental 28447-2.2220/2019, o Auto de Infração Ambiental 47002-A e o Termo de Embargo 44487-A (evento 1, eproc1G, TERMO_CIRCUNST2-10).

Deve-se ter em mente, portanto, que os referidos documentos foram confeccionados segundo padrões técnicos legalmente reconhecidos. Por oportuno, colhe-se trecho da Notícia de Infração Penal Ambiental:



Os danos causados, inclusive, foram fotografados (evento 1, eproc1G, TERMO_CIRCUNST20-26, dos autos originários). A propósito, as fotografias colhidas durante a avaliação do estágio sucessional demonstram a fisionomia da espécie arbórea que, por certo, não se coaduna com aquela da vegetação secundária em estágio inicial (hipótese que afastaria a...

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