Acórdão Nº 0000710-57.2012.8.24.0001 do Quarta Câmara de Direito Público, 18-11-2021

Número do processo0000710-57.2012.8.24.0001
Data18 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0000710-57.2012.8.24.0001/SC

RELATORA: Desembargadora SÔNIA MARIA SCHMITZ

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: SERGIO SASSANOVICZ APELADO: CARMINEZ LUIZA BIASOTTO SASSANOVICZ

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos declaratórios opostos pelo Departamento Estadual de Infra-Estrutura de Santa Catarina - DEINFRA contra o acórdão (Evento 71 - processo judicial 1 - p. 228-236) que deu parcial provimento ao recurso de apelação para excluir da área indenizável o trecho afetado ao 'traçado antigo' da rodovia.

O embargante afirmou, em apertada síntese, que a decisão é omissa porque "[...] não se manifestou sobre pontos sobre os quais deveria se pronunciar de ofício, visto que tratam de matérias de ordem pública"; inferindo que os autores, ora embargados, não possuem legitimidade para vindicarem indenização, porquanto adquiriram os imóveis de matrículas n. 8.059 e 8.060 em momento posterior ao apossamento e deixaram de apresentar a escritura do imóvel de matrícula n. 3.223, daí porque indemonstrada a propriedade do bem; e que há se adequar os juros compensatórios e fixar os demais consectários legais incidentes na hipótese. Ademais, ventilou erro material no julgado, porquanto deixou de expressar o termo final dos juros compensatórios. Pugnou pelo acolhimento dos aclaratórios para modificar a decisão embargada e para prequestionar a matéria debatida.

Intimados a se manifestarem, os embargados concordaram com a retificação do erro material apontado, expressando-se, contudo, contrários às demais suscitações do ente público (Evento 83).

É o breve relatório.

VOTO

De acordo com o preceito do art. 1.022 do Código de Processo Civil/2015, o cabimento dos embargos de declaração restringe-se à presença de obscuridade ou contradição na sentença ou no acórdão, omissão de algum ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz de ofício ou a requerimento, bem como para corrigir erro material.

Sobre a matéria, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery esclarecem:

Os EDecl têm finalidade de completar a decisão omissa ou, ainda, de aclará-la, dissipando obscuridades ou contradições. Não têm caráter substitutivo da decisão embargada, mas sim integrativo ou aclaratório. Prestam-se também à correção de erro material. Como regra, não têm caráter substitutivo, modificador ou infringente do julgado (nesse sentido, os embargos têm sido recebidos pela jurisprudência como agravo interno - v. Coments. CPC 1021). Não mais cabem quando houver dúvida na decisão (CPC/1973 535 I, redação da L 8950/94 1º) (Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª tiragem. São Paulo: Editora RT, 2015, p. 2.120).

Na hipótese, o embargante defendeu que o ato decisório seria omisso porque deixou de sopesar questões de ordem pública, inferindo a ilegitimidade ativa, a necessidade de adequação dos juros compensatórios e a imprescindibilidade de fixação dos consectários legais (clamando, nessa extensão, pela aplicação da 'TR'); ademais, ventilou erro material quanto ao termo final dos juros compensatórios.

E tem razão.

O Acórdão efetivamente olvidou-se de pontos relevantes na apreciação do feito, promovendo abordagem excessivamente simplificada - e equivocada - dos parâmetros legais e jurisprudenciais aplicáveis à hipótese.

Aprioristicamente, há se pontuar que ao revés das narrativas apresentadas pelos embargados em sua manifestação; as suscitações exaradas pelo ente público não configuram 'inovação recursal' em sede de embargos de declaração, haja vista que as matérias ventiladas factualmente deveriam ter sido abordadas junto ao decisum embargado, não somente por comporem matérias de ordem pública, mas especificamente em razão do reexame necessário que intrinsecamente atrai a análise de tais questões.

Afinal, "[...] a Remessa Necessária é condição de eficácia da sentença, não possuindo natureza recursal, e devolve ao Tribunal a revisão do julgado, "em vista do efeito translativo, toda a matéria na qual a Fazenda Pública sucumbiu, e as questões de ordem pública, de conhecimento e julgamento obrigatórios, mesmo que não tenham sido suscitadas anteriormente, hipótese que não configura reformatio in pejus, excepcionando a aplicação da Súmula 45/STJ" (AgInt no AREsp 1806011/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/06/2021, DJe 01/07/2021).

Nada obstante, tem-se necessária a revisão do julgado naquilo que concerne a legitimidade dos autores em vindicarem indenização pelo apossamento; os juros compensatórios e os consectários legais, porquanto ausente apreciação das matérias ou, quando abordadas, pontuadas de maneira superficial e em desconformidade aos julgados cogentes exarados pelas Cortes Superiores.

