Acórdão Nº 0000634-28.2017.8.24.0043 do Quarta Câmara Criminal, 06-02-2020

Número do processo0000634-28.2017.8.24.0043
Data06 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemMondai
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recurso Em Sentido Estrito n. 0000634-28.2017.8.24.0043, de Mondaí

Relator: Desembargador José Everaldo Silva

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, §2º, IV, CP). PRONÚNCIA. RECURSO DA DEFESA.

PLEITO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ALEGAÇÃO DE INIMPUTABILIDADE. INVIABILIDADE. LAUDO PERICIAL QUE APONTA QUE O RECORRENTE ERA A ÉPOCA DOS FATOS NARRADOS, TOTALMENTE CAPAZ DE ENTENDER O CARÁTER ILÍCITO DO ATO QUE COMETEU E SE ENCONTRAVA TOTALMENTE CAPAZ DE SE DETERMINAR DE ACORDO COM ESSE ENTENDIMENTO. ADEMAIS, ART. 415, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPP QUE VEDA, NESTA FASE PROCEDIMENTAL, O ACOLHIMENTO DA TESE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA COM FUNDAMENTO NA INIMPUTABILIDADE POR DOENÇA MENTAL OU DESENVOLVIMENTO MENTAL INCOMPLETO OU RETARDADO, SALVO SE ESTA FOR A ÚNICA TESE DEFENSIVA. RECURSO DESPROVIDO NO PONTO.

PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. EXCLUDENTE DE ILICITUDE DA LEGÍTIMA DEFESA. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS. INJUSTA AGRESSÃO ATUAL OU IMINENTE NÃO COMPROVADA. CAUSA DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE QUE DEVE EMERGIR DE FORMA CRISTALINA E ESTREME DE DÚVIDA DO CONJUNTO PROBATÓRIO EXISTENTE NOS AUTOS. HAVENDO DÚVIDA, A MATÉRIA DEVE SER SUBMETIDA AO EXAME DO JÚRI.

"Para a caracterização da legítima defesa, devem estar presentes, concomitantemente, os requisitos estampados no art. 25 do Código Penal, quais sejam: a) injusta agressão, atual ou iminente; b) uso moderado dos meios necessários; c) defesa de direito próprio ou de terceiro. Não visualizada, de plano, a presença dos requisitos, descabe falar em absolvição sumária." (Recurso Criminal n. 2012.006891-3, de Tijucas, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, j. 29-5-2012).

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito n. 0000634-28.2017.8.24.0043, da comarca de Mondaí Vara Única em que é/são Apelante(s) Claudemir Kessler e Apelado(s) Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por meio eletrônico, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Sidney Eloy Dalabrida e o Exmo. Sr. Des. Ernani Guetten de Almeida.

Funcionou como membro do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Procurador de Justiça Rui Arno Richter.

Florianópolis, 6 de fevereiro de 2020.

[assinado digitalmente]

Desembargador José Everaldo Silva

Presidente e Relator


RELATÓRIO

Na comarca de Mondaí, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Claudemir Kessler, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, §2º, IV, do Código Penal, porque, segundo narra a exordial acusatória:

No dia 8 de julho de 2017, por volta das 19 horas, no interior da residência situada na Avenida do Engenho, n. 20, Bairro Capivara, no município de Mondaí/SC, o denunciado Claudemir Kessler, com manifesta intenção de matar, ceifou a vida da vítima Selmo Kessler, seu pai, à época com 61 (sessenta e um) anos de idade (fl. 7).

Consta nos autos que, decidido matar o genitor, de posse de uma faca (foto à fl. 24), o denunciado Claudemir Kessler desferiu um golpe fulminante na vítima pelas costas, atingindo a região dorsal do lado esquerdo, perfurando o pulmão e coração, provocando as lesões descritas no Laudo Cadavérico anexo, que foram causa eficiente de sua morte.

O crime foi cometido mediante recurso que impossibilitou a defesa do ofendido, haja vista que o denunciado Claudemir surpreendeu o pai pelas costas, desferindo o golpe de faca de maneira inesperada, impossibilitando qualquer reação.

Concluída a instrução criminal, sobreveio sentença, restando o réu pronunciado pela prática do crime tipificado no art. 121, §2º, IV, do Código Penal para ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, nos termos do disposto no art. 413 do Código de Processo Penal, conforme decisão de fls. 270-280.

Irresignado, o réu recorreu do decisum (fl. 298), em cujas razões requer, em síntese, a absolvição sumária pela inimputabilidade ou porque agiu em legítima defesa de terceiro (fls. 299-304).

Contra-arrazoado (fls. 315-324), o Juiz de primeiro grau manteve a decisão hostilizada por seus próprios fundamentos (fl. 310) e, após, os autos ascenderam a esta superior instância, opinando a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Francisco Bissoli Filho, pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto (fls. 332-340).

