Acórdão Nº 0000659-49.2015.8.24.0063 do Segunda Câmara Criminal, 28-01-2020

Número do processo0000659-49.2015.8.24.0063
Data28 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemSão Joaquim
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0000659-49.2015.8.24.0063, de São Joaquim

Relator: Des. Sérgio Rizelo

APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO (CP, ART. 155, CAPUT). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DA ACUSADA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

PROVA DA AUTORIA E DA MATERIALIDADE. ELEMENTOS DE PROVA INSUFICIENTES. PERÍCIA DATILOSCÓPICA. AUSÊNCIA DE TESTEMUNHAS. VALORES JUSTIFICADOS. OUTRAS LINHAS INVESTIGATIVAS POSSÍVEIS.

Se a perícia datiloscópica não encontra digitais da acusada na carta que confessa o crime, que ela nega ter redigido; se ela não foi vista nas proximidades da casa dos ofendidos no dia dos fatos e tinha álibi fornecido por sua tia; se não era a única pessoa que sabia da presença de dinheiro na residência; se o dinheiro encontrado em sua casa teve origem explicada documentalmente; se havia outras linhas possíveis de investigação que, aparentemente, não foram seguidas; e se não foi verificada melhoria da sua condição financeira após o ocorrido; é de se considerar que não existe prova suficiente da autoria em desfavor da acusada, a ponto de permitir sua condenação pela prática do delito de furto.

RECURSO DEFENSIVO CONHECIDO E PROVIDO, PREJUDICADO O APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000659-49.2015.8.24.0063, da Comarca de São Joaquim (2ª Vara), em que são Apelantes e Apelados Deize Barbosa de Lira Goulart e o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso interposto pela Acusada para absolvê-la da imputação deduzida na denúncia, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, prejudicado o exame do reclamo aviado pelo Ministério Público. Custas legais.

O julgamento, realizado no dia 28 de janeiro de 2020, foi presidido pela Excelentíssima Desembargadora Salete Silva Sommariva e dele participaram os Excelentíssimos Desembargadores Volnei Celso Tomazini e Norival Acácio Engel.

Florianópolis, 29 de janeiro de 2020.

Sérgio Rizelo

relator


RELATÓRIO

Na Comarca de São Joaquim, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Deize Barbosa Lira Goulart, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 155, caput, do Código Penal, nos seguintes termos:

No mês de agosto de 2014, em dia e horário que a instrução poderá melhor precisar, na residência localizada no piso acima da Distribuidora de Bebidas Serrana Ltda., situada na rua Marcos Batista, n. 1.028, Centro, São Joaquim/SC, a denunciada Deize Barbosa Lira Goulart subtraiu para si cerca de R$ 40.000,00 [quarenta mil reais] em espécie, de propriedade da vítima Geraldo Medeiros Nunes.

Na ocasião, Deize Barbosa Lira Goulart adentrou a referida residência e subtraiu a res furtiva, a qual se encontrava guardada dentro de um fundo falso de uma cômoda de madeira no quarto do casal (fls. 1-2).

Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito julgou procedente a exordial acusatória e condenou Deize Barbosa Lira Goulart à pena de 1 ano de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, e 10 dias-multa, arbitrados individualmente no mínimo legal, substituída a privativa de liberdade por restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, pelo cometimento do delito previsto no art. 155, caput, do Código Penal (fls. 280-290).

Insatisfeita, Deize Barbosa Lira Goulart deflagrou recurso de apelação (fl. 301), em cujas razões requereu a proclamação da sua absolvição, pela insuficiência probatória para respaldar a condenação (fls. 328-336).

Também irresignado, o Ministério Público aviou apelo, requerendo a reforma da sentença resistida com a finalidade de adequar a dosimetria da pena, a fim de que sejam negativadas as circunstâncias e as consequências do delito (fls. 310-326).

Ambas as Partes ofereceram contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do apelo alheio (fls. 342-345 e 346-372).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Marcílio de Novaes Costa, posicionou-se pelo conhecimento dos apelos e provimento apenas do aviado pelo Ministério Público (fls. 379-388).

Este é o relatório.


VOTO

O recurso interposto pela Acusada preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

No mérito, deve ser provido, com a consequente perda de objeto do reclamo deflagrado pelo Ministério Público.