Acerca da legitimidade ativa, denota-se que o Superior Tribunal de Justiça proferiu julgamento junto aos Recursos Especiais n. 1750660/SC, n. 1750656/SC e n. 1750624/SC fixando, sob rito da repetitividade recursal, entendimento com repercussão direta e imediata na hipótese, em julgado assim ementado:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO ANTERIOR À ALIENAÇÃO. INDENIZAÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA DO ADQUIRENTE. DESCABIMENTO DE PRETENSÃO FUNDADA EM CESSÃO DE DIREITOS E SUB-ROGAÇÃO. ARTS. 286, 290, 346, 347, 349, 884, CAPUT, E 927 DO CÓDIGO CIVIL. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA, DA MORALIDADE E DA PROIBIÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. INAPLICABILIDADE DO ART. 31 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO E DA PRIMEIRA E SEGUNDA TURMAS DO STJ. JURISPRUDÊNCIA INERCIAL. ARTS. 926, CAPUT, E 927, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. HISTÓRICO DA DEMANDA1. O 2º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina admitiu, com fundamento no inciso IV do art. 1.030 do Código de Processo Civil, o presente Recurso Especial como representativo da controvérsia. A Primeira Seção proferiu decisão de afetação, assim delimitando a tese controvertida: "análise acerca da sub-rogação do adquirente de imóvel em todos os direitos do proprietário original, inclusive quanto a eventual indenização devida pelo Estado, ainda que a alienação do bem tenha ocorrido após o apossamento administrativo."2. Na origem, trata-se de Ação de Indenização por Desapropriação Indireta contra o Departamento de Infraestrutura de Santa Catarina (Deinfra), sob a alegação de que, no curso de pavimentação da Rodovia SC-303, houve parcial apossamento material dos imóveis das autoras. O Tribunal de Justiça deliberou que, após o apossamento, ocorrido em 13.5.1981, os imóveis foram transmitidos por doação às autoras em 12.5.1982. Declarou, então, "de ofício, a ilegitimidade ativa dos apelados, para reformar a sentença e extinguir o feito sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil de 2015 (art. 267, VI, do CPC/1973)."3. Na fundamentação, o acórdão recorrido lembrou que "o Superior Tribunal de Justiça passou a impor, como requisito para a procedência do pleito indenizatório, prova, por parte do atual proprietário, de que o valor pago correspondia ao montante antes da desvalorização oriunda do apossamento [...] O raciocínio visa evitar a obtenção de vantagem indevida pelo adquirente, que supostamente paga valor inferior ao original, e ainda postula indenização correspondente a perda não suportada por si." (fl. 195, e-STJ, grifo acrescentado).IDENTIFICAÇÃO DA DIVERGÊNCIA4. Com brilhantismo, objetividade e erudição característicos de seus pronunciamentos, o eminente Relator, Ministro Gurgel de Faria, deu provimento ao pleito e, na sistemática dos Recursos Especiais Repetitivos, propôs a seguinte tese: "Os adquirentes dos imóveis submetidos à desapropriação indireta sub-rogam-se no direito de receber indenização se, ao tempo do negócio, não tiver havido respectivo pagamento ao antigo proprietário, nem averbação no Cartório de Registro de Imóveis das dimensões atualizadas, sendo irrelevante o fato de a alienação ter ocorrido após o esbulho ou a conclusão da obra pública, cabendo ao expropriante o ônus da prova acerca da ausência de prejuízo."5. A divergência, no âmago, se resume a duas questões principais, inter-relacionadas umbilicalmente: a) o princípio da boa-fé objetiva e o princípio da proibição de enriquecimento sem causa - refinados e potencializados no Direito Privado - aplicam-se, na sua plenitude, ao Direito Público e, nomeadamente, à desapropriação indireta, em si uma construção pretoriana? b) à luz desses cânones - e também do princípio da moralidade -, é legítimo, no campo da desapropriação, àquele que adquire o bem, após apossamento administrativo material ou normativo, sub-rogar-se nos direitos do cedente para fins de pleitear indenização contra o Estado?JURISPRUDÊNCIA UNIFORME, EM SEIS PRECEDENTES, DA PRIMEIRA SEÇÃO SOBRE A MATÉRIA: JULGADO RECENTE DA RELATORIA DA MINISTRA REGINA HELENA COSTA6. Em 2018, apreciando caso idêntico ao dos autos - Ação de Desapropriação Indireta contra o Deinfra, subscrita pelo mesmo Advogado que atua neste processo (e no REsp 1.750.656/SC, que chegou a ser incluído na mesma afetação), cuja causa de pedir era a implantação de Rodovia no Estado de Santa Catarina (SC-483) -, a Primeira Seção, em Embargos de Divergência decididos à unanimidade, adotou o seguinte entendimento: "O acórdão embargado seguiu orientação da jurisprudência desta Corte, segundo a qual caso a aquisição do bem tenha sido realizada quando existentes restrições no imóvel, fica subentendido que a situação foi considerada na fixação do preço do bem. Não se permite, por meio de ação expropriatória indireta, o ressarcimento de prejuízo que a parte evidentemente não sofreu." (AgInt nos EREsp 1.533.984/SC, Relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, DJe 22.6.2018).7. Em seu voto, a eminente Relatora bisou precedentes da Primeira Seção. Tão sólida foi a compreensão de que esse entendimento estava pacificado no STJ que a Seção julgou protelatório o Agravo Interno, que insistia na premissa de o adquirente posterior do imóvel afetado ter...

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