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de recurso criminal interposto por Claudemir Kessler contra a decisão que o pronunciou pela prática do crime tipificado no art. 121, §2º, IV do Código Penal.

Postula a defesa a absolvição sumária pela inimputabilidade ou porque agiu em legítima defesa de terceiro

Inicialmente, quanto à decisão de pronúncia, cabe transcrever o disposto no § 1º e no caput do art. 413 do Código de Processo Penal:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Conforme se depreende da norma supracitada, para ser proferida a pronúncia, deve-se verificar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e indícios que apontem o réu como autor da conduta descrita.

Acerca da questão, vale transcrever a lição de Júlio Fabrini Mirabete:

Para que o juiz profira uma sentença de pronúncia, é necessário, em primeiro lugar, que esteja convencido da "existência do crime". Não se exige, portanto, prova incontroversa da existência do crime, mas de que o juiz se convença de sua materialidade. [...]. É necessário, também, que existam "indícios suficientes da autoria", ou seja, elementos probatórios que indiquem a probabilidade de ter o acusado praticado o crime. Não é indispensável, portanto, confissão do acusado, depoimentos de testemunhas presenciais etc. Como juízo de admissibilidade, não é necessário à pronúncia que exista a certeza sobre a autoria que se exige para condenação. Daí que não vige o princípio do in dubio pro reo, mas se resolvem em favor da sociedade as eventuais incertezas propiciadas pela prova (in dubio pro societate) (Código de processo penal interpretado, 11. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 1084).

Desta forma, não restam dúvidas de que a pronúncia não representa juízo de valor absoluto quanto à autoria, caso contrário estaria sobrepondo à competência do Tribunal do Júri.

Pretende a defesa a reforma da decisão atacada, requerendo que seja decretada a absolvição sumária do réu Claudemir Kessler argumentando que agiu em legitima defesa.

Inicialmente, em relação a tese de inimputabilidade, assevera a defesa que o recorrente deve ser absolvido sumariamente, pois às fls. 204-206, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), atestou que Claudemir recebe benefício previdenciário, por ser portador de deficiência. Ademais, aduz que a médica psiquiatra Sabrina Perondi Casa-grande, atestou que ele apresentava quadro de retardo mental com sintomas psicóticos (CID10 F70 e F20).

Pois bem, quanto ao ofício encaminhado pelo INSS, consta apenas que o beneficiário Claudemir Kessler recebe benefício de prestação continuada (BPC), pois é pessoa portadora de deficiência (fls. 204-206). Todavia, deixou de apresentar o histórico da perícia médica realizada por aquela autarquia, sequer há menção quanto a CID da doença.

Já o oficio subscrito pela psiquiatra Sabrina Perondi Casa-grande embora aponte que "na data da consulta com o paciente este apresentava quadro de retardo mental com sintomas psicóticos", também revela que o último atendimento realizado por ela com o paciente Claudemir havia sido em novembro de 2013, não sendo "possível diagnosticar com precisão se em 08/07/2017 o paciente estava apto a entender a ilicitude de sua conduta descrita nestes autos" (fl. 200).

Já o laudo de sanidade mental n. 16778 (fls. 109-115), confeccionado pelo Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico e subscrito pelo perito médico Walmir Lelis de Assunção apontou que "Do ponto de vista psiquiátrico forense a análise da dinâmica e morfologia do ato criminoso indicam que a época dos fatos o examinado agiu de forma consciente, voluntária e auto determinada" e prossegue afirmando que "não há nada que demonstre de forma clara e inquestionável que a época dos fatos o mesmo tenha agido sob influência de sintomas psicóticos, tais como delírios ou alucinações. Por derradeiro não há nada que indique que o examinado possua um histórico de desenvolvimento mental incompleto ou retardado".

Neste sentido, o expert concluiu "que o examinado CLAUDEMIR KESSLER a época dos fatos narrados na Denúncia, encontrava-se totalmente capaz de entender o caráter ilícito do ato que cometeu, assim como também se encontrava totalmente capaz de se determinar de acordo com esse entendimento" (fl. 113).

Portanto, considerando que a causa de exclusão de pena não restou demonstrada de forma irrefutável, inviável a absolvição sumária imprópria nesta fase processual, cuja análise valorativa das provas deverá ser realizada pelo conselho de sentença.

Não bastasse isto, conforme expressa determinação do art. 415, parágrafo único do Código de Processo Penal, na fase da pronúncia, não se aplica a absolvição sumária com fundamento na inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, salvo se esta for a única tese defensiva, o que não é o caso dos autos, vez que a defesa também trouxe tese absolutória com fulcro na legítima defesa, motivo pelo qual, nega-se...

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