Nem a materialidade nem a autoria dos fatos narrados na denúncia restaram satisfatoriamente comprovadas, a ponto de permitir o decreto condenatório. Explica-se.

Quanto à ocorrência dos fatos, embora não se duvide da Vítima Ivania Terezinha Zanelato Nunes quando narrou que constatou, em determinado dia do mês de agosto de 2014, a subtração de certa quantia de dinheiro do esconderijo em que o mantinha em sua residência (mídia das fls. 205-206), o que restou positivado também no boletim de ocorrência da fl. 6 (registrado por seu esposo Geraldo Medeiros Nunes), é certo que não está comprovado nos autos (o que poderia e deveria ter sido feito documentalmente) que ela e o marido, que nem sequer foi ouvido em Juízo, detinham dentro de casa o elevado montante em espécie mencionado na exordial acusatória.

Isso, é saber, poderia ter sido demonstrado pela juntada aos autos, por exemplo, da declaração de imposto de renda de Geraldo Medeiros Nunes (mencionado na incoativa como proprietário do dinheiro), na qual estaria positivada a posse/detenção do numerário.

Tampouco foi esclarecido, pela perícia realizada no local da subtração (fls. 12-14), sobre a permanência de dinheiro no fundo falso do móvel em que o montante subtraído estaria supostamente guardado, se foi fotografado o esconderijo ou computado o tempo necessário para que uma pessoa se dirigisse desde a entrada da residência até o lugar onde estavam as notas rapinadas, o que, como se abordará adiante, é informação de grande importância à resolução do caso em mesa.

De logo, pois, tem-se que foi deficiente o esclarecimento da forma como se deu o furto em análise, bem como da própria quantia subtraída.

No tocante à autoria, conquanto haja indícios, ainda mais incerta é a identificação da Acusada Deize Babosa Lira Goulart como a agente responsável pela subtração.

A desconfiança sobre a Acusada iniciou a partir de conversa havida entre Elisiane Rodrigues Gonçalves (que trabalhava como faxineira na casa de Ivania Terezinha Zanelato Nunes e Geraldo Medeiros Nunes, e que foi mencionada no boletim de ocorrência como suspeita inicial do furto por parte das Vítimas) e Kátia Kasperowicz Zagroba (ex-inquilina dos Ofendidos), em que foi assentado que Deize Babosa Lira Goulart (vizinha das Vítimas), assim como elas próprias, sabia da existência de dinheiro na residência dos Ofendidos (fls. 185-198).

Elisiane Rodrigues Gonçalves, que inicialmente afirmara à Vítima Ivania Terezinha Zanelato Nunes (sua empregadora) que não mencionara a ninguém a existência do numerário escondido na casa, decidiu, instada por Kátia Kasperowicz Zagroba, revelar que havia, sim, divulgado tal informação, que fora passada também para Deize Babosa Lira Goulart antes do furto.

É que Elisiane, promovendo a limpeza na casa de Ivania Terezinha Zanelato Nunes e de Geraldo Medeiros Nunes, descobriu o fundo falso de um móvel no quarto do casal onde viu dinheiro, tendo isso dito a Kátia Kasperowicz Zagroba, que, por sua vez, revelou a circunstância para a Acusada Deize Babosa Lira Goulart, que, mais tarde, foi também informada do dinheiro pela própria Elisiane Gonçalves. Tudo isso foi mencionado e confirmado pelas oitivas de Ivania Terezinha Zanelato Nunes, Kátia Kasperowicz Zagroba e Elisiane Rodrigues Gonçalves em juízo (mídias das fls. 205-206).

Diante disso, formou-se a tese contra a Acusada Deize Barbosa Lira Goulart.

Ivania Terezinha Zanelato Nunes logo informou à Polícia que a Acusada teria "'fama' de 'ladra'" (fl. 9); Kátia Kasperowicz Zagroba agregou ter ouvido "comentários de que Deize havia pegado um cheque assinado e com valor de uma comadre e havia passado pra frente, fato que fez uma intriga entre ambas, e quando a comadre disse que iria chamar a polícia, Deize devolveu o dinheiro referente ao valor do cheque", somando que, "na quinta-feira antes do dia dos pais, a depoente foi até a casa de Deize e esta pediu para aguardar uns minutos, indo até a casa da atual inquilina da Dona Kika [Ivania Terezinha Zanelato Nunes], retornando após algum tempo, dizendo que a inquilina não estava" (fl....

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